07. DIAS RUINS

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Family Line - Conan Gray
"E eu sou muito boa em contar mentiras
Isso veio da minha mãe."

Any

Ao acordar e mirar o calendário, tive certeza de que aquele era um dia ruim.

3 de setembro.

Nos últimos anos, aquele dia era um dos mais difíceis para suportar. Meu único desejo era permanecer na cama até que ele acabasse. Normalmente, não me importava muito com datas. Mas aquela em específico marcava algo que eu nunca queria ter de lembrar.

Nos outros dias, era simples. Só fingia que o acontecimento não existia e conseguia viver assim. Mas nesse, era impossível.

Entretanto, queria fazer algo de diferente. Queria tentar esquecer ao máximo, aliás... é apenas uma data, certo? Então, marquei de tomar café com Shivani e preparei-me. Ao chegar na Bibble & Sip, porém, ela não parecia nada feliz.

— Oi — falou, fingindo um sorriso.

Cumprimentei-a e tentei engatar em um assunto, para descontrair. Claro, não conseguia tirar o calendário da minha cabeça.

— É hoje, né... — Shivani comentou, desistindo de seu falso bom-humor. — O dia da-

— Sim — interrompi. — Mas não iremos falar sobre isso. Você me prometeu.

Minha amiga assentiu em meio ao silêncio.

— Any... — chamou de repente. — Você não acha que devemos tornar esse dia um dia bom? Sabe... memorável? O que aconteceu não significa que devemos simplesmente viver tristes pra sempre e deixar isso nos atrapalhar.

Eu não conseguia. Era como uma ferida aberta e ardente que nunca seria capaz de se fechar.

— Não estou pronta — rebati. — Não consigo pensar sobre esse assunto sem que acabe com o meu dia.

Inesperadamente, uma dor física invadiu meu peito e senti minha garganta apertar. Sem querer prolongar o assunto, me retirei da mesa e esperei ao máximo que Shivani entendesse.

...

Depois das aulas da manhã, voltei ao quarto sem vontade alguma de almoçar com o resto da turma. Deitei em minha cama e fechei meus olhos, desejando que o dia acabasse.

Entretanto, um toque de telefone me interrompeu.

Ao ler "Mãe" no ID do chamador, não imaginei que aquele poderia ser um mau sinal. Apenas atendi, esperando receber o apoio materno que sempre desejei.

— Any! — ela exclamou. — Finalmente me atendeu!

Havia passado as últimas semanas ignorando a completamente. Priscila havia enviado algumas mensagens de texto e ligou algumas vezes, mas não quis dar atenção. Era demais para suportar.

— Oi, mãe! Estive muito ocupada ultimamente... se é que me entende.

Meu sorriso simpático se desmanchou logo que ouvi suas próximas palavras:

— Você nunca mais me deu notícias desde aquela carta de despedida ridícula. Quando voltará para casa?

Respirei fundo.

— Eu... não vou voltar, mãe. Pensei que tivesse deixado isso claro.

Se não trágico, o fato de que minha mãe ao menos perguntou se eu estava bem seria cômico. Como pensei que ela se importaria?

— Ok, Any, eu entendi muito bem o que escreveu — ela respondeu rispidamente. — Mas.. sabe como é, eu sei que você irá mudar de ideia.

Uma das coisas que me irritava em minha mãe era o fato de que ela nunca me levava à sério. Mesmo com 19 anos, ainda era tratada como uma criança.

— Não mudarei de ideia, Priscila — disse, firme. — Permanecerei aqui na Juilliard, até que eu me forme e consiga me tornar a cantora que sempre sonhei ser. E, da próxima vez que quiser saber de mim, nem ouse me ligar. Ligue a porra do rádio. — E desliguei.

...

Durante a minha última aula do dia, não consegui prestar atenção em nada ao meu redor. O meu dia que já estava ruim desde seu início conseguiu piorar.

Em algum momento, me senti observada. Quando olhei para o lado, Josh estava me encarando de sua mesa. A aula era de audiovisual, então alunos de vários cursos estavam ali.

Virei-me e decidi ignorar sua presença.

Meus pensamentos negativos foram interrompidos pelo pior professor da Juilliard, que chamou meu nome:

— Any, percebo que está muito distraída. Então... responda a seguinte pergunta: Em uma produção audiovisual, sons de ações físicas como passos, falas de personagens e sons ambientes são entendidos tecnicamente como?

Percebi que estava oficialmente fudida. Eu até gostava das aulas de audiovisual, mas naquele dia em específico, eu não estava com a cabeça para prestar atenção.

Gaguejei ao tentar encontrar uma resposta e falhei.

— Não estava prestando atenção na aula, certo? — o professor bufou. — É realmente lamentável-

Então, alguém se intrometeu e interrompeu o homem:

— Sons diegéticos, professor — disse a voz masculina.

Mirei o meu lado novamente e descobri que aquela voz pertencia a ninguém mais, ninguém menos do que... Josh Beauchamp.

— E lamentável é o que você, professor, está fazendo aqui — ele continuou, fazendo meu rosto se avermelhar de vergonha. — Não devia pressionar tanto os alunos. Pare de incomodá-la.

Quando a aula acabou, queria nunca mais olhar na cara do garoto. Sim, ele me defendeu, mas não era necessário. Eu conseguia fazer aquilo sozinha.

— Josh — chamei-o antes de sair da sala. — Dá pra você parar de insistir em mim?

O sorriso do loiro se desmanchou.

— Mas eu pensei que...

Antes de terminar, eu disse:

— Pois pensou errado. E... me deixe em paz.

Josh pareceu confuso.

— Any, está tudo bem? Você passou o dia todo estressada.

— Desde quando você se importa? — respondi.

Ele ergueu as sobrancelhas em defensiva.

— Eu... — Josh começou — só estava preocupado.

— Qual parte de eu querer que me deixe em paz você não entendeu? — disse. — E saia da minha frente.

...

NOTA DA AUTORA: Hoje postei 2 capítulos pois ambos eram relativamente curtos! Até quinta-feira!

Room 369 | BeauanyWhere stories live. Discover now