17 | A caixinha dos meus próximos passos

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        Comemos tanto doce que nosso sobrenome poderia virar diabetes facilmente. Não me lembrava da última vez que eu comi tanto chocolate e acredito que, embora Zayn tenha ajudado na ideia e em sua confecção, isso proveio totalmente da mente fértil e gulosa da filha que eu tenho. Fico feliz que ela queira fazer suas próprias escolhas desde agora em relação ao que pode. Nesse momento, a pequena tentava enfiar uma garfada da comida na boca do seu parceiro de cozinha que, segundos atrás, reclamava que ela pegou o pedaço com mais morangos.

Era impossível não rir deles dois.

— O seu bolo ficou uma maravilha. Vamos mandar uma foto para o Tyler e para a vovó, o que acha?

— Vamos! — disse, animada. Peguei o celular, abri na câmera e apontei para o bolo em cima da mesa.

— Agora vai mais para o lado para ficar mais pertinho na foto.

— Finge que está passando seu dedo na cobertura, assim eles vão morrer de vontade — Zayn opinou com a garotinha esticando-se do seu colo até o doce. Ela adorou a ideia e fez o que foi sugerido.

Gargalhei ao capturar aquele momento: o sorriso maléfico em seu rosto e o dedinho prestes a se enterrar no recheio de chocolate com morango. Zoe estava se divertindo à beça com aquilo. Enviei a mensagem com a legenda "nossa nova masterchef".

— O que eles disseram?

— Ainda não responderam, meu amor, mas, assim que virem, eu te digo.

— Eu posso pegar mais um morango, mãe?

Zayn e eu soltamos um riso baixo ao mesmo tempo. Aquele devia ser o quinto morango que ela pedia ainda que eu tivesse deixado pegar quantos quisesse.

— Claro que sim.

Meu olhar pousou sobre minha filha e a observei durante os minutos seguintes; estava concentrada em comer a fruta com o chocolate, totalmente despreocupada e encostada ao peito de Zayn que, vez ou outra, abaixava o olhar para vê-la comer ou ajeitar seus fios onduladinhos que saíam para fora do coque. Ele é muito bom com ela, Zoe se sente confortável em sua companhia e isso me conforta ao mesmo tempo que me causa receio, pois sei que ela sente falta de uma figura paterna e não gostaria que se apegasse demais a alguém que talvez não vá permanecer.

Meu coração dói quando penso nessas coisas, e, às vezes, sinto como se não fosse só pela Zoe.

Levei os olhos ao homem à minha frente no instante que sua mão tocou a minha, apoiada em cima da mesa. Sorri sem mostrar os dentes ao vê-lo balbuciar para que eu lesse seus lábios: não se preocupe.

— Bom, garotinha, eu preciso te ensinar a última parte do processo na cozinha para você se tornar uma cozinheira condecorada, que tal?

— O que é? — Virou-se para ele quase que instantaneamente.

— Lavar a louça! — contou. A menor ainda parecia bem animada. Vamos ver se vai continuar assim quando entrar na tão temida adolescência.

Acho que não estou pronta para essa fase ainda.

O sorriso de antes se alargou em meu rosto enquanto levantavam da mesa, indo até a pia. Ele a colocou sentada ali e lhe entregou um pano, em seguida disse algo que não entendi direito, porque meu celular apitou e eu não prestei atenção.

Que delícia! Guardem um pouco para mim.

Tyler começou a digitar logo depois da mensagem da minha mãe chegar, mas bloqueei a tela e levantei para buscar a caixa que o Spencer havia deixado a qual estava logo ali ao lado da cafeteira. Era larga, no entanto cabia em meu colo. Tirei a tampa, observando que o material era madeira pintada de azul, deixei na cadeira mais próxima e avistei a montoeira de papéis de vários tamanhos que existiam lá dentro. Afastei alguns com a mão, franzindo o cenho.

— Que isso? — disse só para mim.

Puxei uma folha que estava dobrada ao meio. Era grossa, contudo já tinha algumas manchas e rasgos e também um pouco de poeira. Quando afastei as duas abas, suguei o ar para dentro dos pulmões rapidamente: era uma imagem do mapa dos Estados Unidos. Não só isso, mas o mapa estava rabiscado com caneta no mesmo formato que eu desenhei com o Spencer cerca de um dia atrás. Logo embaixo dessa folha havia outra; essa era amarela com linhas, parecia um post-it em tamanho grande. Entreabri os lábios ao notar que a letra era muito parecida com a minha, senão idêntica.

Ali estavam gravados vários nomes que eu desconhecia, outros que eu lembrava ser de alguns desaparecidos e os respectivos estados onde foram vistos pela última vez. Aquilo parecia uma xérox do que eu havia encontrado com o Spencer há pouco mais de vinte e quatro horas. Todos os endereços, datas, nomes, contatos, setas interligando os raciocínios e observações sobre o Instituto de Inteligência Artificial. Tudo estava ali, inclusive informações sobre quais eu não tinha o mínimo conhecimento.

Deixei as anotações de lado e puxei uma espécie de livro grosso e marrom. A capa era dura, tinha detalhes em preto, havia, na frente, letrinhas coloridas coladas que formavam a frase "nosso livro de aventuras". Eu abri movida pela ansiedade. Assim que bati os olhos nos primeiros escritos de apresentação do livro, minhas mãos começaram a tremer — já tinha visto aquela grafia antes.

Passei algumas folhas. A passagem do ar até meus pulmões se tornava cada vez mais obstruída. Coloquei uma das mãos na boca e observei, desacreditada, as fotos coladas ali, fotos minhas e do Zayn. Juntos. Em algumas, muitas, parecíamos ser muito jovens; ao pular algumas páginas, pude ver uma fotografia de nós dois abraçados na praia: eu estava num vestido curto e rendado na altura dos ombros enquanto ele vestia um terno escuro. Estávamos sorrindo em frente à uma estrutura florida e um arco branco em cima do que parecia ser um tapete vermelho. A foto que veio em seguida mostrou nossas mãos unidas nesse mesmo cenário; na próxima, segurávamos taças enquanto ele me beijava.

Não consegui parar: à medida que ia passando de página com velocidade, surpreendia-me mais, porque era eu ali, era o Zayn ali — em algumas até mesmo Tyler e minha mãe apareciam — e eu não lembrava de absolutamente nada. Pareciam apenas sósias muito fiéis, cenários montados, fictícios.

Parecia uma realidade diferente.

Meus olhos transbordaram quando alcancei uma página com o nome da Zoe; aparentemente muitas pessoas tinham escrito que esperaram ansiosamente por ela, que a amavam e vislumbravam seu futuro brilhante. Havia mais fotografias minhas, dessa vez com a barriga crescida; em uma delas, aparecia apenas a mão do Zayn sobre minha pele e, nas que vieram depois, ele estava segurando um bebê enrolado em uma manta conhecida por mim. O meu bebê. Ele estava segurando o meu bebê.

O nosso.

Soltei o livro outrora apoiado em minhas pernas que escorregou e caiu. Ao levantar, senti meu corpo fraquejar e me apoiei na mesa à qual estava sentada há pouco tempo. Podia ouvir vozes chamando por mim, mas iam ficando cada vez mais abafadas como se estivessem se distanciando bem devagar. Eu pisquei algumas vezes, sentindo as lágrimas quentes escorrerem pelo meu rosto. Não conseguia enxergar o Zayn, tampouco Zoe e o ambiente ao meu redor, estavam embaçados.

Tentava respirar e não podia.

Eu estava tão cansada. Meus olhos imploravam para fechar. De repente, foi como se não houvesse mais peso sobre meus ombros ou pés. Minha mão escorregou pela mesa, não podendo mais fazer o trabalho de manter meu equilíbrio e o embaçado se tornou escuro.

Submersos | Z.MOnde as histórias ganham vida. Descobre agora