CAPÍTULO 19

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— Ele é simpático

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— Ele é simpático.

Não tinha o que dizer para o comentário da Luena.

Era sexta e como de costume, ela me chamou para terminar aquela série que começamos a ver juntos, mas pela primeira vez depois de meses não quis estar ali. Não quis estar em lugar nenhum.

Não era por ela, era por mim. Desde o dia anterior não era uma boa companhia e só queria ir embora dali.

— Encontrei com ele quando voltei da rua hoje. — Lógico que o Fabrício ocuparia todos os espaços, conheceria pessoas, moraria com ele. — Não pensei que o Inácio moraria com alguém, não que ele não fosse capaz disso, é só que ele é tão arisco.

—Egocêntrico. — murmurei, ela não ouviu.

— Como tá sendo?

— O que? — Voltei os olhos pra ela.

— Ficar com o Inácio, tendo o Fabrício lá..

— Não trabalho mais lá.

Franziu as sobrancelhas com um misto de confusão e surpresa no seu olhar.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não.

Não estendi o assunto e o silêncio que seguiu nós dois, tornou aquilo angustiante pra mim. Era a Luena, minha amiga, mas entender aquilo já era confuso demais pra mim, quem dirá falar sobre aquilo.

Nem ao menos estava prestando atenção na série.

— Desculpa, mas eu vou subir. — Fiquei de pé.

Luena ficou confusa. Estava sendo péssimo com ela.

— Não sou uma boa companhia hoje. — Tentei explicar meus impulsos.

Na luz da TV ligada, ela suspirou com os olhos confusos sobre mim.

— Posso fazer alguma coisa?

Neguei com a cabeça.

— É coisa minha.

Suspirou.

— Onde você vai dormir?

— Trancado no quarto, talvez.

Umedeceu os lábios.

— Se mudar de ideia... — Levantou do sofá. — Se quiser conversar também.

Concordei devagarinho.

Ela quis me abraçar, mas não estendeu os braços porque eu recuei. Com um gesto de cabeça sai do seu apartamento. Fiquei parado no corredor do primeiro andar, sem dinheiro pra encher a cara e sem muita coragem pra subir.

Oscar estava com a Amália e eu ainda tinha a opção de ser cara de pau e dormir no sofá do Inácio só para sair antes deles acordarem. Não tinha lugar para me suportar naquela noite, que não fosse de um lado sufocante e no outro despertasse a minha ira.

Mesmo assim subi cansado e cheio de curiosidade. O apartamento do Inácio estava silencioso e escuro demais, mas tinha risadas vindo do quarto. Eu só queria dormir em algum lugar, mas a voz dos dois me chamava, mesmo não tendo nada a ver comigo. Pisei devagar naquela penumbra e na porta entreaberta, olhei pela fresta e a luz do abajur iluminava o corpo dos dois na cama.

Fabrício estava deitado em cima dele com o queixo apoiado no seu peito enquanto falavam sobre alguma coisa. Os peitos nus, os sorrisos... Inácio estava sorrindo.

Eu estava olhando por uma pequena abertura para o universo que não era meu, com sentimentos e histórias que não eram minhas.

A risada doce dos dois promoveu em mim amargura. Cerrei os punhos com o sentimento ruim no peito.

Recuei até sair do apartamento. Bati a porta e sem pensar muito entrei no 403 furioso.

— Que surpresa! — Oscar estava na cozinha. — Foi chutado, é?

Parei e voltei dando de cara com ele. Só de box preta, ele bebia água com as costas apoiadas na pia.

— O que você falou?

Ele riu. Terminou de beber e pôs o copo dentro da pia.

— Não precisa ficar putinho. — Ao passar por mim, deixou dois tapas no meu ombro.

Num gesto automático, afastei sua mão de um jeito rude. Ele me empurrou. Por impulso, desferi um soco no rosto dele. A sua presença me dava raiva só pelo fato dele estar ali. Oscar me deu um soco e peguei ele pela cintura, empurrando pra longe. Foi uma série de socos e empurrões até eu cair no chão. Senti o peso dele em cima de mim e fui incapaz de me proteger das suas investidas, sendo ele mais forte do que eu. O gosto de sangue se alastrou pela boca, assim como a dor no rosto e no resto do corpo.

A voz da Amália era distante demais.

Não sei quando, nem como, mas os socos pararam e ele foi pra longe. Foi difícil virar o corpo e cuspir o gosto ruim da boca.

— Ele partiu pra cima de mim. Porra, Amália olha isso! Caralho. — A voz dele era um sussurro no fundo dos meus ouvidos.

Arrastei o corpo até a parede e sentei com dificuldade. As costelas doíam e sentia o rosto inchado.

Oscar ficava falando e falando, enquanto Amália analisava os machucados em seu rosto. O sangue escorria pela sua pele clara, pingando no seu corpo.

Eu ri. Mesmo com dor eu ri porque ele estava todo arrebentado.

Cuspi.

— Tá rindo do que, seu merda?

Oscar! — Amália, com aquelas mãos amáveis, forçou os olhos dele para ela, mas foi em vão.

— Você acha isso engraçado? — gritou.

Ignora ele!

— É isso que você vai continuar fazendo? — perguntei, apesar da dor no rosto e no peito.

Ela não falava mais comigo.

— Qual é o seu problema, Tobias? — Os olhos dela me encararam com repulsa.

Tossi. Cuspi o sangue no chão.

— Qual é o seu problema?

Amália começou a chorar, mas havia raiva ali.

Negou com a cabeça.

— Eu mandei você não se intrometer na minha vida.

— Mas eu tô aqui, e depois de tudo...

Pedi pra você esquecer isso! — me cortou. Olhou para mim por um tempo e suspirou com pesar. Negou com a cabeça diversas vezes como se por um momento aquilo fosse doloroso demais. — Foi um erro te trazer pra cá. — Agarrei a camiseta na barriga. — Pega suas coisas e vai embora daqui!

Ouvi o riso dele.

Mas nenhuma raiva e tentativa minha de acabar com ele seria suficiente para ter de volta um passado que não existia mais.

Nunca quis tanto estar morto.

Nunca quis tanto estar morto

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🏳️‍🌈| O Mar que Aqui RetornaOnde histórias criam vida. Descubra agora