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Van der Wood

A sexta-feira chegou finalmente. Era quase meia-noite e eu estava a acabar de me preparar para sair. Olhei para o telemóvel quando este começou a vibrar, era o Liam. Atendi a chamada, e a voz do Liam soava impaciente do outro lado da linha.

- Van der Wood, está tudo pronto. O James está à espera no Under. Ele quer a mercadoria assim que chegues.

Assenti, mesmo que ninguém pudesse ver, e agradeci ao Liam pela atualização.

Enquanto me preparava para sair, uma batida na porta interrompeu os meus pensamentos. Era o meu pai, com um olhar inquisitivo que quase me fez questionar se ele poderia ter ouvido alguma coisa.

- Leonardo, vais sair?

Assenti, mantendo a expressão neutra - É sexta-feira!

O meu pai estudou-me por um momento, como se estivesse a tentar decifrar os meus pensamentos, mas acabou por se afastar com um aceno de cabeça. Se ele soubesse no que eu realmente andava metido, deserdava-me.

Desci as escadas apressado. Enquanto me dirigia para a porta, o telemóvel voltou a vibrar no meu bolso. Era o Liam, a informar-me que tudo estava a postos.

O meu coração batia desenfreadamente enquanto saía da mansão. Todo o meu corpo era adrenalina naquele momento. Coloquei o capacete, liguei a mota e sai de casa.

A cidade de Londres estendia-se à minha frente, enquanto eu ultrapassava todos os carros e sinais vermelhos que surgiam no meu caminho.

No início, tudo começou como uma brincadeira idiota, de quem tinha demasiado dinheiro e estava entediado, mas agora não. Nós já não eramos adolescentes, eu e o Liam sabíamos muito bem onde nos estamos a meter e mais do que isso, com quem nos estávamos a meter.

A mota rugia, enquanto eu percorria as ruas escuras de Londres em direção ao Under. O vento frio da noite chicoteava-me os braços, mas a adrenalina corria quente nas minhas veias.

Ao chegar à discoteca, a batida pulsante da música eletrónica escapava pelas portas entreabertas, anunciando a atmosfera frenética que me aguardava la dentro. Estacionei a mota e entrei.

O James já lá estava, sentado num sofá. Há volta dele estavam várias miúdas, todas elas loiras. Os seus olhos encontraram os meus quando entrei, e com um aceno subtil chamou-me. Avancei, mantendo a postura, alheio a tudo o que acontecia à minha volta.

- Van der Wood, demoraste. – disse o James com um sorriso cínico.

- Eu estou aqui agora. - respondi, secamente.

Fomos para uma sala reservada, longe de qualquer olhar curioso. As luzes ténues davam uma atmosfera clandestina ao lugar. Um minuto depois, o Liam apareceu, com uma chave nas mãos, e entregou-a ao James. Este, com um aceno, indicou a um dos seus capangas que pegasse na chave, e esse assim o fez.

Esperámos uns dez minutos, até que o capanga voltou com a confirmação de que a mala do carro estava cheia, como combinado. A troca de palavras foi mínima, limitando-se a gestos e olhares que comunicavam mais do que qualquer conversa poderia expressar.

A transação estava concluída.

Fui embora imediatamente, não estava com vontade de ficar ali, na verdade, precisava de estar sozinho. Puxei um cigarro e pousei-o entre os lábios. Caminhei a passos lentos, deixando a fumaça dissipar-se na noite escura enquanto refletia.

Estava certo de que a Anna tinha ouvido a minha conversa com o James ao telemóvel. Ela não parecia saber nada em concreto, mas eu também não a conhecia bem o suficiente para poder tirar esse tipo de conclusões, por isso, a partir de agora, tinha de ter o triplo do cuidado. Já era a segunda vez que vacilava, perto dela.

Enquanto me afastava, sentia-me a ser envolvido pela escuridão da noite e por memórias do passado que continuavam a assombrar-me.

*

Entrei na mansão, tendo o cuidado de deixar a porta fechar-se silenciosamente atrás de mim. O corredor estava iluminado por luzes suaves. Enquanto subia as escadas, os ecos dos meus próprios passos acompanhavam os pensamentos que não pareciam querer me dar tréguas.

Decidi tomar um banho. A água quente escorria pelo meu corpo, que agora já quase não tinha marcas ou sinais de luta. Deixei-me ser envolvido pelo calor da água, procurando abstrair-me de tudo aquilo que me estava a incomodar.

Vesti umas calças de fato de treino e deitei-me na cama. Ao deitar-me, fechei os olhos, numa tentativa forçada em adormecer, mas eu não estava habituado a dormir tão cedo, ainda nem sequer eram três da manhã.

De repente, algo rompeu o silêncio, interrompendo a minha tentativa fracassada de dormir. Uma melodia suave vinha do quarto de Anna, e reconheci-a imediatamente. Era uma música que a minha mãe costumava ouvir.

Fui surpreendido pelo facto da Anna conhecer aquela melodia. Era uma melodia que remetia à minha infância, quando a minha mãe ainda vivia connosco.

Deixei-me ser envolvido pela música que fluía do quarto ao lado. As notas pareciam transportar-me para um tempo em que as preocupações eram menos complexas, e a presença da minha mãe enchia o ambiente com um conforto, que já não me era tão familiar.

Permaneci deitado na cama e eventualmente acabei por adormecer. 

TouchWhere stories live. Discover now