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Carter

Acordei naquela manhã, com o corpo pesado e a mente turva. Os efeitos do jet-lag ainda estavam bem presentes, deixando-me com uma sensação estranha, como se estivesse a flutuar entre dois mundos. Abri os olhos lentamente e encarei o teto do quarto desconhecido, em que me encontrava. Era uma sensação estranha, acordar num lugar tão diferente daquele que estava habituada desde que nasci, mas estava determinada a começar uma nova vida aqui.

Enquanto tentava me situar na realidade, a lembrança da noite anterior começou a emergir, como um filme em câmara lenta. A imagem o rosto do Leonardo, envolvendo-se com uma empregada... O meu estomago revirou ao recordar-se.

À medida que a memória se aprofundava, um nó formou-se na minha garganta. Hoje ele ia-me levar a conhecer a University of London, onde eu começaria a trabalhar. A ideia de estar na presença dele, depois do que testemunhei na noite anterior, deixou-me nervosa.

Levantei-me da cama e comecei a preparar-me para o dia que se avizinhava. Olhei para o espelho e respirei fundo, tentando reunir coragem para enfrentar o que estava por vir. Afinal, eu tinha uma nova vida para começar e uma universidade para conhecer, independentemente do aparente mistério que envolvia o Leonardo Van der Wood.

*

Desci as escadas até ao primeiro andar seguindo o cheiro a café fresco e torradas quentes que enchiam o corredor. Era a minha primeira manhã em Londres, e eu estava prestes a partilhar o pequeno-almoço com a minha nova família. Não pude evitar sentir-me ansiosa.

Ao entrar na cozinha, deparei-me com o Leonardo, que estava de pé junto ao balcão. Os nossos olhares cruzaram-se, e senti uma tensão imediata no ar. Era evidente que a relação entre nós não tinha começado com o pé direito.

- Olá. - murmurei, sem saber se o devia ter cumprimentado ou não.

Ele olhou-me de cima a baixo com um olhar indecifrável e respondeu, com uma voz carregada de hostilidade. – Oi, Anninha!

E então sorriu.

Fiquei momentaneamente sem palavras. Antes que eu pudesse responder, a minha mãe entrou na cozinha com um sorriso caloroso.

- Bom dia, meus queridos! - cumprimentou ela, como se não tivesse notado a tensão no ar.

A sua chegada repentina interrompeu o nosso semi-diálogo hostil, e agradeci-lhe mentalmente por isso.

- Que caras são essas? – perguntou a minha mãe – Não dormiram bem?

- Jet-lag... - respondi apenas.

A minha mãe pousou uma caneca de café a escaldar na minha frente – Nada que um café não resolva!

Sorri em respostas e segurei a caneca nas mãos. Soprei algumas vezes, na espectativa de que o café arrefecesse, enquanto alguém me observava de canto d'olho.

- Leo, sempre podes levar a Anna a conhecer a universidade, hoje?

Quis repetir o mesmo discurso de ontem e declarar que podia muito bem ir sozinha, mas a verdade é que eu não fazia ideia de como chegaria lá, sequer tinha carro e nunca conduzi do lado contrário da estrada.

Merda! Como é que não me lembrei disso antes?

- Sim, vou só tomar um duche e trocar de roupa. Depois posso levar-te. – anunciou ele, antes de se levantar e deixar-me a sós com a minha mãe.

A minha mãe começou a preparar o seu pequeno-almoço de forma descontraída. Acho que era algo que ela nunca dispensaria em fazer, independentemente dos vários empregados que trabalhavam naquela casa. O som suave da torradeira a estalar o pão integral relembrou-me das minhas manhãs em Nova Iorque, quando ainda tinha 13 anos e a minha mãe me preparava o pequeno-almoço antes de ir para a escola.

Uma súbita saudade fez-me sentir um aperto no coração. A dúvida apesar de silenciada, ainda vivia dentro de mim. E mais uma vez, vi-me a questionar se estava realmente feliz com a decisão de ter deixado Nova Iorque para iniciar uma nova vida em Londres.

A minha mãe pareceu ter notado o meu momento de introspeção. – Estás preocupada com algo?

- Apenas a pensar... - respondi, lançando-lhe um pequeno sorriso, ela conhece-me demasiado bem.

- Eu sei que estás preocupada e cheia de questões dentro de ti. As questões são inevitáveis. Será que tomei a decisão certa? Será que deveria ter ficado? Mas independentemente da decisão que tomes, tu sempre vais ficar com esse sentimento de incerteza, filha. A verdade é que nós nunca sabemos se estamos a tomar as decisões certas.

Anuí em concordância e sorri, ainda abalada pela nostalgia. Ela deu-me um abraço terno e eu agradeci mentalmente, por ter a minha mãe ali comigo.

*

Estava no fundo das escadas da mansão, à espera doo Leonardo quando finalmente ouvi os passos dele a descer o primeiro lance de degraus. O seu cabelo preto e ondulado caia descontraidamente sobre a testa, dando-lhe um ar rebelde. Notei que ele tinha em ambos os braços várias tatuagens e só então consciencializei-me do quão atraente ele realmente era.

Ele usava uma t-shirt preta que realçava o contraste das tatuagens, juntamente com calças da mesma cor. Na mão direita, segurava um casaco de cabedal, o que dava um toque de elegância ao seu estilo descontraído. Na outra mão, segurava um capacete, indicando que estava pronto para sair.

Ao ver o capacete na mão do Leonardo, fiquei apreensiva. A ideia de subir numa mota não estava nos meus planos, e era evidente que ele tinha algo do género em mente.

- Estás muito enganado se pensas que eu vou subir em cima de uma mota! - disse com firmeza, tentando fazer com que a minha preocupação fosse clara.

No entanto, ele ignorou-me, passando por mim e indo em direção à porta que dava para a saída da casa.

- Estás com medo da mota ou de mim? - perguntou, com um toque de provocação.

Senti-me um pouco desconfortável com a situação. A sua questão apanhou-me de surpresa e fez-me refletir sobre o que estava realmente a causar a minha ansiedade: a ideia de andar de mota ou o facto de ter de andar numa mota com ele.

Num misto de inquietação e confusão, respondi:

- Não se trata de estar com medo de ti, é apenas... não estava à espera de uma mota, e não tenho experiência nenhuma com isso.

- Calma Anninha, não é como se estivéssemos a falar de sexo!

Ele deixou-me sem palavras e confusa. Era evidente que a aquela conversa estava a tomar um rumo que eu não procurava, e eu não sabia como reagir perante o humor descontraído daquele idiota que agora era meu meio-irmão. 

TouchWhere stories live. Discover now