A Carta

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As férias eram de longe a minha época favorita do ano, dois meses inteiros sem ter que me esconder ou fugir de ninguém

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As férias eram de longe a minha época favorita do ano, dois meses inteiros sem ter que me esconder ou fugir de ninguém. No entanto, na última semana de Agosto, vi meu sossego ir pelos ares ao ser surpreendido por uma carta de Viola Beene. Eu não esperava que a pirada me escrevesse realmente, mas ela o fez. Ela sempre cumpria suas promessas, melhor dizendo, ameaças.

"Oi, Oli

Você ficou de me escrever, lembra?

Compreendo que esteja ocupado passeando com seus pais pelos parques e restaurantes londrinos, como me disse que fariam durante as férias. No entanto, tinha esperanças de que cumprisse sua promessa e escrevesse. Mas vamos deixar isso para lá, afinal de contas não estou escrevendo para te fazer qualquer cobrança, e sim para te contar algo.

Como esperado, minha vida não fugiu nem um pouquinho ao roteiro, passei praticamente todos esses dias na fazenda dos meus tios, no Norte do condado, com meus irmãos e primos, foi uma festa. Por esse motivo não pude te escrever antes, espero que me perdoe. Só retornei no último final de semana. Meus pais juntamente com os nossos vizinhos, os Porter, decidiram fazer uma viajem ao litoral, e adivinha? Quase morri afogada! Dá para acreditar nisso? Num segundo eu estava andando sobre as rochas e no segundo seguinte estava engolindo água e me debatendo sob a superfície, foi apavorante. Eu estava certa de que morreria, mas Jason nadou até mim e me retirou da água bem a tempo.

Devo ter ficado desacordada por cerca de meia hora, pelo menos foi o que me disseram.

Sabe aquela história de que antes de morrer sua vida inteirinha passa diante de você em segundos? Pois bem, deve ser mentira, eu não me lembro de ter visto a minha vida inteira, tudo o que eu vi enquanto meu corpo ia em direção ao fundo do mar foram os seus olhos tão cinzas quanto uma manhã de inverno. E naquela hora todo o meu medo foi embora porque eu sabia que ainda que o pior acontecesse, eu não tinha do que reclamar, eu tive a chance de conhecer você, e ter te conhecido fez com que minha existência valesse a pena. Senti-me extremamente grata por isso, por cada momento ao seu lado, eles serão sempre os meus preferidos, e também os mais felizes.

Eu sei que isso não faz muito sentido, na verdade, não faz nenhum sentido, e você deve estar achando que eu sou uma completa maluca, mas não tem problema, muita gente acha exatamente a mesma coisa.

Não precisa se preocupar comigo, eu estou bem agora. Assim que possível voltarei àquela praia, desafiarei as ondas e mergulharei o mais fundo que puder, se quiser pode vir comigo.

Sei que não gosta muito de escrever, mas se tiver um tempinho me escreva - quinze ou dez linhas já seriam suficientes. - Aguardarei sua resposta.

Muitos beijos e um forte abraço!

                                                                                                                                                          Viola R. Beene

Ps.: Não vejo a hora das aulas começarem, estou morrendo de saudades suas.

Me joguei na poltrona, encarando o papel.

Viola Beene não tinha jeito, interromper minhas férias para contar uma história sem pé nem cabeça sobre "sua quase morte" era um pouquinho demais. Não que eu achasse que ela fosse capaz de inventar aquilo tudo, ela tinha muitos defeitos, mas mentir não era um deles. Entretanto, era óbvio que estava exagerando, no máximo tinha escorregado nas pedras e engolido um pouco de água. A garota tinha uma inclinação natural ao exagero. E que história era aquela de que tinha visto meus olhos e blá blá blá? Ela era doida. Completamente.

O tempo tinha começado a esfriar, fechei a janela do quarto e ainda com a carta em mãos, cai estrelado no colchão.

Ela devia ter gasto uma tonelada de glitter para fazer aqueles corações idiotas. Estamos em pleno século XXI, ninguém mais perde tempo escrevendo cartas, muito menos cartas tão rebuscadas como aquela, Viola Beene devia saber disso. Ela nunca ouvira falar em e-mail ou mensagem de texto?

Acho que não preciso dizer que não respondi aquela carta, nem nenhuma das outras que ela teimara em me enviar. Não ia permitir que a Cara de Coruja estragasse as minhas férias com suas histórias, sem contar que estava ocupado demais para perder tempo lendo ou respondendo suas cartinhas, eu tinha coisas muito mais interessantes e divertidas para fazer. Ainda assim, não resisti à curiosidade e numa tarde preguiçosa resolvi dar uma olhada no seu perfil em uma rede social, não que eu estivesse interessado na Cara de Coruja ou no que ela faz quando não está enchendo meu saco, só queria saber exatamente com quem estava lidando, quanto mais informações obtivesse sobre a maluca, mais protegido estaria.

Verifiquei alguns perfis e, depois de alguns minutos fuçando a página do da banda da escola me deparei com a sua foto.

Por Deus, ela era ainda mais feia do que eu conseguia me lembrar e, para piorar, estava sorrindo. Alguém deveria tomar coragem e dizer a ela que era melhor manter aquela boca de latão bem fechada. Meu dedo deslizou pela foto e fui imediatamente redirecionado para o seu perfil. Não haviam muitas fotos, apenas duas ou três em que ela aparecia sozinha, rindo como sempre; uma em que abraçava um cachorro marrom maior que ela; e outra ao lado de um homem alto e uma mulher muito bonita, de cabelos castanhos e olhos tão azuis quanto os da própria Beene,  deduzi serem seus pais.

Naquela tarde descobri que a Cara de Coruja era ainda mais estranha do que parecia: ela e louca por balas de caramelo; viciada em Skitlles; fã de balé clássico, com direito a lagrimas sempre que assisti ao Quebra- Nozes na TV; sabe tocar gaita de fole e dançar a ecossaise; adora filmes antigos e os clássicos dos anos oitenta e noventa e e uma ferrenha defensora dos direitos dos animais, associada à uma ONG chamada "Sociedade Protetora dos Animais Feios" - auto preservação, muito interessante.

Depois dessa esqueci a página e fui navegar em águas tranquilas, águas onde não havia espaço para malucas de treze anos interessadas em salvar o Macaco Narigudo ou o Javali Africano.

Viola e Rigel - Opostos 1Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora