Capítulo 1

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Um ano antes...

Sempre pensei que a doença do meu pai fosse como uma gripe,  que era só tomar um remédio, ficar em casa, longe do frio e da chuva que logo iria passar.

Mas agora, ao ver ele dentro do caixão, percebo que eu estava totalmente errada. Essa doença mortal o atormentou durante anos. Tirando uma parte dele, todos os dias.

Nunca passou pela minha cabeça que todo aquele bom humor era pra disfarçar a terrível dor que ele estava sentindo por dentro.

Não consigo entender como uma pessoa tão incrível igual ele, pôde sofrer tanto e no fim acabar virando comida pra bicho.

A vida é, sim, muito injusta.

Eu estou em choque, e minha mãe está arrasada, debruçada sobre o caixão, ela assim como eu, não consegue acreditar que ele se foi. É lamentável vê-la desse jeito, depois de ter acompanhado toda a luta dele de perto, desde o primeiro diagnóstico.até o fim..Ela  esteve ao lado dele o tempo todo, alimentando suas esperanças e dando vida aos seus sonhos mortos.

Assistir ao seu desespero é tão doloroso quanto.

Lembro de outra morte. A do meu avô, eu tinha seis anos. Ele costumava fingir que estava dormindo toda as vezes que  a gente ia visitá-lo,  eu corria até ele com a minha doce inocência de criança e ficava olhando para seu rosto enrugado até ele se levantar e me dá um susto daqueles. Não importava  quantos vezes ele fizesse isso, nunca perdia a graça.


Quando ele estava lá, deitado em seu caixão, eu me aproximei, peguei um banco e subi até alcançar seus olhos fechados e fiquei encarando eles por alguns segundos.

Um pouco inquieta com a demora, eu disse:

—– Tudo bem vovô, já pode abrir os olhos agora.


Com dezesseis anos, eu entendo perfeitamente que ele se foi, assim como o meu pai. E que talvez nunca mais vou vê-los. Que todas as palavras de conforto que as pessoas dizem no velório, no final não servem pra  nada. E que quando elas forem embora, será somente minha mãe e eu compartilhando essa dor imensurável.


O câncer não só levou meu pai, como também destruiu as nossas vidas. Como se não bastasse todo esse sofrimento, ainda tinha as dívidas para pagar. Porque o meu pai gastou um absurdo com remédios e tratamentos. Que no fim não serviram de nada, apenas para prolongar o seu sofrimento e acumular gastos. Sem contar que ele já estava endividado até o pescoço antes mesmo de adoecer.


Uma coisa que não sabíamos, porque ele sempre deixava transparecer que estava tudo sob controle.


Contudo tivemos que vender a nossa casa, o carro e até alguns móveis para poder pagar essa dívida sobrando apenas nossas roupas, alguns bens materiais que pelo valor sentimental não poderiam ser vendidos.

lá se foram os planos de uma vida confortável e feliz.

Moramos um tempo na casa da minha avó, até minha mãe se estabilizar emocionalmente para poder arranjar um emprego.

Foram muitos telefonemas e noites mal dormidas até ela conseguir arrumar um emprego, porém em outra cidade. O que não era tão bom, mas também não era ruim. Visto que teríamos que começar do zero.

Ela havia ganhado uma boa quantia de dinheiro com as vendas, e isso facilitou os custos da viagem e a entrada do primeiro aluguel.

Depois disso, tudo mudou, agora morando em outra cidade totalmente diferente, vivendo uma vida da qual não estamos acostumadas a viver. Porque graças ao emprego do meu pai tínhamos tudo, e agora com a sua morte e a vendas de suas ações na empresa para terceiros, não temos nada, além de um fútil sobrenome.

DesilusãoWhere stories live. Discover now