Capítulo Vinte e sete. - Com amor.

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Acordei ao som do despertador. Esse barulho infernal tirou-me da terra dos sonhos e ferveu meus nervos. Sempre odiarei este som, mesmo que seja a melodia mais angelical do mundo. Foi um alívio quando o desliguei, meus ouvidos me agradeceram instantaneamente. Estiquei-me na cama, quase girando por todo o colchão. Demorei a perceber que o outro lado estava vazio. Demorei a me lembrar que alguém havia dormido ao meu lado. Sentei-me, olhando cada centímetro do cômodo, mas a silhueta de Machado ainda estava desaparecida. O procurei no banheiro privativo, mas ele também não estava lá. Dando-me por vencida, resolvi continuar com a minha rotina matinal. Nem sei a razão de querer o encontrar; é claro que ele iria embora sem me dar satisfações.

Depois de ter seguido a minha rotina, e de me considerar, parcialmente, uma pessoa arrumada. Caminhei até a cozinha, para matar a minha fome, e a do ser que se desenvolve no meu ventre. Ainda é estranho pensar dessa maneira.

O cheiro de café invadiu as minhas narinas assim que adentrei o cômodo. Olhei em volta, mas não tinha nenhuma alma viva no local. Busquei com os olhos a fonte daquele aroma delicioso, e encontrei uma bandeja repleta de guloseimas posta sobre o balcão. Me aproximei, ainda em êxtase, sem acreditar no que estava vendo.

Um pedaço de papel chamou a minha atenção, e uma caligrafia perfeita me deixou abismada. A assinatura de Machado foi a primeira coisa que notei quando o papel já estava completamente aberto.


" Não vou dizer que cozinhei tudo, a padaria acabaria me processando. Mas posso dizer que fiz a maior parte. Acho que deve se lembrar da minha reunião, foi por essa razão que sai sem me despedir. Espero que aproveite essa pequena refeição. Uma observação: não exagere no café, faz mal para o bebê. Trate de comer tudo, a nossa sementinha precisa crescer forte e saudável.

                                               Atenciosamente, Nicolas Machado."


Não pude conter um sorriso. Nunca imaginei que Nicolas escrevesse bilhetes, e muito menos cozinhasse. Tenho que admitir, não sei com o que estou mais surpresa. Ele realmente deve se importar com essa criança. Talvez ele não se torne um pai ruim.  Mas será que eu me tornarei uma boa mãe? Acho que não nasci para isso.

Reli o bilhete por diversas vezes, como se estivesse provando a mim mesma que tudo isso é real. Às vezes ainda penso que estou presa em um sonho louco, ou em uma vida paralela. Sempre fui muito certinha, e engravidar nunca esteve nos meus planos. Ando fingindo que não estou grávida, na minha cabeça, enquanto eu não admitir a realidade, conseguirei adiar o inadiável e seguirei minha vida tranquilamente. Mas está ficando cada vez mais difícil continuar com esse delírio.

Comi tudo o que estava naquela bandeja com prontidão. Fico até espantada pela forma que ando esfomeada ultimamente. Acho que não estou gerando um bebê, mas sim, um filhote de leão.

Quando terminei de comer, escovei os dentes e terminei a minha maquiagem. Passei um pouco de perfume, e encarei o meu reflexo no espelho, mais especificamente, encarei a minha barriga. Levantei o tecido da minha blusa de malha, e acariciei a pequena elevação presente na minha região abdominal. Minha respiração ficou pesada, meu corpo se tremia por dentro, a ansiedade estava me invadindo outra vez. Mas então, lembrei-me do som das batidas do coração do meu bebê. E de repente, estar grávida não me pareceu ser a pior coisa do mundo. Talvez Nicolas esteja certo, talvez não seja ruim ter alguém para amar incondicionalmente.

O segundo alarme tocou no meu telefone, indicando que já estava na hora de sair. Tranquei a casa e corri para a parada do ônibus. Não chamo todos os dias um carro por aplicativo, não tenho esse dinheiro todo. Ainda estou juntando para comprar um carro. O meu salário não é lá essas coisas, mas dá para sobreviver. Escolhi essa profissão por amor, não pelo dinheiro. Desenvolver peças de roupas sempre foi a minha paixão, era tudo o que eu queria fazer. Acredito que o dinheiro é uma consequência de um trabalho bem feito. Se eu realizar o meu trabalho com amor, o sucesso financeiro será uma consequência disso, nada mais.

O ônibus não demorou muito a chegar, e em cerca de minutos, a entrada da Augustine's já ocupava todo o meu campo de visão. Coloquei a minha digital na máquina, e a minha entrada foi liberada. Por sorte, o elevador ainda estava no térreo, o que me fez chegar rapidinho no meu andar. Os cochichos aumentaram com a minha chegada. Virei o assunto do momento desde que Nicolas anunciou o nosso "namoro" para Soares. Não fui capaz de desmenti-lo. Para ser sincera, acho que isso diminuirá o impacto de quando descobrirem a minha gravidez. Mas não gosto de ter a minha imagem relacionada a um homem, principalmente quando isso envolve a minha carreira.

— Cinco minutos de atraso, o que anda acontecendo com a pontualíssima senhorita Menezes? — Era óbvio que Brenda só estava querendo debochar de mim. A cadela quer me provocar para que eu desista desse emprego. Silvestre está jogando baixo, querendo atacar o meu psicológico, como fez há um ano atrás. Ela está muito enganada se acha que conseguirá me fazer desistir desse jeito.

— Desde quando a minha vida passou a ser do seu interesse? Acho que nunca te dei essa liberdade.

— Fique calma, amore, só fiz um comentário. Você anda muito estressada ultimamente, seu namoradinho não está dando conta do recado? — Riu debochada. — Acho que por isso que tem raiva de mim, não é? Porque roubei aquele que te proporcionava prazer. Mas o que posso fazer se sou melhor do que você em todos os aspectos?

— Poderia voltar a trabalhar, já que a minha coleção certamente está melhor do que a sua. Eu teria medo se fosse você, senhorita Silvestre. Seduzir os outro não te dá talento, ou seja, você continua sem.

Andei o mais rápido que pude até a minha sala. Prendi o choro na garganta até estar completamente sozinha. Essa mulher sabe ativar todos os meus gatilhos, e os hormônios  da gravidez me deixam ainda mais sensível.

Tenho me sentido uma fracassada por ainda não ter começado minha nova coleção. Estou tendo um bloqueio inspiratório. Nenhuma ideia surge na minha cabeça, só consigo enxergar os meus problemas, nada além deles. Tudo me atormenta.

— Não ligue para ela, aquela mulher não vale um real! — Letícia disse ao entrar na sala.

— Mas ela tem razão, tenho sido um fracasso ambulante.

— Sem esse baixo astral, por favor!

— Tudo na minha vida está dando errado, Letícia, como posso ser uma pessoa positiva?

— As coisas vão melhorar, tenha fé!

— Não sei se estou pronta para ser mãe; não quero ter que abdicar da minha carreira.

— E não precisa, muitas mulheres conseguem conciliar os dois.

— Nem tenho mais inspiração!

— Foque nas coisas que você ama, e veja no que elas te inspiram. Sempre funciona para mim.

O que eu amo?

Amo minha família e o meu trabalho,  mas ando cheia de problemas nos dois. Se o amor é a fonte de inspiração, estou completamente ferrada. O amor da minha vida é o meu trabalho, mas andamos afastados. O amor da minha vida é a minha família, mas estamos brigados. Desse modo, ficarei sem inspiração; falida, aproveitando a solidão.

Me odeie, mas me ame.Where stories live. Discover now