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Eva

Só quando perdemos tudo, é que estamos livres para fazer qualquer coisa.
(Clube da luta)


Nove meses depois

Não conseguia sair do meu quarto, como também não conseguia seguir com minha vida. A voz vivia constantemente me perseguindo, me julgando, me acusando.

Não conseguia pedir ajuda, porque não queria que todos soubesse quem era a culpada pela partida repentina de Filipe. Em um mês eu havia perdido dez quilos. Não conseguia comer, não conseguia sair de casa.

Uma semana após da morte de Filipe, os amigos vieram a minha casa, mas eu pedi para avisar estar dormindo. Nas vezes seguintes, havia sempre uma desculpa, então as visitas pararam. Fiquei feliz, agora eram apenas três pessoas: eu, minha dor e a voz.

Por dias, a voz me deixava em paz, aqueles dias quando meus pais estavam em casa. Mas quando eles saíam, ela voltava e vinha com mais força, suas palavras cada vez mais pesadas.

Eu estava ficando cansada de lutar, de guardar a verdade. O fardo estava ficando pesado demais para suportar sozinha.

Eu queria que a dor acabasse.

Eu queria que a voz fosse embora.

Sei como isso pode acabar. Se entregue a mim. Dê-me o seu medo. Filipe vai te perdoar se fizer isso.

— O que ele quer que eu faça? — me peguei perguntando para o vazio do meu quarto.

Ele quer sua vida. Assim como você pegou a dele. Uma troca justa, não acha?

— Filipe jamais pediria isso.

Você o tirou dos seus sonhos. Ele teria o mundo e você acabou com tudo.

A voz tinha razão, eu havia interrompido seus sonhos, nada mais justo do que dar algo tão importante como minha vida para obter seu perdão.

— Então se eu fizer o que me pede, ele irá me perdoar e conseguirá seguir em paz?

Faça a sua parte e ele fará a dele.

— E os meus pais?

Eles vão entender, afinal, você irá fazer isso por eles também. Não vê que também estão sofrendo?

— Eles não sabem a verdade. Eu não contei.

Acha mesmo que eles não sabem? A cidade toda a essa altura sabe que você matou Filipe. Os pais deles tem vindo aqui visitá-la? Ligaram para saber como você está?

Fiquei em silêncio pensando. Era verdade, os pais de Filipe só falaram comigo uma ou duas vezes depois do enterro.

Sabe que tenho razão. Então, porque não deixa todos felizes?

— Ninguém mais sofrerá?

Ninguém. Acabe logo com isso, com a dor, o sofrimento, a culpa.

Levantei-me da cama e me encaminhei para o banheiro. Estava sozinha em casa, ninguém para ver minha partida. Seria a coisa mais difícil a fazer, mas seria correta. Liberaria todos do sofrimento. E enfim, teria o perdão de Filipe.

Pensei em escrever algo, mas não queria despedida. Eu era horrível com as palavras. Peguei meu batom vermelho na minha "necessaire" e escrevi no espelho.

MÃE, PAI, AMO VOCÊS.

Era isso. Eles teriam minhas últimas palavras.

Caminhei até o criado mudo e abri a gaveta. Peguei um estilete e segurei entre meus dedos.

Um corte firme e tudo terá fim.

A voz estava de volta.

— Não doerá? — perguntei.

Sentirá um pouco, mas logo passará.

O primeiro corte doeu, mas a voz tinha razão, a sensação depois era de paz. Cortei o outro lado e parecia que eu fora anestesiada. A dor fora embora. O sofrimento, a culpa.

Enquanto eu caía no chão do meu quarto, lembranças boas vinham em minha mente. Nosso primeiro beijo na biblioteca da escola. Nossa primeira troca de presentes. Nossos anéis de compromisso. Apenas lembranças bonitas.

Então obter a liberdade era isso? Ter seus últimos momentos lembrando da pessoa que mais amou?

Sorri.
A voz tinha razão. Era tão fácil ir.

Meus olhos foram ficando pesados, o sono eterno estava chegando. Será que eu veria Filipe? O que eu falaria quando o visse novamente?

Alguém estava gritando ao meu lado. Quem estava me chamando?
Não conseguia ver, minha visão estava embaçada, já não sentia meu corpo.

Quem me gritava com tanto desespero?

Não podia responder, precisava ir...

Precisava ir...

Seu amor, meu destinoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora