Van der Wood
Os meus olhos abriram-se lentamente, e a intensidade da luz do quarto feriu-me os olhos. Tentei focar-me nos contornos difusos ao meu redor, enquanto a minha mente começava a emergir de uma névoa densa.
- Leonardo? - a voz suave da Elaine alcançou os meus ouvidos, ecoando como uma melodia tranquilizadora.
Pisquei algumas vezes, esforçando-me para me situar no espaço e no tempo. Apercebi-me de que estava num hospital, rodeado por várias caras desconhecidas. As lembranças do acidente começaram a regressar, fragmentadas e confusas.
Todos olhavam-me como se estivessem a testemunhar uma espécie de milagre. O meu pai e a Elaine estavam a poucos metros de mim e a Anna estava à porta do quarto.
Ela estava ali, no canto do quarto, com os olhos fixos nos meus. O seu olhar transmitia uma mistura de emoções, desde preocupação a alívio. Senti uma necessidade exasperada de a chamar e quando o fiz, vi os seus olhos adquirirem um novo brilho.
- Como te sentes, Leonardo? - perguntou o médico, aproximando-se para verificar os monitores.
Tentei avaliar a minha condição física. Havia uma dor surda em várias partes do meu corpo, mas nada insuportável. A minha mente, no entanto, estava nublada, como se estivesse a acordar de um sonho profundo.
- Estou... confuso. O que aconteceu? - murmurei, tentando juntar as peças do quebra-cabeça.
O médico explicou o acidente de mota, a extensão dos meus ferimentos e o período de coma induzido para facilitar a recuperação. Enquanto ouvia, a minha mente começou a clarear, e percebi que escapar ileso daquele acidente tinha sido um verdadeiro milagre. Ele continuou a dar-me detalhes sobre o meu estado de saúde, mas os meus olhos não se afastavam da Anna.
O meu pai e a Elaine aproximaram-se, aliviados por me verem acordado e consciente, e então as perguntas começaram a surgir, ainda que eu não conseguisse processar a maioria de delas.
- Vamos dar-lhe algum tempo para descansar e recuperar totalmente. - sugeriu o médico, antes de todos saírem, à exceção da Anna.
Ela permaneceu à porta do quarto, observando-me com uma mistura de alívio e preocupação. O silêncio instalou-se entre nós, mas havia uma distância evidente.
- Como te sentes, Leonardo? - perguntou ela, mantendo uma distância cautelosa.
Tentei sorrir, apesar da confusão persistente na minha mente.
- Estou um pouco tonto, mas acho que estou bem. – respondi.
A Anna deixou-me sozinho no quarto, e o silêncio tornou-se quase palpável.
Ao longo da semana que se seguiu, a rotina hospitalar tomou conta da minha vida. Exames, fisioterapia e visitas regulares da família tornaram-se o padrão. Numa tarde, quando o sol começava a pôr-se, encontrei-me sozinho no quarto. Olhei pela janela, enquanto observava as últimas luzes do dia. Olhei na direção da entrada e vi o Liam, hesitante, à porta.
- Então mano? Como estás a sentir-te? - cumprimentou, fechando a porta atrás dele.
- Estou a melhorar, suponho. – murmurei de forma áspera – Onde andaste?
O Liam pareceu avaliar-me, como se estivesse à espera de uma reação negativa da minha parte.
- Não vim mais cedo, e lamento por isso... as coisas têm sido complicadas. - explicou, visivelmente desconfortável.
A minha paciência estava a ser testada. Eu não queria parecer rude, mas a ausência do Liam tinha-me magoado. Ele era o meu melhor amigo, e esperava que estivesse lá para mim, especialmente depois de lhe ter ligado tantas vezes ao longo daquela semana.
- Complicadas como? - perguntei, tentando entender o que ele estava a sugerir.
Ele suspirou antes de responder. - Há algumas coisas que se passaram enquanto estiveste em coma, e... - ele hesitou por um momento, como se estivesse a ponderar as palavras que deveria usar.
- E o quê? Diz de uma vez. - insisti, sentindo uma mistura de frustração e ansiedade.
- O James.
- Que tem ele? – perguntei visivelmente irritado.
- Foi ele que causou o acidente.
- O James? - perguntei, claramente surpreso.
O Liam respirou fundo antes de responder - Os travões da tua mota foram sabotados, Leo.
- Como é que sabes disso?
- Porque estou com ele, ou não te lembras do nosso plano?
As memórias começaram a acercar-me, causando-me uma dor de cabeça chata. Há dias que tentava lembrar-me das últimas semanas com clareza, mas havia ainda alguns borrões.
- Filho da puta. – maldisse – E tu não te lembraste de me dizer que ele me queria matar?
- Tu achas que eu não teria dito se soubesse mais cedo? - o tom da sua voz ameaçava o nervosismo nas suas palavras – Eu só soube depois. Ele já não se está a contentar apenas com mexer contigo, ele tentou matar-te Leo.
Engoli em seco as suas palavras. Os meus olhos encontraram os do Liam. Ele estava certo, o James não estava mais satisfeito apenas em atingir-me, ele tentou tirar-me a vida.
O silêncio tenso pairava entre nós, enquanto eu tentava processar o turbilhão de emoções que me atingiam como um furacão.
- O que se passou? - perguntei, com o olhar fixo no seu.
- Como assim? - olhou-me confuso.
- O que se passou enquanto eu estava em coma?
- Ele assumiu o controlo de parte do nosso território na tua ausência. - explicou o Liam.
- E tu não fizeste nada em relação a isso? - perguntei, sentindo a frustração a crescer.
- O que é que eu podia fazer? - respondeu ele, com um suspiro. - O James é um psicopata. Ele tentou matar-te e não hesitaria em fazer o mesmo comigo, para além do mais, eu tenho de fingir que sou um dos dele agora.
Fiquei em silêncio, a absorver a gravidade da situação. O James tinha-se tornado mais perigoso do que nunca e aproveitou-se da minha vulnerabilidade como o grande covarde que era.
- Temos que fazer alguma coisa...
O Liam assentiu, em concordância. Isto já não era o mesmo de antes. Tornou-se claro que o meu regresso não seria apenas um retorno à minha vida anterior, mas sim o início de uma batalha contra um inimigo que agora se revelava mais perigoso do que nunca.
Quando a porta se fechou atrás do Liam, mergulhei em um silêncio alarmante. A gravidade da situação pesava sobre mim como uma âncora, e as palavras do Liam também.
Enquanto observava a janela, a luz do entardecer começava a pintar o quarto com tons de laranja e vermelho. Uma sensação de impotência tomou conta de mim. O confronto com o James não era apenas sobre território ou rivalidade. Era uma luta pela sobrevivência. A minha e a de todos aqueles que se tinham juntado a mim. No entanto, um cansaço profundo começou a pesar nos meus ombros. Neste momento sentia-me à beira do abismo. Às vezes, a tentação de simplesmente desistir e deixar tudo para trás, era quase irresistível.
Uma vida sem gangues, sem rivalidades, sem a constante violência. Uma vida normal.
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Touch
ChickLitAo deixar para trás Nova Iorque, Anna busca um novo começo na vibrante capital inglesa, mas encontra muito mais do que esperava. Enquanto persegue o seu sonho de lecionar literatura na prestigiosa Universidade de Londres, ela vê-se envolvida em um j...