1 - Surreal

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Querido leitor, acordar de uma pós-morte pela segunda vez foi muito mais desorientador do que na primeira. Demorei alguns segundos para entender de que eu era eu novamente. E o choque que veio a seguir transformou tudo em algo surreal.

No momento em que meus olhos cruzaram com os da minha prima, eu entendi seus motivos para querer Thales de volta. Ela estava apaixonada.

Afastei-me de Guilherme querendo confortar minha prima, eu pensei em como seria duro se matassem Guilherme na minha frente e não cumprissem a promessa de trazê-lo de volta.

Entretanto, eu não havia esperado pelo que veio em seguida. Eu não estava preparada para tal notícia. Foi como receber um soco no estômago. Clara estava grávida, mas ela não estava grávida de qualquer um, ela estava grávida de Thales. Olhei apavorada para Damen e ele tinha a mesma expressão de choque no rosto.

- Traga-o. – pediu Clara mais uma vez.

- Desculpe. – disse Damen saindo do seu estado de choque. – Continua sendo perigoso.

O que ele estava pensando? Não importava mais se era perigoso ou não. Clara estava com uma criança se formando dentro do seu corpo e essa criança não viria ao mundo seu um pai. Thales podia ter sido tudo de ruim um dia, mas eu havia me tornado esse ruim por algumas semanas e sabia que ainda havia parte de Thales dentro de mim mesmo não havendo mais aquela conexão do laço. Eu só podia rezar para que uma parte boa de mim estivesse dentro dele.

Eu não sabia como trazer pessoas de volta, eu não sabia as palavras em latim que Damen usava, mas eu não precisava disso. Abaixei-me ao lado do corpo de Thales e estendi minhas mãos para ele. Eu não sabia bem como isso iria funcionar, mas eu sabia que traria Thales de volta. Senti meu corpo se aquecer e fechei meus olhos com força. Por favor, por favor, traga-o de volta, rezei mentalmente. E foi o que aconteceu.

Primeiro seus olhos se abriram confusos e então ele ofegou da mesma forma que eu. Sorri orgulhosa de mim mesma, eu havia conseguido. Levantei-me e encarei Clara que sorria chorosa na minha direção. Ela sussurrou um agradecimento tão baixo que provavelmente eu e Damen fomos os únicos a ouvir.

- Você está bem? –perguntei quando Thales ficou de pé.

- Acho que sim. – disse franzindo o cenho para si mesmo. – Ainda temos o laço?

- Não. – respondi sorrindo para ele. – Mas ao que parece temos vestígios dele.

Thales balançou a cabeça concordando comigo e então olhou para Clara e vi seu sorriso mudar. Puta merda, Clara não era a única com sentimentos fortes ali. Senti as mãos de Guilherme tocar meus braços e me virei na sua direção. Ele me olhava sério e lembrei tudo que eu o havia feito passar quando estava sendo uma assassina.

- Desculpe. – falei o deixando correr as mãos pelos meus braços.

- Vamos falar disso depois. – disse ele e aproximou meus lábios dos seus.

Deixei que ele me puxasse contra o seu corpo e por um momento me esqueci de onde estávamos e que havia pessoas ao nosso redor.

- Arrumem um quarto. – disse a voz de Thales atrás de mim e senti um sorriso se formar no meu rosto. Eu, com certeza, iria fazer isso.

***

Eu podia sentir a minha parte assassina dentro de mim, ela estava ali a todo o momento, tudo que eu precisava era dar uma chance que ela se revelaria, mas eu não daria essa chance. Rolei na cama e meu corpo esbarrou no corpo de Guilherme. Sorri para mim mesma abrindo os olhos lentamente.

Eu não sabia se ele realmente havia me perdoado por tudo que aconteceu, mas queria acreditar que sim. Eu queria acreditar que ele sabia que aquela não era eu, quer dizer, não era eu com os meus sentimentos. Era bom não sentir nada, mas poder sentir o amor outra vez era mil vezes melhor do que apenas prazeres momentâneos.

Eu sabia que as mortes que eu havia causando sempre estariam presentes na minha mente. Parte de mim ainda lembrava a sensação boa de matar alguém, porém eu reprimia qualquer pensamento sempre que me pegava divagando nessa direção. Encarei Guilherme dormindo tranquilamente ao meu lado e joguei as cobertas para o lado. Eu precisava de um pouco de ar.

Pensei em ir para o jardim, mas, na verdade, eu precisava de alguém para conversar. Alguém que entenderia o que eu estava passando. Suspirei derrotada e segui em direção onde eu encontraria essa pessoa.

Eu podia ter trago Thales de volta e acreditar que tinha um pouco de bondade dentro dele, mas por precaução, papai havia decidido que ele ficaria preso até segunda ordem. Eles não confiavam em mim plenamente ainda, quem diria no homem que havia ameaçado por séculos acabar com as Dimensões?

- Sei que você está aí, Alicia. – disse a voz do Thales quando hesitei na porta da sua cela.

- Podemos conversar? – perguntei antes de abrir a porta.

- Um horário meio estranho para apenas conversar, não é? – comentou quando abri a porta e vi seu sorriso sedutor surgir nos seus lábios. – Você não parece vestida apenas para conversar.

- Sinto muito, mas isso não é para você. – falei divertida me sentando ao seu lado.

- Uma pena.

- Como você está? – perguntei virando para ele.

- Depende do ponto de vista. – ele deu de ombros e então completou: - Já estive em situações piores.

- Difícil imaginar. – murmurei sorrindo para ele. – Essas algemas são um saco, não?

- Cada vez que alguém entra aqui tenho vontade de enforcá-los com essas correntes para saberem que meras algemas não vão me deter. – ele sorri perverso para mim.

- Sei como é. – concordei mordendo meus lábios. – Você sente aquela parte de mim dentro de você?

- Parte de você? Está se referindo a você estar mais forte do que nunca? Não sei responder, não tive tempo de usar meus poderes como pode ver. – ele ergueu os pulsos e me indicou as algemas.

- Não o poder, aquela outra parte. – falei sem olhá-lo. – Eu consigo sentir meu eu assassino dentro de mim.

- Ah! – ele me olhou compreendendo e então fez uma careta de desgosto. – Infelizmente ainda posso sentir seu pedacinho de bondade dentro de mim.

- É desconcertante. – comentei me perdendo em pensamentos. Era estranho estar sentada na cela que eu havia estado presa há duas semanas e conversando com Thales. Conversando com Thales sobre o meu lado assassino.

- Nem me fale. É essa sua parte boazinha que me impede de matar cada empregado que me traz comida. – ele resmungou mal humorado.

- Ser bom não é tão ruim assim, você conseguiu coisas boas com isso. – falei lançando um sorriso cúmplice.

- Ser mal também não é tão ruim, é? – perguntou sorrindo perverso para mim.

- Não me trouxe coisas boas. – afirmei encolhendo os ombros.

- Mas foi divertido. – completou sorrindo arrogante.

- Com certeza. – concordei com o mesmo sorriso. – A sensação de ter um coração batendo entre seus dedos é simplesmente maravilhosa.

- Você é esquisita. – anunciou rindo e olhando para mim. – Sempre gostei mais da parte onde as pessoas reagem com medo de mim. É interessante ver a reação das pessoas quando elas sabem que você é mais poderoso que elas.

- Nunca prestei atenção a isso. – falei pensando no que ele havia dito. Eu havia estado tão concentrada na sensação de matar que nunca havia percebido outras sensações.

- Experimente. – incentivou e então revirou os olhos quando lhe dei um olhar de repressão. – Você não pode evitar essa sua parte para sempre.

- Posso tentar. – respondi me levantando e sorrindo para ele. – A propósito, Clara está bem.

- Eu não perguntei dela. – disse ele sorrindo para mim.

- Não, mas eu sei que você queria saber. – respondi sorrindo divertida para ele e saindo da cela.

Coração Negro - livro 3 da serie Coração AzulWhere stories live. Discover now