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Eva


A vida pode nos derrubar, mas podemos escolher se levantamos ou não.
(Karatê Kid)

Não conseguia me prender a nada que o padre estava falando. Olhava para seus lábios se movendo, mas havia um silêncio ao meu redor. Estava rodeada de pessoas conhecidas, umas segurando as mãos das outras, rostos sendo escondidos no ombro de alguém.

Uma família chorando a perda de um filho, amigos se despedindo de alguém que nunca mais voltaria. E eu no meio de tudo isso, sentada na primeira fila de bancos da igreja, apoiada pelas mãos dos meus pais.

Senti que não estava no meu corpo, embora olhasse e visse serem minhas mãos e meu corpo, mas ainda assim, não era eu.

— Pai, seu filho teve uma vida feliz aqui na terra, agora segue para ficar ao se lado e aguardará o dia em que verá sua família novamente.

O padre proferiu suas últimas palavras e então começou o canto do coral. Vi seus pais se levantarem e caminhar lentamente até o caixão. Helena acariciava o rosto do seu filho antes de enterrar seu próprio rosto no peito de Ricardo, seu marido.

— Você pode ir até lá minha querida.

A voz de minha mãe parecia distante, como se ela nem estivesse no mesmo espaço que eu.

Eu queria muito ir, mas não podia. Nem mesmo tinha esse direito.

Todos aqui dentro deviam me odiar, meus amigos, conhecidos, até mesmo os pais de Filipe. Todos Sabiam o motivo dele estar morto. Havia sido por minha causa. Eu empurrara Filipe para a morte.

Aquela voz continuava falando ao meu ouvido que a culpa por Filipe estar agora em um caixão era minha.

Só queria fechar os olhos e quando abrisse, ver que tudo não passara de um pesadelo.

Continuei congelada no meu lugar quando gradualmente todos começaram a caminhar até o caixão. Queria correr para longe, mas lá fora estava lotado de jornalista. A família de Filipe não pertencia ao mundo da política, mas o fato de seu filho morto ser o namorado da filha do prefeito, era a manchete para a semana inteira.

Alice passou ao meu lado e seguiu até onde Filipe estava. Meus olhos vagaram por suas mãos. Ela segurava uma rosa e enquanto a colocava, vi uma lágrima correr por seu rosto.

Encolhi-me ainda mais.

Você é a culpada. Você o matou. O tirou de Alice. Assassina.

A voz continuava sussurrando no meu ouvido. Estava cada vez mais difícil suportar. Precisava sair.

— Preciso sair daqui, por favor — sussurrei.

— Tem certeza de que não quer ir lá? Vou com você — meu pai se ofereceu.

Neguei com a cabeça. Não queria ir lá e ver que ele não iria mais acordar. Não queria sentir mais culpa do que já estava sentindo.

Filipe estava morto. Isso era tudo. Não haveria mais o nosso futuro.

— Tudo bem, minha querida, vamos sair — minha mãe segurou minha mão e me ajudou a levantar.

Alice fez o caminho de volta para o seu lugar e parou diante de mim.

— Espero que a culpa jamais te deixe em paz — disse enquanto me abraçava tão fria quanto uma pedra de gelo.

Alice se afastou e eu fiquei simplesmente parada enquanto ela seguia para onde estavam seus pais.

Virei-me para a saída, querendo fugir antes que mais alguém viesse me abraçar, mas fui amparada por Helena.

Ela me abraçou e senti que eu iria me quebrar. Havia tanta dor saindo do seu corpo, e a culpa era toda minha.

— Ele amava tanto você... Tanto... — ela sussurrou.

Precisava falar algo, mas não consegui. Era como se eu não tivesse o direito de sentir a dor de sua perda. Seu sangue ainda estava em minhas mãos.

— Está sendo difícil para todos e eu quero que saiba que sempre me terá por perto.

Seus olhos estavam vermelhos, seu rosto está cansado, e eu só queria pedir desculpas. Queria que ela me perdoasse por tirar seu filho.

— Fique bem. Filipe não gostaria de vê-la triste.

Apenas balancei a cabeça, demonstrando que eu havia entendido o seu pedido.

Tudo ao meu redor desapareceu, eu seguia para um caminho onde não sabia onde pararia.

Filipe fora embora e parecia ter me levado junto.

— Você pode chorar se quiser filha. Coloque essa dor para fora — minha mãe falou enquanto me ajudava com meu pijama.

— Não posso — falei tão baixo que acredito que só eu ouvi.

— Porque você não pode?

— Porque se eu fizer isso, não conseguirei parar.

Eu não conseguiria parar, por a verdade ser rasgada e eu iria finalmente ter a certeza que não era um pesadelo.

Minha mãe pegou minhas mãos e segurou entre as suas.

— Deixe que a dor saia. Quando isso acontecer, será mais fácil.

— Mais fácil para quem?

Minha mãe ficou em silêncio e depois me puxou para seus braços. Não ouve mais palavras, nem lágrimas. Apenas o silêncio.

Seu amor, meu destinoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora