31 - Sistemas

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Ashley

Saí de dentro da prisão, olhando em volta e vendo Bill sentado na frente do terreno de plantações.

A noite já surgira, banhando tudo de escuridão, e ele estava simplesmente ali, sentado em uma cadeira, olhando o nada.

Suspirei. A conversa que Lauren tinha tido com ele e os rapazes, não fora muito agradável.

Por um lado, Bill concordou com nossa atitude, mas por outro ele temia que aquele grupo, que Jared e Murphy falaram ser bem mais numeroso, descobrisse onde a gente estava e atacasse. O Sargento chegou mesmo a falar em irresponsabilidade, quando Lauren assumiu que mataramos todos os outros.

Respirei fundo, como quando precisava falar algo para os meus pais, mas tivesse medo das represálias que eu sabia que iriam me dar.

Me aproximei e Bill me olhou.

Indiquei a cadeira do seu lado. - Posso?

Ele assentiu e eu sentei, esticando o braço e entregando a ele uma caneca de café.

Bill sorriu, mas pegou. - Isso não vai melhorar a situação.

Sorri. - Não, mas ajuda. - Suspirei. - Desculpa, mas a gente fez o que era melhor. Eles eram horríveis e nos cercaram. Eles iam matar a gente, ou pior.

Ele suspirou. - Eu entendo, de verdade, mas olha para nós. E você... Você só tem 15 anos. É... Não pode morrer assim, nem lutar.

Revirei os olhos. - Matei eles, isso supera tudo, não? E claro que eu posso lutar e eu vou! Se eles vierem, eu vou sim. Vocês são minha família e essa prisão é minha casa.

Bill me deu um sorriso torto. - Tecnicamente é a casa do Murphy.

Rimos os dois e depois ele respirou fundo.

- Eu entendo o que vocês duas fizeram, mas não acho que esse povo esteja preparado para algo assim. E a gente viu todo o mundo morrer, cada um de nós aqui. - Ele me sorriu. - Eu não deveria ter essa conversa com você, você é a neta que eu nunca tive, entende? Ou uma segunda filha, mas é nova demais para isso. E eu tenho medo de perder você. De perder todos eles.

Assenti. - Foi por isso que pegou pesado com a Lauren? Porque eu ajudei, então a culpa é minha também. Mas o Jared estava lá, e eu não podia deixar que matassem o meu pai.

Bill sorriu e eu olhei o chão. Era a primeira vez que tratava Jared, oficialmente, por pai.

Bill tocou no meu ombro. - Lamento, garota, pelo que você já passou, de verdade. - Depois encostou na cadeira e respirou fundo. - Bom, agora já está feito, né? Vocês já mataram, já ameaçaram, já mentiram... Fazer o quê?

Assenti, bebendo um pouco do conteúdo da minha chávena. Olhei os vigias nos muros e depois vi Lauren e Jared subindo na torre, e olhando a estrada lá fora, de pé, e falando entre si.

- Eu pensei que ela gostasse do Murphy.

Bill olhou a torre e sorriu.

- Mas ela gosta. Como irmão, eu acho.

Sorri e olhei as mãos, segurando a chávena, e depois respirei fundo.

- Ash?

Ergui o olhar e vi Bill me observando. Sorri e dei de ombros.

- Eu tinha tudo, sabe? Bastava pedir. Mas o que eu mais queria, eu não tinha. Liberdade e uma família. E mesmo assim, quando eles morreram eu chorei, me senti sozinha e assustada e, principalmente, perdida.

Ele assentiu. - Eu entendo, garota, de verdade. Mas agora você tem a gente.

- E sabe que isso é a melhor parte de todo esse estranho acontecimento? Eu tinha medo do Jared, quando ele me achou, mas mesmo assim a ideia de ele sumir e me deixar sozinha de novo era pior do que a de enfrentá-lo. Naquele dia, com o outro grupo, se ele morresse, eu morreria junto.

Bill esticou a mão e colocou sobre a minha.

Nesse momento, Murphy surgiu, sujo de fuligem e óleo negro e sorriu, um sorriso tão grande que chegava a ser assustador.

- Você está tendo um ataque? - Perguntou Bill, o olhando. - Seu cérebro fritou de vez?

Murphy apagou o sorriso, enquanto eu ria alto, segurando a barriga.

- Ainda bem que minha filha não escolheu você. - Riu Bill.

Murphy estreitou os olhos. - Vou nem comentar por respeito a você e á Ash.

Nós dois rimos ainda mais e Bill ergueu a mão.

- Você não comenta, porque não saberia o que falar. Além disso, andou se esfregando em merda de gato? - Riu feito louco. - Ou já está fantasiado para o próximo halloween?

Ele cruzou os braços. - Consertei o sistema de aquecimento de água.

Bill limpou os olhos, me olhou, parando de rir, e depois para ele. - Hã?

- É. Agora, mesmo em dias chuvosos que não haja sol, a gente tem sempre água quente, basta achar madeira para queimar. Foi nessa "merda de gato" que estive trabalhando.

Franzi o cenho. - Nossa, "tio" Murphy, que inteligente. - Dei ênfase na palavra tio.

Ele me olhou e fingiu se arrepiar. - Não vem com essa de tio, isso parece nome de personagem sinistra naqueles filmes de gente doida.

Levantei, colocando a chávena na cadeira, me aproximei dele e abracei.

- Também te adoro. - Me afastei. - Mas me mostra esse sistema? Como a gente faz ele funcionar?

Murphy olhou Bill e me indicou. - Essa é das minhas. - Me olhou. - Tem certeza que o Jared é seu pai, mesmo que adotivo? Porque eu acho que... - Ele ficou calado.

Percebi, apesar de ele disfarçar muito bem, que aquele assunto era algo sensível, mas Murphy continuou brincando e segui ele para dentro da prisão.

- Murphy.

- Hum?

Seguiamos os dois, sozinhos, pelos corredores do fundo da prisão, onde nunca ninguém ia.

- Você tinha filhos?

Ele olhou o chão, sorriu e depois me olhou. - Você percebeu.

Assenti. - Tinha?

- É, mais ou menos. Eu ia... - Ele passou a lingua pelos lábios, olhando o chão. - Eu ia ser pai quando fui condenado. Mary estava grávida.

- Mas ela... Oh meu Deus! Lamento.

Murphy assentiu. - Está tudo bem. Você que é mais inteligente do que pensei e percebeu.

Franzi o cenho. - Ninguém sabe?

- Ninguém vivo, sabe. Além de você, claro.

Assenti. - Não vou falar para ninguém.

- Obrigado. - Ele me sorriu.

Sorri e indiquei a porta onde ficava o sistema de aquecimento manual da água.

- Me ensina?

Ele sorriu abertamente. - Claro.

LegadoWhere stories live. Discover now