Tobias é ex-presidiário e dependente químico que tenta retomar a vida no mesmo ritmo que o mundo retorna de uma pós pandemia. Através de reencontros, deseja refazer os laços com o filho e zelar pela vida de pessoas que um dia ajudaram ele, mas isso...
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— Fazia um tempão que não vinha aqui.
Enfiei os pés descalços na areia, com aquela sensação gostosa entre os dedos. A praia estava vazia. Apenas uma pessoa ou outra passava correndo na areia ou pedalando no aterro. O tempo estava péssimo assim como eu.
— Eu gosto dessa imensidão toda.
— Vai virar poeta agora?
Neguei com a cabeça.
— Isso não tem nada a ver com poesia, é que, — Suspirei. — acho que isso aqui foi a única coisa boa que ficou de tudo. — Busquei por aqueles olhos escuros que me encaravam sentados ao meu lado.
Gustavo ficou pensativo.
— O que você teve com esse tal Inácio? — Não respondi. — Ninguém ajuda ninguém assim.
Passei a língua pelos lábios, dando atenção pra extensão de areia e o mar infinito para além.
— Você ainda tá me ajudando.
— Eu gosto de você.
Me sentia mal por ele ter dito aquilo.
— Eu trabalhei pro Inácio. — Matei sua curiosidade. — Ele é cadeirante e precisava de alguém para ajudar ele por um tempo...
— Só isso?
— O que você quer que eu diga? — Encarei ele.
— Você tem mais alguma coisa pra dizer? — retrucou.
— Não fode, Gustavo.
Tateei os bolsos atrás do maço.
— Você teve algo com ele.
Acendi o cigarro entre os lábios, dando atenção pra chama, para as cinzas, para a sensação boa.
— E se tiver tido? — Observei seu rosto.
A gente não dormia bem a muito tempo. A gente não vivia bem a meses.
Gustavo não falou nada, ficou com os olhos no oceano.
— Vou dar um mergulho.
Deixei o cigarro no cimento e levantei.
— Tá doido?
Não respondi.
Puxei o casaco pela cabeça, tirei os tênis, a camiseta e a calça.
— Tobias...
Precisava ter a sensação de estar vivo contra minha pele. Não era só sentir frio, ou todas as sensações que o corpo sente enquanto tá vivo, mas algo sobre ser levado. Não havia nenhuma situação que me afogasse no fundo do mar.
A água salgada estava congelante e apesar do choque contra a pele quente, mantive os pés agarrados na areia úmida no fundo. Mergulhei e com a água na altura do queixo, desejei ser engolido.
