Histórias de amor e outros desastres

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A mamãe está ainda mais estranha quando puxa a cadeira para perto da cama, onde estou sentada, e semicerra os olhos na minha direção, concentrada

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A mamãe está ainda mais estranha quando puxa a cadeira para perto da cama, onde estou sentada, e semicerra os olhos na minha direção, concentrada. Ela segura as minhas mãos entre as suas e abaixa a cabeça. Noto que está tremendo, mas opto por não comentar.

- Tem certeza de que está bem?

- Sim. Claro.

- O que queria me falar? É sobre o doador, não é? - tento facilitar as coisas para ela. Mamãe faz que sim. - Por que não fala de uma vez? Está me deixando nervosa.

E está mesmo. Não paro de sacudir as pernas, e os cantos das minhas unhas estão umas três vezes piores que o habitual, vermelhos e rodeados de pele esfolada.

- Lembra que eu te contei que conheci um garoto antes de começar a namorar o seu pai e que me apaixonei por ele?

- Sim. Também lembro de você ter dito que ele parecia bom, que o seu coração dizia que ele era bom, mas que as atitudes dele provaram o contrário. E que isso foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, porque você acabou percebendo que o garoto certo estava bem debaixo do seu nariz. O papai - repito seu discurso de meses atrás. - Mas o que isso tem a ver com o doador?

Soltando as minhas mãos, ela afasta os fios de cabelo que se dobram sobre seu rosto avermelhado para trás.

- Você precisa prometer que vai me ouvir até o final, sem interrupções ou julgamentos... e que tentará me entender.

Minha cabeça pende para o lado enquanto falo:

- Mamãe, está me assustando de verdade.

- Você promete?

Penso por um instante, estudando seu rosto aflito, o vinco entre os olhos azuis, as cavidades escuras sob eles.

- Tudo bem, eu prometo.

De imediato ela não fala nada, quieta e pensativa. Seus lábios se estreitam formando uma linha reta, e ela passa as mãos pelos jeans para enxugar o suor. Mamãe sempre age assim quando está muito apreensiva sobre algo, ou quando se sente ameaçada, além de ficar esticando e encolhendo os dedos de forma quase ininterrupta.

- Eu o conheci no ensino médio - sua voz oscila - Éramos imaturos, inexperientes e cometemos erros.

- E? Fala logo, mamãe.

- Prometeu não interromper.

- Desculpa. Eu tinha me esquecido disso. - Paro de roer a unha. - Pode continuar. Vou ficar quieta a partir de agora.

- Eu me apaixonei por ele.

- Perdidamente.

- Viola.

- Desculpa, foi o que você disse da outra vez: que tinha se apaixonado perdidamente.

- Sim, perdidamente. Satisfeita agora? - Nem um pouco. Não é nada confortável saber que teve alguém antes do papai. Mas o que posso fazer, não está em minhas mãos alterar o passado, está? - Vivemos um breve romance. Não era o plano, mas eu me apaixonei... perdidamente. Ele me fazia sentir como se tudo fosse possível. Quando estávamos juntos não havia começo nem fim, apenas nós dois... e o mundo era nosso. - Seus lábios se esticam diante da lembrança, mas ela logo se recompõe. - Lembro de pensar que duraria para sempre. Eu era jovem e tola demais para compreender que os sonhos, como a maioria das coisas neste mundo, possuem um prazo de validade, e o meu não demorou a expirar.

Viola e Rigel - Opostos 1Where stories live. Discover now