Capítulo Quatro. - Lembranças.

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Flashback:

A família Machado havia nos chamado para passar um final de semana em sua casa de praia. O que era um milagre, porque eles odiavam gastar o seu tempo com pessoas da classe média.

Meu pai havia recusado o convite de primeira, mas Evelyn acabou o convencendo a mudar de ideia com a desculpa de que ela e Ítalo estavam fazendo três anos de namoro, e que queriam comemorar de uma forma especial. E como sempre, mesmo estando no auge dos meus vinte e dois anos, meus pais me obrigaram a ir também.

Passar dois dias com os metidos era tudo o que eu não queria.

A casa de praia era um pouco mais simples do que a que eles moravam, mas não deixava de ser chique e luxuosa.

— Adorei o seu biquíni! — Cátia disse ao se sentar na espreguiçadeira ao meu lado.

— Obrigada, fui eu quem fiz.

A expressão dela era de choque.

— Você realmente leva jeito pra coisa!

— Valeu.

— Sabe, eu adoraria que você fosse a estilista da família. Se quiser posso falar com a minha mãe. Tenho certeza que te pagaríamos ainda mais do que você recebe. É uma ótima oportunidade.

Cátia nunca foi de esnobar as pessoas de propósito, mas ela sempre acabava fazendo isso sem querer. Eu sabia que não era por mal, afinal, ela tinha sido educada dessa maneira.

— Não precisa, obrigada.

— Por quê?

— Prefiro trabalhar em empresas, sendo designer de moda.

— Ah... é uma pena.

— Quando você se forma, queridinha? — Antônia se aproximou de nós.

— No fim desse ano — respondi de imediato.

— Interessante.

Eu não sabia o que aquilo tinha de interessante pra ela.

Naquela mesma tarde, quando subi para tomar banho, acabei passando na frente do escritório e escutando uma conversa nada agradável aos meus ouvidos.

— Filho, quando é que vai enxergar que essa garota não é pra você? — Falou o mais velho.

— Eu a amo.

— Menino bobo, não sabe que o amor atrapalha nos negócios? — Antônia disse com desdém.

— Eu não ligo pra isso, mãe!

— Você não percebe que eles nunca vão chegar ao nosso nível?

— Isso é uma besteira!

— Tá na cara que ela e a família são um bando de interesseiros!

— Mãe, por favor, nunca mais repita isso!

— Nós já deixamos você ficar com ela por três anos, está na hora de terminar. Fizemos esse teste de socialização e percebemos que isso nunca vai dar certo. Além de que essa união não vai  trazer nenhum benefício para a nossa empresa.

— Me escutem, só vou dizer uma vez. Se vocês realmente têm algum tipo de consideração por mim, ou querem continuar a manter essa farsa de família feliz, então aceitem o meu relacionamento. Porque se não fizerem isso, sou eu quem vai manchar a imagem de vocês.

Ítalo saiu da sala alterado, mas não deixou de reparar a minha presença na metade da escada. Ele apenas olhou nos meu olhos e pediu:

— Não conte isso à ela. Eu a amo, e só isso importa pra mim.

Eu não contei nada. Confiei na palavra dele. A minha irmã o amava demais, e merecia ser feliz. Naquele momento aquilo parecia o certo a se fazer.

Desci as escadas novamente, eu não podia encarar Evelyn naquela hora. Corria o risco de acabar dando com a língua nos dentes.

Voltei para a área da piscina, na expectativa de ficar sozinha, para poder sentir raiva em paz, mas Nicolas estava lá, sem camisa, deitado na espreguiçadeira.

Não sei por quanto tempo fiquei olhando pra ele, só percebi que não foi pouco quando ele forçou a garganta.

— Se continuar me olhando desse jeito vai acabar queimando o meu corpinho.

— Vai à merda! — Minha voz falhou na última sílaba.

— Ei, o que tá acontecendo? — Se levantou.

— Não é nada!

— Nunca te vi desse jeito.

— Ai que ódio, nunca viu alguém chorar de raiva?!

— Não você.

Me virei pra ir embora, mas ele me segurou pelo braço.

— Quer beber alguma coisa?

Encher o meu corpo de álcool não era uma má ideia, era melhor do que ficar por aí chorando de raiva com a TPM atacada.

Começamos a beber em silêncio, e só começamos a falar quando uma grade de cerveja já havia sido tomada. Não me lembro de como acabamos na praia, sentados na areia, olhando para o mar. Apenas eu e ele.

— Você ainda não me disse o que te irritou.

— Podemos estar bebendo juntos, mas isso não quer dizer que eu vá me abrir pra você.

Ele me olhou com um sorriso safado, o que me fez jogar um punhado de areia em seu corpo.

— Quanta agressividade!

— Você é um canalha!

— Eu só estava brincando. E obviamente, eu nunca ficaria com você.

— Por que eu sou pobre? Ou é porquê nunca vou chegar ao seu nível? — Fiz menção de me afastar. — Oh, vossa alteza, me perdoe pela proximidade, é muita audácia de minha parte — zombei.

— Para com isso!

— Você é igualzinho aos seus pais. — Virei a latinha de uma vez na boca.

Ele se levantou, irritado.

— Você não sabe do que está falando!

— Ah, qual é Nicolas, eu só estava brincando — ou não, mas ele não saberia disso, não naquele momento.

Me levantei para tentar ficar na mesma altura que ele, mas acabei me desequilibrado, e quase caindo de cara no chão; caso Nicolas não tivesse me segurado.

Nunca tínhamos ficado tão próximos daquela forma. Os seus olhos cor-de-mel  estavam mais claros por conta da iluminação, e os seus cabelos loiros brilhavam. A respiração dele batia contra a minha pele, e acho que a minha fazia o mesmo na dele.

Ele firmou as suas mãos na minha cintura e tomou os meus lábios em um beijo. Não tive nem tempo de raciocinar, quando vi já estava retribuindo, e segurando em seus cabelos. O gosto do álcool predominava a nossa saliva. Estávamos em um ritmo feroz, urgente, como se precisássemos daquilo para sobreviver.

Quando o ar estava quase nos faltando, percebi a gravidade do que estava fazendo, percebi quem eu estava beijando. Se os pais dele descobrissem, aí sim, iam chamar a minha família de interesseira.

Me afastei dele como se tivesse ouvido um estralar de dedos, me tirando da hipnose, e no impulso, acabei dando um tapa em seu rosto.

Saí andando apressadamente, o deixando ali, sozinho, como se nada tivesse acontecido. E foi isso o que nós fizemos, fingimos que nada aconteceu, nem precisamos combinar, cada um já sabia que esse era o certo a se fazer, afinal, aquele beijo tinha sido um erro.

Me odeie, mas me ame.Tahanan ng mga kuwento. Tumuklas ngayon