De volta ao lar

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Durante todo o caminho de volta para casa me vejo imersa num mar de ansiedade

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Durante todo o caminho de volta para casa me vejo imersa num mar de ansiedade. Desconsiderando a perturbação interior, é uma tarde agradável. Há umidade no ar e nuvens metálicas pairam sobre nossas cabeças. Ao longe o sol completa sua trajetória descendente, abrasando o horizonte com tons imateriais de mostarda, violeta e mercúrio, as folhas das árvores brilhando ao vento, a luz doce se derramando sobre as montanhas escarpadas.

Por diversas vezes tive vontade de compartilhar o que descobri com Liam, seria bom dividir o peso disso com alguém e ouvir o que ele acha. Liam nunca foi muito maduro, mas quando quer ele pode pensar racionalmente e dar bons conselhos. Mordo a ponta da língua para me impedir de falar e apoio a cabeça contra o vidro da janela.

Melhor ficar de boca fechada, ele não guardaria segredo, e ainda há uma chance de que o Oli tenha se equivocado.

As casas e plantações ficam para trás como em uma pintura surrealista; a fragrância da vegetação flutua ao nosso redor, no interior do veículo. Através do espelho, os olhos de Liam me observam.

― Presta atenção na estrada ― peço, tirando a unha da boca e me inclinando para frente.

Ele tamborila o volante com as pontas dos dedos e faz o que eu disse.

Andar com o Liam é uma aventura e tanto, sem exageros, você precisa de uma dose extra de coragem ― ou estupidez ― para entrar em um carro com ele ao volante. Às vezes tenho a sensação congelante e assustadora de que ele meio que faz de propósito, de que gosta de desafiar a morte e jogar com ela. Ainda não aprendeu que esse é um jogo do qual nenhum de nós sai vencedor.

― Qual o seu problema? Não falou quase nada durante o caminho todo, só ficou aí com essa cara de bunda.

Rolo os olhos.

Os dias no Madison quase me fizeram esquecer do quão delicado ele pode ser. Vou um pouco mais para frente, deslizando na ponta do banco traseiro e apoiando a mão no espaldar da poltrona do motorista, próximo ao ombro do meu irmão. Uma rajada de vento entra pela janela aberta e traz o perfume verde faiscante da vegetação até as minhas narinas, se misturando aos resquícios do cheiro do cigarro que Liam fumou enquanto me esperava no estacionamento do Madison.

Pelo menos não precisarei denunciá-lo à mamãe, seu cheiro se encarregará disso.

― Primeiro, não dá para falar muito com um show de rock acontecendo no interior do carro. Eu mal consigo ouvir a minha própria voz. ― Aponto o rádio antigão do carro do papai, de onde ecoam acordes frenéticos e gritos estridentes. ― Segundo, eu não tenho cara de bunda, seu bobão.

― Aham. ― Os cantos de seus lábios se curvam num sorriso sarcástico. ― Isso é o que as pessoas com cara de bunda sempre dizem.

Com um suspiro derrotado, escorrego de volta para o meu lugar no banco e tento focar na paisagem. Não vale a pena retrucar.

Viola e Rigel - Opostos 1Where stories live. Discover now