Capítulo 32

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Acordar depois de passar a noite em uma calçada dura e fria não é uma sensação muito agradável, mas eu já estou acostumada, afinal de contas, essa não é a primeira calçada que eu durmo.


Desde o dia que eu agredi a minha mãe porque ela não queria me entregar a chave da porta, decidi que eu não vou mais ser um fardo na vida das pessoas, então resolvi fugir.


Depois disso as minhas noites nunca mais foram as mesmas.


Se eu estou sofrendo e não consigo lidar com isso, não é justo descontar nas pessoas. Eu não sei se algum dia vou conseguir enxergar uma luz no meio dessa escuridão toda ou se vou ser capaz de me fortalecer com tudo isso, me perdoar, e perdoar os outros.


Eu só sei que agora, nesse momento, meu coração está cheio de culpa e de dor, e eu não consigo ver outra alternativa a não ser encher a cara e esquecer todas essas lembranças ruins que vivem martelando a minha cabeça.


Quando você está apaixonado, se sente nas nuvens, experimenta todas as sensações boas e ruins que a adrenalina te causa, uma felicidade infinita que parece que nunca vai acabar, nada e ninguém importa. Você está no alto, acima de todos, você é importante pra alguém e essa pessoa trata de te lembrar disso todos os dias.



E sua vida flui, todas as coisas contribuem positivamente para fortalecer ainda mais esse amor, você dorme e acorda suspirando, você se sente tão bonita, tão desejada e ao mesmo tempo tão insegura com medo de que qualquer imperfeição sua faça com que você perca tudo isso, e aí você começa a fazer de tudo para manter essa chama acesa.



Você abre mão de tudo, até mesmo de você, e a partir daí que a cegueira impregna sua visão, te impossibilitando de enxergar muita coisa errada nesse processo que é "Se apaixonar".



Mas depois que a cegueira acaba, que você escorrega das nuvens e sofre uma queda brusca e violenta, o sofrimento é inevitável. Você começa ver as coisas como elas realmente são, ver as feridas que você causou nas outras pessoas por amar alguém que não teve a sensibilidade de agarrar a sua mão quando você estava prestes a cair, e ao invés disso te empurrou, isso é de uma dor indescritível.


Ainda mais quando você se culpa por não ter sido o suficiente, por ter sido culpa sua, mas qual foi o seu erro, amar demais?

....

Tomei o último gole da garrafa e arremessei ela em um monte de lixo, e continuei vagando sem rumo algum.


Até me deparar com a vitrine de uma padaria,  e me deliciar com algumas guloseimas ali expostas. Passei a língua pelos meus lábios secos e famintos, sentindo o meu estômago roncar.



Nunca julguei os mendigos, muito pelo contrário, eu sempre me comovi com o fato deles dormirem na rua, passar fome, frio e sede, e agora ainda mais, por saber exatamente como é essa sensação.


—– Você  quer algum desses? se quiser, eu posso comprar pra você.


Olhei para trás e vi que Fred me encarava um tanto animado. Fechei os olhos e balancei a cabeça, depois abri os olhos novamente, dessa vez vendo um homem de meia idade com os cabelos levemente grisalhos e os olhos castanhos realçados por longos cílios.


—– Não, não quero não — Recusei assustada, me afastando daquele homem estranho.

—– Ei, espere, o que houve com a sua perna? — Ele perguntou, me agarrando pelo cotovelo com um olhar preocupado


Eu já tinha me livrado da muleta, e conseguia andar um pouco manca, mas minha perna ainda estava dolorida e com o gesso mole por conta da chuva, o que era incômodo pra mim.

—– Foi um acidente — Puxei o braço,  mas não se preocupe, eu estou bem.

—– Se quiser eu te levo no hospital para dar uma olhada nisso aí, e aproveito e te pago um café — Ele sugeriu e meus olhos se encheram, porque ele me fez lembrar uma pessoa muito querida.

O David.

—– Não precisa — Enxuguei as lágrimas e dei de ombros, mas ele agarrou o meu braço novamente

—– Eu faço questão — Me encarou com convicção. Olhei no fundo dos seus olhos e me enxerguei neles.

Eu estava mesmo muito mal.

Depois dele insistir muito, eu acabei aceitando, mas sempre alerta, segurando um canivete que eu havia encontrado no lixo pro caso dele tentar algo.



Quando você está na rua, é submetida a diversos tipos de situações, e para isso às vezes é preciso se proteger de qualquer forma.


Mas aquele homem parecia um tanto inofensivo, e eu também pude notar pela  cadeirinha no banco de trás cor de rosa que ele era pai de uma menina.


Logo veio varias lembranças de passeios de carro que fiz com o meu pai e a dor logo se apertou em meu peito.

Como sinto sua falta.


O nome do homem estranho era Robert, ele me levou para o hospital, fiz alguns exames, tirei aquele gesso que coçava em minha pele, depois fiz fisioterapia porque por incrível que pareça ele era fisioterapeuta.



Mas a história não foi diferente, criamos uma conexão, convivemos um tempinho junto, mas em uma noite qualquer eu sai do calor do seu peito e voltei para o frio das ruas.

Carregando alguns trocados que roubei dele e seu coração partido.


Mas um para colecionar.

Acho que nunca vai existir alguém que vai me fazer ficar.

Acho que nunca vai existir alguém como o Fred.

DesilusãoUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum