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Carter

A noite passou como uma sucessão de momentos borrados e palavras não ditas. Eu fugi do terraço como se estivesse a fugir de mim mesma. O beijo com o Leonardo deixou um rastro de confusão e arrependimento em mim que me iam assombrar por um bom tempo. A sensação dos lábios dele nos meus era uma mistura de familiaridade e desconhecido, e agora eu estava a tentar entender o que isso significava.

Desci os degraus que me separavam do terraço, sentindo-me como se tivesse perdido o chão debaixo dos pés. A raiva que tinha sentido momentos antes, estava a ser substituída por um aperto no peito. Eu não conseguia acreditar que cedi àquele beijo, especialmente depois do que se passou ontem de noite.

Ao voltar à festa, os risos e conversas pareciam distantes, como se estivessem a acontecer num mundo paralelo. Avistei o Daniel no meio da multidão de milionários, parecendo elegantemente entrosado na atmosfera estupidamente luxuosa daquele evento. Eu tinha esquecido temporariamente a minha decisão de o convidar como uma espécie de resposta ao Leonardo. O beijo roubou-me toda a clareza das minhas intenções e agora sentia-me uma fraude, por ter o ter trazido.

O Daniel percebeu a minha chegada e sorriu calorosamente, deixando-me com um peso de culpa que não sabia como suportar. Ao olhar para ele, a imagem na minha cabeça do Leonardo a centímetros de mim, deu-me náuseas. Eu era uma hipócrita. Achei que a presença do Daniel ia-me salvar do meu meio-irmão malvado, mas no final de contas a única malvada ali fui eu. Usei-o como escudo protetor e assumi que a sua presença seria o suficiente para me manter afastada do Leonardo. Que ingénua. Que idiota.

- Anna, que bom que voltaste! Estava prestes a te procurar. – o Daniel deu-me a sua mão para que a segurasse e puxou-me para perto de si, fazendo-me sentir leve como uma pena.

- Sim, voltei. - respondi com um sorriso forçado. - Desculpa pela demora.

Ele lançou-me um olhar perspicaz, como se pudesse ler os meus pensamentos. - Estás bem? Pareces um pouco preocupada.

- Só estou a processar algumas coisas. - confessei, sem querer entrar em detalhes – Acho que ainda estou a habituar-me a todas as novidades, de viver do outro lado do mundo.

O seu sorriso foi uma resposta reconfortante. Sentia-me tão grata como hipócrita. Ele não merecia ser a minha segunda opção, ele merecia ser a única. O Daniel era o oposto do Leonardo, e eu sabia que precisava de alguém como ele, que me pudesse trazer paz e segurança.

- Obrigada, Daniel. A sério. - agradeci, deixando-me ser envolvida por um abraço dele.

Enquanto tentava afastar os pensamentos sobre o beijo com o Leonardo, entendi que eu estava a jogar para perder e se queria ganhar, tinha de mudar a minha estratégia e o meu foco. O Daniel merecia mais do que ser apenas uma peça num jogo para fazer ciúmes. Ele estava a ser um real cavalheiro e merecia que eu escolhesse por inteiro, sem reservas.

*

Os dias que se seguiram à festa foram estranhamente monótonos. Regressei à rotina diária, focando-me no trabalho e nas tarefas quotidianas. A presença de Daniel continuava a ser uma constante agradável. Encontrámo-nos algumas vezes no gabinete, partilhando almoços e trocando conversas descontraídas, sentia-me a criar uma ligação genuína com ele.

As minhas interações com o Leonardo, no entanto, foram limitadas a dois encontros casuais, porque estava a evitá-lo a todo o custo. Escolhi manter uma distância cautelosa, fugindo de qualquer conversa que pudesse desencadear qualquer forma de comunicação. Sabia que estar na sua presença ia mexer comigo, mas eu estava determinada a não deixar que isso interferisse na minha vida.

O Daniel acabou por se tornar uma espécie de refúgio. À medida que os dias passavam, as nossas conversas tornavam-se cada vez mais profundas e significativas. Havia uma conexão real entre nós, e isso trouxe uma sensação de bem-estar e acima de tudo, de alívio. Como se me estivesse a curar do caos que o Leonardo tinha causado.

TouchWhere stories live. Discover now