Tobias é ex-presidiário e dependente químico que tenta retomar a vida no mesmo ritmo que o mundo retorna de uma pós pandemia. Através de reencontros, deseja refazer os laços com o filho e zelar pela vida de pessoas que um dia ajudaram ele, mas isso...
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O tal Asilo Girassol não parecia tão ruim quanto imaginei, mas também não mostrava ser tão acolhedor quanto a casinha que Seu Venceslau tinha lá na favela. A moradia sem reboco em alguns lugares, com cinco cômodos minúsculos, laje para pôr a roupa no varal e tudo arrumado da mesma forma que foi deixado pela sua falecida esposa era o seu lar. E lar nunca terá o mesmo gosto de uma espaço qualquer. O homem tinha um zelo tremendo por todo o cuidado e carinho que a esposa deixou em cada objeto. Era foda saber que algum estranho se apossou de tudo aquilo.
Ainda não era capaz de acreditar que tinha tido coragem para cortar caminho e ir até lá. Apaguei a bituca com a sola do tênis e ajeitei a máscara antes de atravessar a avenida até a entrada do asilo de muro branco com alguns grafites antigos de girassóis na entrada. Uma senhora estava conversando com a outra mulher que mantinha as portas duplas de madeira aberta. Ambas ficaram desconfiadas quando cheguei perto demais. As pessoas sempre agiam assim.
— Opa, bom dia! Aqui é o Asilo Girassol?
—Não queremos comprar nada. — A mulher atrás da porta encarou o isopor sustentado pelo meu ombro direito.
Se tinha uns cinco sacolés era muito.
— Isso não é nada não, relaxa. — Sorri por trás da máscara, mas não convenceu ela, que apesar de ter aquela máscara colorida na cara, estava nítido a sua apatia perante a minha presença.
Suspirei.
A senhora do meu lado me analisou.
— Olha, eu tô procurando um moço. — Elas não disseram nada. — O nome dele é Venceslau, soube que a filha dele deixou ele aqui e eu queria ver ele.
— Qual é o seu nome?
— Tobias.
A mulher pensou por um tempinho e negou com a cabeça.
— A filha dele nunca falou sobre nenhum Tobias.
— Óbvio que não, ela não vivia na favela pra saber. — retruquei meio rude. — A filha dele meteu o pé de lá e largou o pai sozinho, agora surgiu do nada com esse papo de querer cuidar do pai. Não cai nessa não,moça.
Ela ergueu as sobrancelhas falhadas.
— E deveria acreditar em você? Que surge aqui do nada querendo visitar ele depois de tanto tempo que ele tá com a gente?
Olhei para a mulher calada do meu lado e voltei a olhar para a senhora na porta. Séria, inabalável, parecia uma freira com aquele pano cinza na cabeça.
Suspirei.
— Não sabia que ele estava aqui. Na verdade eu tava preso e saí no meio dessa pandemia, só agora as coisas se acalmaram e pude vir aqui.
Senti a atmosfera pesar entre nós três na porta daquele asilo furreca.
— Realmente não vou poder te ajudar. — Negou com a cabeça. — Vem Sônia, vou te mostrar onde fica. — Acenou para a mulher que, mesmo relutante, se apressou para passar pela porta.