22 - O Estranho

47 5 38
                                    

O homem nos olhava, parado, de arma apontando o chão.

- Quem é você? - Perguntei.

Ele parecia cansado e confuso.

- Vem bancar a idiota, agora? Pensa que eu não sei de tudo?

Troquei um olhar com Murphy e percebi que ele pensava o mesmo que eu: o homem estava louco.

Abaixei o arco, mas sem nunca tirar a flecha.

- Olha, vamos conversar, está bem? Sou a Lauren, ele é o Murphy. O senhor é...?

Ele riu. - Não, não vai adiantar, eu sei muito bem quem vocês são. Vocês nem são reais. - Indicou algo em volta. - Nada disso é real! Porque as pessoas não morrem assim, desse jeito. Elas não caem para o lado, simplesmente. Não, não, não é assim não.

Respirei fundo. - Senhor, a gente é real. A gente pode ajudar.

Ele ergueu a arma para mim, mas eu me mantive parada, já Murphy mirou a cabeça dele de novo.

- Hey, calma. - Pedi.

- Amigo, abaixa a arma. - Disse Murphy.

- Para vocês me matarem? Ou me levarem por ter sido o único que sobreviveu? Eu não vou ser nenhuma cobaia dessas experiências sinistras! - Gritou.

- Ninguém vai matar você. - Falei.

Ele riu, um riso idiota e sinistro. - Tem razão, ninguém vai. Não sei de onde vieram, mas eu não vou fazer parte desse jogo de vocês.

Vi ele mirar no Murphy e atirar, ao mesmo tempo que meu amigo gritava de dor e caía no chão.

- Não! - Gritei.

Senti meu peito doer e só queria chorar. Ergui o arco e deixei a flecha voar, vendo ela atingir o homem, fazendo ele cair.

Depois girei, abaixando e colocando o arco no chão, tocando em Murphy. Ele gemeu de dor, mas sentou e ergueu a cabeça para mim.

Sem pensar, abracei ele, fechando os olhos.

- Você está vivo! Oh meu Deus, pensei que tivesse morrido!

Senti um dos seus braços me rodear, abraçando.

- Estou bem sim, foi só de raspão.

Me afastei e percebi que ele tinha um ferimento no ombro.

- Vem, precisa de cuidados. - Levantei e puxei ele. Depois peguei a arma e coloquei presa no cinto dele. - Vem.

- Eu estou bem, essa merda só dói como o inferno.

- Vamos no hospital e cuidamos disso.

Percebi a forma como ele me olhava e encarei. - O que foi?

- Eu não... Eu não consigo fazer isso a mim mesmo.

Revirei os olhos. - Que raio de homem é você? Eu faço. Vem. - Puxei ele pelo braço bom.

- Podemos pegar cigarros, primeiro?

Encarei. - Quer perder todo o sangue? Depois nada poderei fazer por você! - Rasguei um pedaço da minha camisa e coloquei sobre o ferimento, pegando na mão boa dele e colocando por cima. - Faz força.

- Ninguém iria sentir minha falta, mesmo.

- Eu iria. Agora vamos.

Murphy estava sentado em cima da mesa da enfermaria, fumando, enquanto eu, de pé, cuidava do seu ferimento.

Minha mente voltou no acontecimento anterior.

Eu matara um homem. Eu matara um sobrevivente. Não tinha ninguém no mundo, e eu matara alguém que sobrevivera. Eu matei um de nós.

- Lauren.

Ergui o olhar e vi Murphy me olhando.

- Hum?

- Não pensa mais nisso. O cara era doido.

- Como você sabe que eu estava pensando nisso?

Ele sorriu. - Estava estampado no seu rosto.

Sorri e continuei suturando o ferimento. Depois perdi o sorriso.

- Era um homem. Um sobrevivente.

Murphy assentiu. - Que enlouqueceu e quase matou a gente. Nunca iríamos levá-lo para a prisão. Então, não tenha pena.

Suspirei e parei de suturar. - Eu matei um homem, Murphy. Um homem! Não é a mesma coisa que matar um animal. Ainda para mais no mundo em que vivemos.

- Escuta. Eu nunca matei ninguém, mas dessa vez, se ele tivesse atirado em você, eu mataria ele. Aliás, ele mirou em você, então eu atiraria de qualquer jeito. - Sorriu. - Esquece. O mundo mudou, a gente mudou.

- Mas não somos assassinos.

- Não. - Ele deu de ombros, fazendo careta de dor. - Mas aprendemos a matar, se for preciso.

Olhei ele por séculos, depois assenti e terminei o curativo, ainda com a imagem do homem morto na minha mente.

Quando acabei, sentei no chão, fechei os olhos e encostei a cabeça para trás.

Senti Murphy sentando do meu lado e abri os olhos. Ele indicou a janela.

- Está escurecendo, deveriamos ir embora.

Fechei os olhos de novo. - Estou exausta.

- Quer ficar aqui?

Olhei ele e dei de ombros. - Sei lá.

Murphy tirou algo do cinto e me entregou, e eu percebi que era um dos rádios. Olhei ele.

- Avisa o Bill.

Sorri e peguei o rádio. - Pai?

- Lauren. Cadê vocês dois? Estão bem?

- Está tudo bem. Murphy queria cigarros. Escuta, estou exausta, vamos demorar, tá?

- Certo. Se cuidem.

‐ Pode deixar. - Entreguei o rádio para o Murphy e suspirei. - Não consigo parar de pensar nele.

Murphy se aproximou mais de mim e ergueu o braço bom, passando por cima dos meus ombros.

- Vem cá. - Falou. - Está tudo bem certo? Ninguém falou que, havendo sobreviventes, seriam todos gente boa.

Sorri. - É, assim que nem você?

Ele riu. - Exatamente.

Sorri e fechei os olhos, encostando a cabeça no ombro dele.

- Obrigada, Murphy, de verdade.

- Tudo bem, ruiva. Agora dorme, iremos embora quando estiver pronta.

Sorri de novo e deixei que minha mente apagasse. Me sentia segura o suficiente ali, nos braços do Murphy, para adormecer e deixar que meu sono cuidasse das minhas feridas emocionais.

LegadoOnde histórias criam vida. Descubra agora