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Van der Wood

A manhã seguinte trouxe consigo a ressaca não só do álcool, mas também dos eventos da noite anterior. Quando acordei, percebi que estava deitado numa das espreguiçadeiras do jardim da mansão. Esfreguei os olhos, numa tentativa falha de me acostumar à luz do sol e deixei-me ficar por lá a tentar organizar os pensamentos. O Under, o James e a presença inesperada da Anna.

Decidi levantar-me, a minha cabeça martelava e eu precisava urgentemente de um café. Os eventos da noite anterior ainda pairavam sobre mim, e ao mesmo tempo, a morte do miúdo de dezanove anos não me saía da cabeça.

Ao entrar na sala, deparei-me com a Elaine e o meu pai que me cumprimentou - Bom dia.

Eu forcei um sorriso, tentando parecer despreocupado – Bom dia. Onde está a Anna? – perguntei, surpreendendo-me a mim mesmo por fazer aquela pergunta.

A Elaine olhou-me com curiosidade. - Ela ainda está a dormir, acho eu.

- Certo.

- Não vais tomar o pequeno-almoço? – perguntou ela.

- Não tenho fome. Vou só beber um café. – respondi antes de abandonar a sala.

Mesmo antes entrar na cozinha, senti o cheiro anestesiante a café e automaticamente, as minhas têmporas pareceram aliviar-se. Junto ao balcão, encontrei a Anna. Ela ergueu o olhar quando entrei.

- Bom dia. - disse ela, com uma expressão neutra.

- Bom dia. – respondi.

Aproximei-me o suficiente, para notar a reação do seu corpo. Não consegui evitar um pequeno sorriso brincalhão – Gostei da surpresa... encontrar-te num lugar como o Under. Não fazia parte dis meus sonhos, confesso, mas.... - comentei, mantendo o tom leve - A noite de ontem foi... interessante, não achas?

A Anna soltou uma risada forçada - Não tinha planeado encontrar-te, mas as coisas acontecem.

- Às melhores coisas sempre acontecem quando menos esperamos. - deixei escapar um suspiro, cheio de escárnio - A propósito, o que queriam aqueles dois idiotas?

- Nada. Estávamos só a divertir-nos. – respondeu secamente.

- Divertir-nos? Não parecias nada divertida.

Ela revirou os olhos - Nem tudo é o que parece, para além do mais, não tens nada a ver com isso.

- Se tu o dizes... mas estavas a atrair problemas. Conheço aqueles dois.– continuei, insistente.

- Eu sei cuidar de mim, Leonardo.

Eu sabia que estava a ser um chato de primeira, mas eu estava genuinamente incomodado com o facto de eles se terem aproximado dela. A Anna não tinha ideia de como gajos como aqueles poderiam fazer-lhe mal. Eram um par de idiotas, que trabalhavam para o James e fariam qualquer coisa para comê-la... e só o pensamento, enojava-me.

- Eu sei cuidar de mim, Leonardo. - repetiu ela, num tom mais firme – Para a próxima, não preciso que me venhas salvar, não sou nenhuma donzela em apuros.

Forcei um sorriso e recuei. Não queria que a conversa descambasse para um confronto desnecessário. - Já cá não está quem falou. – levantei ambas as mãos no ar, rendendo-me – A verdade é que também tenho coisas mais sérias com que me preocupar.

A Anna olhou-me, e por um breve momento, pareceu-me ver uma sombra de deceção nos seus olhos escuros.

- Até mais tarde, Aninnha. – disse com um sorriso nos lábios, antes de roubar a chávena de café das suas mãos e dar dois grandes goles.

A expressão da Anna era uma mistura de surpresa e indignação. Ri-me da sua reação enquanto lhe devolvia a chávena vazia.

- Obrigado! – disse, piscando-lhe o olho antes de me afastar, deixando-a na cozinha, com cara de quem me podia matar.

Entrei no quarto e fechei a porta, para que ninguém me incomodasse. Liguei o computador e acabei por ficar emerso nos assuntos da minha empresa, tentando encontrar alguma compensar o tempo perdido nos últimos tempos.

Eu liderava uma empresa especializada no desenvolvimento de softwares. A empresa, tinha sido fundada por mim, no meu último ano de universidade e destacava-se no cenário tecnológico pela criação de uma aplicação revolucionária. No meu projeto de final de curso, eu criei uma app de segurança avançada, destinada a proteger dados pessoais e empresariais de ameaças cibernéticas.

A aplicação, que batizei de SecureGuard, oferecia uma abordagem abrangente à segurança digital. Desde a proteção contra malware e vírus até à prevenção de ataques de phishing. A SecureGuard tornou-se uma referência no setor de segurança cibernética. Utilizando algoritmos avançados e inteligência artificial, a aplicação adaptava-se continuamente para enfrentar as ameaças em constante evolução no mundo digital.

Além disso, a minha empresa também se destacava na consultoria de segurança cibernética para outras organizações. Eu tinha equipas de especialistas que trabalhavam lado a lado com clientes de todos os lados do mundo para garantir a máxima proteção contra ameaças digitais, oferecendo soluções personalizadas para cada caso.

Como engenheiro informático, eu deveria estar constantemente à procura de inovações para aprimorar a SecureGuard e manter a empresa na vanguarda da segurança cibernética. Mas graças à minha vida dupla, muitas vezes deixava o meu trabalho para segunda plano e se não fosse a equipa incrível que eu tinha contratado, provavelmente já não tinha empresa. A dualidade entre liderar uma empresa e estar mergulhado no mundo da droga e dos gangues na zona norte de Londres era algo que às vezes não conseguia compreender.

Às vezes, questionava-me sobre como havia chegado a este ponto, procurava algum motivo obscuro que justificasse o meu envolvimento naquele mundo, mas se quisesse realmente ser sincero, eu só podia culpar o meu ego e a minha necessidade de controlo. Era como se, ao liderar a minha empresa durante o dia, eu necessitasse de algo mais desafiador durante a noite.

No entanto, ao invés de lutar contra essa dualidade, eu aceitava-a como parte integral do que eu era. Cada faceta da minha vida alimentava a outra.

A verdade é que, ao viver a adrenalina da noite, encontrava um tipo de satisfação que não conseguia obter nas linhas de código ou nas reuniões de negócios. Daí ter tanta gente responsável pela minha empresa.

Enquanto mergulhava na minha caixa de e-mail, uma mensagem de texto apareceu no meu telemóvel. Era do Liam, a informar-me que a reunião estava marcada para a noite seguinte e que todos os líderes dos subgrupos estariam presentes. Era hora de reunir as mentes estratégicas do nosso grupo e traçar um plano de ação contra o James e a escumalha dele. 

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