6 - Olhos negros

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Meu amigo leitor, não sei se vocês já passaram por uma experiencia semelhante – espero, sinceramente, que não –, mas ao me olhar naquele espelho e ver meus olhos negros como deveria ser a alma do meu inimigo, foi como ser posta de frente com seu maior medo.

Eu não fazia ideia, eu não tinha como explicar o que estava acontecendo comigo. Era assustador. Aterrorizante. Horroroso. Era como se a qualquer momento outra pessoa tomasse conta do meu corpo, da minha mente. Mas na verdade não era uma pessoa, era eu mesma. Vocês conseguem entender isso? Saber que as coisas que eu estava fazendo eram ações minhas e não havia mais ninguém causando aquilo. Era apavorante.

Sabe quando você tem aquele impulso de fazer algo errado, querido leitor? Acredito que todo mundo já tenha passado por uma fase de querer fazer algo mesmo sabendo ser errado, como, por exemplo, iniciar uma brigar? Quebrar alguma coisa para aliviar a raiva? Os psicólogos dizem que é algo bom, uma maneira de controlar sua raiva. Mas quando essa raiva é tão grande que a única coisa que parece aliviar você de verdade é a morte de alguém? Era desse jeito que eu me sentia. Nada parecia me fazer sentir melhor, apenas a lembrança do coração batendo entre meus dedos. Essa lembrança me acalmava e, ao mesmo tempo, me apavorava.

Nunca fui uma pessoa que acredita na completa maldade ou bondade, querido leitor, sei que todos tem um pouco de cada dentro de si. Um equilíbrio natural, se quiser chamar assim. Todos têm seu lado ruim, todos são capazes de coisas horríveis, porém, cada um sabe onde é o seu limite de consciência e o meu sempre foi à morte. Eu não sentia remorso em machucar alguém gravemente para me salvar, mas matar alguém sempre havia sido meu ponto fraco, mesmo nas vezes em que eu me via obrigada. As únicas mortes que nunca havia me pesado na consciência havia sido de Ambika e Thales, mas ao que parece, aquilo havia mudado. Mais nenhuma morte me pesava na consciência – quer dizer, em certa parte dela.

Parte de mim se sentia culpada por matar o vampiro aquele dia em Vampirlik e ela estava certa em sentir isso. Havia sido minha culpa. Ele não precisava morrer, e ainda assim, eu o matei com a maior frieza do mundo. Porém, havia uma parte de mim que não sentia culpa alguma, mas também não havia justificativa nenhuma para não sentir culpa. Ela simplesmente queria fazer aquilo, fez e tudo seguia normalmente, como se não tivesse acontecido à morte de ninguém. E essa parte que não precisava de justificativa era a que me assustava. Ela estava ganhando cada vez mais espaço dentro de mim, eu podia sentir isso.

Eu queria ter um tempo para parar e me concentrar nisso, mas eu não tinha. Minha mente tinha que estar focada totalmente em encontrar Thales. Depois de matar Thales, eu poderia me preocupar com a minha sanidade mental. E era isso que eu iria fazer.

Eu estava na entrada do castelo de Thales, os guardas não haviam feito menção nenhuma de impedir minha entrada, todos sabiam que eu estava igual louca atrás de algo que nos levasse até Thales, algo que me levasse até ele. Clara e Damen já havia vasculhado todo o castelo de frente para trás, de trás para frente e não haviam encontrado nada, mas eu sabia que tinha alguma coisa. Eles tinham deixado passar algo, sem dúvidas.

Assim que entrei, me deparei com a mesma sala do dia que eu acordei. Pensei em começar a procurar por ali, mas com certeza não teria nada que pudesse me ajudar. Comecei a caminhar pelos corredores do castelo, não se parecia nem um pouco com o castelo da personificação do mal, parecia mais com o castelo de uma realeza muito rica.

Andando entre os corredores sem saber exatamente para onde eu ia, me deparei com uma porta diferente das outras. Ela não era branca como todas as outras – na verdade, ela era branca, porém, era um branco amarelado, sugeria algo velho. Girei a maçaneta pensando que a porta se abriria facilmente, mas não foi o que aconteceu. A porta nem se moveu. Tentei outra vez e nada, tentei com um pouco de magia, mas a porta não abria de modo algum. Ela devia estar protegida contra magia. Comecei a girar a maçaneta freneticamente como se a porta fosse abrir a qualquer momento. Apoiei meu corpo contra a porta tentando empurrá-la, mas ela não deu nenhum sinal de que iria ceder.

Minha paciência já começava a chegar ao final, pensei seriamente em desistir da porta e continuar pelo resto do castelo, mas não consegui. Alguma coisa me prendia aquela porta, eu precisava abri-la. Continuei tentando sem parar até que perdi totalmente minha paciência. Senti quando minhas mãos se apertaram com força contra a maçaneta e ela começou a derreter entre os meus dedos.

Entretanto, não foi só a maçaneta que começou a derreter, a porta toda veio ao chão como se fosse feita de água e estivesse estado congelado até aquele momento. O sorriso de prazer começou a tomar conta do meu rosto e então eu percebi, não havia sido eu que fiz aquilo, havia sido aquela minha outra parte – a parte que me assustava.

- Para alguma coisa você serve. – murmurei para mim mesma e entrei na sala.

Certo, eu não sabia o que esperar daquele lugar, mas, com certeza, não era aquilo que eu esperava.

A sala era iluminada por diversas janelas que deviam ter a minha altura. Entre cada janela havia um quadro diferente. Comecei a caminhar pela sala observando os quadros. Um era de uma mulher loira deitada sobre um sofá com apenas uma faixa de tecido cobrindo os seus seios e caído sobre seu quadril. O seguinte quadro era de uma mulher sentada em uma cadeira sorrindo alegre para o pintor. O terceiro quatro uma mulher estava com um livro nas mãos e não olhava na direção do pintor, era como se a tivessem pego de surpresa ali. Em outro quatro a mulher estava em pé, em frente a uma árvore alta, ela segurava algo em suas mãos como se fosse precioso. Aproximei-me mais tentando ver melhor.

Senti meus olhos se arregalarem quando em dei conta do que ela segurava. Era uma varinha, mas não qualquer varinha. Era a mesma varinha que eu havia encontrado dentro da caixinha com várias coisas estranhas. Voltei a observar os outros quadros e o que me passou despercebido era que aquela era a mesma mulher que estava em todos os outros quartos. O que ela tinha a ver com Thales? Em nenhuma imagem Thales aparecia. Qual era a ligação deles?

Tirei o quadro que a mulher segurava a varinha da parede e o segurei com força. Eu ia levar esse quadro para o castelo, talvez alguém reconhecesse a mulher ou Damen se lembrasse de onde já havia visto essa varinha. Comecei a sair do castelo de Thales do modo tradicional, mas eu estava com tanta pressa para mostrar isso para os outros, que quando alcancei a porta, simplesmente me transportei para o castelo.

Assim que meus pés tocaram o chão da entrada do castelo, vi Guilherme sair da biblioteca e me olhar confuso. Ele se aproximou e pegou o quadro das minhas mãos.

- O que é isso? – perguntou analisando a mulher da pintura.

- Encontrei no castelo de Thales. – respondi e indiquei a biblioteca para irmos. – Onde está Damen e Clara?

- Clara está em algum lugar por aí e Damen disse que precisava voltar para casa, está na hora da babá ir embora, ou algo assim. – ele deu de ombros e colocou o quadro sobre uma mesa. – Por que você trouxe isso?

- Está vendo essa varinha? – perguntei indicando a varinha que a mulher segurava. – É a mesma varinha que encontramos dentro da caixa.

- A mesma? – perguntou analisando a imagem mais de perto.

- Sim. –passei meu dedo pelo contorno da varinha enquanto falava. – Vê os desenhos nela? São iguais aos desenhos entalhados na varinha e o comprimento parece ser o mesmo dado a noção de distância que o pintor estava. Onde vocês guardaram a caixa?

- Está no cofre do castelo. – Guilherme levantou os olhos na minha direção. – Somente seu pai tem acesso a ele.

- Vou falar com ele. – respondi começando a me afastar, mas antes de chegar à porta me virei e disse: - Enquanto isso tente descobrir quem é essa mulher. Ela está por todo o castelo de Thales.

Eu não vi nem ouvi a resposta dele, porque no segundo seguinte eu já estava correndo escadas acima à procura de papai. Eu precisava comparar as varinhas para ter certeza de que eu não estava errada e, se eu estivesse certa, isso significava que tínhamos uma pista sobre Thales. Podia não ser de onde ele estava, mas qualquer coisa que nos ajudasse a entender melhor como funcionava a mente de Thales, era uma pista aceitável.

Thales era um mistério, um mistério que tinha que ser desvendado antes de encontrado.


Coração Negro - livro 3 da serie Coração AzulWhere stories live. Discover now