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Carter

Abri a porta do closet e comecei a vasculhar entre as opções. Optei por um vestido castanho comprido. Era final de verão, mas não estava um dia propriamente ensolarado, por isso tirei uma sweater bege que tinha na minha mala, que por sinal ainda não tinha sido desfeita, e vesti-a. Era extremamente confortável. Senti-me instantaneamente mais entusiasmada, adorava acordar cedo.

Enquanto olhava o meu reflexo no espelho, pensei nas aventuras que me esperavam lá fora. Londres era uma cidade que fez parte de imensas obras literárias que eu admirava e o entusiasmo era inevitável.

Calcei uns botins confortáveis, perfeitos para caminhar, peguei na minha mala, e verifiquei se não me faltava nada.

Saí do quarto com um semblante leve e fechei a porta. Voltando-me para o corredor, a primeira coisa que vi foi a porta do quarto do Leonardo. As memórias do nosso encontro na noite anterior recordaram-me do quanto eu não queria ter de me cruzar com ele outra vez.

Pergunto-me sobre o que me levou a parar à porta do seu quarto, naquele momento, àquela hora da noite, especialmente porque, do pouquíssimo que conhecia dele, nada me agradava. Talvez fosse simplesmente a minha curiosidade natural em querer desvendar mistérios. Porque se havia algo que ele era, era misterioso.

Quando desci, a minha mãe já me esperava. À medida que me aproximava da porta, o seu sorriso crescia, contagiada pelo meu entusiasmo.

Tínhamos combinado passar o dia juntas, o que era algo inédito em 5 anos.

Partimos para explorar Londres, 'prontas para criar memórias que perdurariam para sempre', como ela fez questão de dizer.

Passamos por monumentos icónicos, parques exuberantes e até os próprios becos, eram encantadores. Eu estava deslumbrada.

Senti-me feliz. Estava a partilhar algo especial com a minha mãe, como se estivéssemos a reconstruir uma ligação perdida ao longo dos anos. Era como se o cenário vibrante de Londres estivesse a desempenhar o papel essencial na nossa reaproximação.

Caminhamos ao longo do Tamisa, admirando a imponência da Torre de Londres à distância. As gaivotas sobrevoavam o rio, proporcionando um espetáculo aéreo que contrastava com a agitação da cidade. Cada momento era digno de ser capturado.

Enquanto explorávamos Covent Garden, a minha mãe sugeriu uma pausa para o chá. Sentamo-nos numa esplanada e pedimos um chá preto. A conversa fluía naturalmente, e a sensação de estar ali, naquele momento, era incomparável.

Depois de uns trinta minutos, decidimos continuar o nosso passeio. Estávamos a passar numa rua movimenta quando me deparei com uma loja de materiais de arte. Os pincéis, as tintas e as telas exibiam-se na montra, como se me chamassem. O meu coração saltou de alegria. A minha mãe, percebendo o brilho nos meus olhos, sorriu e encorajou-me a entrar.

Dentro da loja, perdi-me entre os corredores repletos de inspiração. Escolhi cuidadosamente telas, tintas e pincéis, sentindo uma antecipação crescente pela oportunidade de dar vida às minhas visões artísticas mais uma vez.

Ao pagar pelas minhas mais recentes aquisições, senti uma mistura de emoções. A alegria de reencontrar a minha paixão pela pintura estava entrelaçada com a melancolia de lembrar-me das obras que tive de deixar para trás em Nova Iorque. Mas, naquele momento, ao segurar as novas telas nas mãos, senti uma espécie promessa renovada para expressar a inspiração que a cidade de Londres acabava de despertar em mim.

*

Quando chegámos, já a mesa estava posta e o cheiro tentador do jantar preparado pela governanta pairava no ar. Subi para o meu quarto, para poder pousar todo o meu novo material de pintura e apressei-me a descer de novo, para que ninguém me esperasse.

No entanto, uma conversa telefónica que vinha do quarto do Leonardo, chamou-me a atenção. A porta do quarto estava ligeiramente entreaberta e eu consegui perceber uma certa acidez na sua voz enquanto discutia em chamada. Intrigada, parei por um momento, mesmo estando consciente do que aquilo que eu estava a fazer era errado.

Ele estava ao telefone com alguém chamado James, e discutia sobre a entrega de algo até sexta-feira. A conversa, embora codificada, transmitia uma urgência e assertividade que me deixaram curiosa.

- Sim, toda a mercadoria tem que ser entregue até sexta-feira. O negócio tem que correr sem problemas desta vez. - disse o Leonardo num tom que transpirava autoridade.

O meu coração acelerou à medida que percebi que estava inadvertidamente a testemunhar uma conversa que não era suposto eu ouvir e antes que eu me apercebesse, a conversa tinha terminado, e eu, com um súbito pânico, apressei o meu passo em direção à sala de jantar, antes que ele me encontrasse ali.

Quando entrei na sala, a minha mãe e o seu Michael já estavam sentados à mesa, a partilhar como tinha corrido o seu dia. Ao olhar para a mesa, percebi que havia um lugar vago ao meu lado, um espaço que logo foi preenchido pelo aparecimento súbito do meu meio-irmão.

O ar pareceu tornar-se mais denso quando ele se sentou ao meu lado, e senti um desconforto quando os seus olhos pousaram sobre mim.

Engoli em seco e desviei o olhar, concentrando-me nas iguarias dispostas à minha frente. O som dos talheres a tocar nos pratos e a conversa entre os nossos pais, eram como uma música de fundo para mim.

Tentei ignorar a sua presença, e focar-me na conversa superficial à mesa. No entanto, a tensão entre nós pairava como uma sombra. Ainda que ele não me tivesse dirigido a palavra, era como se os seus movimentos falassem comigo.

Uma pergunta persistia na minha mente: Será que ele sabia que eu tinha ouvido a sua conversa? Os seus olhares insinuantes e o ar pesado na sala pareciam dar-me uma resposta silenciosa e afirmativa, mas ao mesmo tempo, este tinha tido este mesmo comportamento desde sempre, daí eu não saber o que realmente pensar.

De repente, ele decidiu quebrou o silêncio, falando num tom casual e com uma pontada de malícia disfarçada - Anna, ouvi dizer que andaste a explorar Londres. É fascinante, não é?

Os nossos pais continuavam a conversar animadamente, alheios à dinâmica tensa entre nós. Tentei manter a calma e respondi com um sorriso forçado. - Sim, é uma cidade incrível.

Ele inclinou-se ligeiramente na minha direção, como se quisesse partilhar algum segredo.

- Tenho a certeza de que Londres tem muito mais para oferecer do que aquilo que se vê à superfície. Às vezes, as verdadeiras maravilhas estão escondidas nas sombras, não achas?

Estava a jogar um jogo perigoso, insinuando algo que eu não conseguia decifrar completamente. Engoli em seco, mas mantive a compostura: - Bem, há sempre algo novo para descobrir, suponho.

Um sorriso enigmático dançou nos lábios dele, e, num instante, voltou ao silêncio. Uma coisa era certa, ele estava a adorar brincar com a minha mente.

*

Após o jantar, voltei para o meu quarto. Deitei-me na cama, com os olhos fixos no teto, perdida nos meus próprios pensamentos.

Várias questões ecoavam na minha cabeça, mas uma em especial, não me deixava fechar os olhos: Por que me sentia tão vulnerável e exposta na presença de alguém que mal conhecia?

Tentei analisar as interações da noite, à procura de motivos para justificar a minha inquietação. A sua presença, os olhares insinuantes, as palavras cuidadosamente escolhidas – tudo isso contribuía para criar um ambiente carregado entre nós os dois. Mas porquê? Talvez fosse a falta de familiaridade com ele, ou talvez as memórias de uma conversa ouvida ao acaso ainda pairassem na minha mente.

Enquanto tentava organizar os meus pensamentos, percebi que, de alguma forma, o enigma que era o Leonardo Van der Wood tinha ganho uma nova camada de complexidade.  

TouchWhere stories live. Discover now