2 - Ainda nem são 8:30

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Meu pai olhou em volta, de olhos muito abertos, como se não acreditasse no que estava vendo.
Não falei nada, apenas me mantive ali, deixando ele absorver tudo. Era demasiado, eu sabia, ainda me sentia perdida e vivendo um pesadelo, imagino ele, que acaba de acordar de um cochilo e descobre que o mundo virou um lugar fantasma.
Ele colocou as mãos na cabeça, girou olhando em volta, ficou horrorizado com os corpos no chão...
- Mas o que... Como... - Me olhou. - Quando isso aconteceu?
Dei de ombros. - Á algumas horas. Eu estava na estrada, esperando o sinal abrir, aí quando abriu... - Ergui as mãos. - Quase fui jogada em uma parede por um ônibus desgovernado.
- Meu Deus... Mas... Como isso é possível? E não tem ninguém vivo?
Neguei com a cabeça. - Não que eu visse.
Meu pai abaixou, passando as mãos pelo rosto, em silêncio. Depois de alguns minutos, seus olhos azuis acharam os meus.
- E agora?
Sentei, do seu lado, olhando o caos.
- Eu não sei.
Do nada, ele começou a rir, me assustando.
Olhei ele, temendo pela sua saúde mental, mas ele ergueu a mão me pedindo um minuto. Depois se recompôs e respirou fundo.
- O mundo acabou, só a gente sobreviveu... E ainda nem são 8:30h.
E começou a rir de novo.

Saímos andando pela avenida, mas depois dos primeiros passos, comecei a considerar se teria sido uma boa ideia. Meu pai queria saber se realmente estavam todos mortos ou se, como nós, alguém tinha ficado vivo. Mas a cada passo que a gente dava, os corpos apareciam em toda a parte. Para não falar na destruição em alguns lugares.
Corvos surgiram sobre as nossas cabeças e meu pai olhou eles, parando de andar de repente e franzindo o cenho.
Ergueu o dedo e girou, devagar, me olhando.
- Porque os humanos morreram, mas eles não?
Olhei os pássaros e dei de ombros.
- Não sei. Eu vi um gato, correndo, quando tudo aconteceu. Ele estava bem vivo.
- Nem sei se quero saber o motivo. - Comentou, em voz baixa. Esfregou as pontas dos dedos na testa. - Temos de começar a pensar.
Olhei ele. - Não faziamos isso, antes?
Ele sorriu, um sorriso torto, e de cada vez que ele me dava aquele sorriso, eu percebia o que a minha mãe vira nele.
- Não esgota minha paciência, olha que agora sou só eu e você. - Brincou. - Temos de tentar achar geradores, porque tenho certeza de que, sem pessoas, a eletricidade não vai durar muito mais. E em relação á comida, temos de esgotar primeiro tudo o que tiver uma validade curta, ou seja, carne, peixe e até fruta e legumes. E só depois partir para as conservas.
Eu ri, ganhando um novo olhar dele.
- O fim do mundo acabou de acontecer, mas ainda bem que meu pai era do exército, né?
Ele riu. - Teve sorte, hein? Mas é sério, Lauren, precisamos usar a cabeça.
Assenti, chutando um pedaço de metal.
- Eu sei. Mas tendo em conta que os animais ainda estão vivos, a gente pode sempre caçar e pescar.
Bill assentiu e soltou uma das suas gargalhadas. - Não vamos levá-los á extinção. Somos apenas dois.
Ele parou de andar, chamando minha atenção, e seu sorriso morreu nos seus lábios.
- Pai?
Ele me olhou, como se acabasse de ter uma revelação.
- Sem pessoas, sem eletricidade, sem nada, quem vai impedir os animais do zoológico de saírem?
Franzi o cenho, mas depois entendi o que ele estava falando. Brevemente teríamos de competir por alimento com animais da selva e até de zelar por nossas próprias vidas.
- Animais solitários são fáceis de matar, mas os lobos, as leoas, e outros assim, que caçam em grupo... - Balancei a cabeça.
Bill assentiu. - A gente está fodido. Mas ainda não chegámos nesse ponto, então vamos com calma. Com sorte, alguém do governo ou do exército sobreviveu e pode dar respostas para nós. Ou fazer tudo voltar ao normal, mas não acredito muito nisso.
- Pffff.
Continuei andando e meu olhar se perdeu olhando a realidade em meu redor... e foi quando parei de andar, olhando o prédio do lado.
Tinha uma mulher, debruçada sobre a varanda, como se estivesse tratando da roupa e, simplesmente, deixasse cair uma peça e quisesse pegar. Se ela estivesse viva, eu entraria em pânico porque ela poderia cair daquela altura, mas naquele momento, apenas fiquei olhando o corpo imóvel.
Um gato marrom, estava, pacientemente, deitado junto dos pés dela, olhando a gente como se apenas estivesse esperando a dona acordar e o alimentar.
- Lauren.
Olhei Bill, nem percebera que ele havia parado, e depois de novo para a mulher.
Neguei com a cabeça. - Chega, para mim já deu.
Meu pai ergueu a mão mas eu me afastei.
- Lauren, eu sei que é difícil...
- Difícil? - Franzi o cenho. - Estão todos mortos! - Indiquei o prédio com o dedo. - Todos! Menos nós dois! O que a gente vai fazer até o fim da vida? E se a gente adoecer?! E se a gente cair e precisar de cirurgia?! E tudo o resto de que vamos precisar, mas não está mais ao nosso alcance?! Sabe que mais? Eu preferia ser um deles! - Indiquei um dos corpos no chão e me afastei.
- Lauren volta aqui! Onde você vai?
- Embora! - Gritei, sem parar de andar.
- Para onde?
Parei de andar. Para onde eu iria? Tanto quanto sabia, não tinha lugar para onde ir. E se aquilo não fosse apenas ali? Fosse no mundo inteiro?
Fechei os olhos e inclinei a cabeça para trás, voltando na posição inicial. Girei e olhei Bill, parado, esperando. E então, comecei a chorar. E eu nem era de chorar, mas naquele dia, já era a segunda vez.
Ele se aproximou e me abraçou.
- Eu não consigo fazer isso. - Solucei. - Eu não aguento isso. Ver eles... assim. Perdemos tudo. Todas as pessoas que conhecemos estão mortas.
- Calma, vamos achar um jeito e não vamos enlouquecer, por favor.
Sorri. - Já estamos enlouquecendo.
Meu pai me afastou e me encarou.
- A gente vai se virar, como sempre, seremos nós dois contra o que vier. Eu também estou assustado e confuso, você nem imagina, mas temos de fingir que estamos bem, como um ator, e seguir em frente. - Ele tocou no meu queixo rapidamente, me fazendo erguê-lo ligeiramente. - Somos sobreviventes.
Assenti, sequei as lágrimas e respirei fundo.
- Em busca de geradores? - Bill sorriu.
Sorri de volta. - Em busca de geradores.

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