6

9K 832 25
                                    

Eva


Mesmo sabendo que um dia a vida acaba, a gente nunca está preparado para perder alguém.
(A última música)


Bip... Bip... Bip...

Que barulho chato!

Por que alguém não desliga esse despertador?
Apertei meus olhos com força e ignorei.

Bip... Bip... Bip...

Abri meus olhos e demorei alguns segundos para me acostumar com a claridade do ambiente.

O que estava acontecendo? Eu estava em um quarto de hospital? E, porque eu estava aqui?

Tentei mexer minhas mãos, mas vi que elas estavam presas.

— O que...

A porta do quarto abriu e uma enfermeira jovem passou por ela, trazendo uma bandeja em suas mãos.

— Vejo que acordou. Como está se sentindo?

— Onde estou? E Filipe, posso vê-lo?

A enfermeira me olhou como se de repente tivesse nascido um chifre na minha testa.

— Você ficou desacordada por muito tempo. Por isso deve estar desorientada.

— Desacordada? Não estou entendendo. E por que estou com minhas mãos presas?

— É para sua segurança.

— Minha segurança? O que está acontecendo? Eu não deveria estar aqui.

— Fique calma, por favor. Sua mãe a encontrou caída no chão do seu quarto, sangrando. Quase não conseguimos salvá-la.

— Então estou viva?

A enfermeira sorriu e colocou a bandeja em cima da mesa.

— Um pouco fragilizada, mas sim, você está viva.

— Não... Não... Não era para eu estar aqui... Ela disse... — falei tentando soltar minhas mãos.

— Ela quem?

— A voz... Ela disse que Filipe me perdoaria se eu deixasse todos.

— Uma voz pediu para que se machucasse?

— Ela disse que todos estavam sofrendo por minha causa, que Filipe não iria me perdoar pelo que fiz.

— E o que você fez?

— Me solte, por favor. Preciso sair daqui.

Puxei com mais força as amarras do meu pulso e senti uma dor insuportável nos meus pulsos.

— Pare com isso Eva, romperá os pontos e irá sangrar novamente.

A enfermeira tentou se aproximar, mas comecei a me debater na cama.

— Você não pode me prender assim. Exijo que me solte! — comecei a gritar.

— Você está muito alterada e acabará se machucando. Chamarei o doutor César.

— Não se atreva a sair daqui e me deixar amarrada como um animal! — gritei quando ela começou a sair do quarto.

Minutos depois, um homem não mais velho do que o meu pai entrou no quarto, acompanhado de dois enfermeiros, além da mulher escondida atrás deles, assustada com um animal.

— Segurem os ombros enquanto aplico um sedativo — disse o médico caminhando em minha direção.

— Não me toquem! — gritei — sabem quem é o meu pai? O prefeito dessa cidade. Então é melhor não tocarem em mim. Fiquem longe ou matarei todos! Estão me ouvindo? Matarei todos.

— Vamos logo rapazes, segurem ela.

— Não me toquem seus idiotas! — estava gritando a pleno pulmões.

Senti uma picada em um dos meus braços e em poucos segundos comecei a viajar para o mundo escuro dos sonhos.

Depressão Psicótica.

Era esse o meu diagnóstico. Sofria de depressão forte, com delírio e pensamentos suicidas.

Fui transferida para uma clínica particular assim que a notícia vazou da minha visita ao hospital. O assessor do meu pai cuidou para que ninguém soubesse a real situação da minha internação. Não seria bom para a campanha de reeleição do meu pai ter sua filha estampada nos jornais por tentativa de suicídio.

As visitas foram proibidas, a não ser a dos meus pais. Eles acreditavam que ver pessoas do meu ciclo de amizade, atrapalharia meu tratamento.

Passava meus dias praticando exercícios em grupos com pessoas da minha idade, onde tinha certeza que não me encaixava. Eu não era louca, e as pessoas com quem era obrigada a conversar pareciam que iriam me matar enquanto eu dormia.

Quando não estava "interagindo" com eles, estava sentada em um divã conversando com a psicóloga. Na maioria do tempo, ficávamos mudas por minutos, até ela me impulsionar a falar, enquanto ela rabiscava sua agenda.

Odiava estar na clínica, odiava falar sobre minha vida. Não havia nada para falar. Só queria voltar para casa, meu quarto e ter minha vida de volta.

— Mas você pode voltar para casa Eva, ter sua vida de volta. Basta você querer isso.

Nem havia percebido que falara alto. Ultimamente evitava falar.

Falar requeria esforço, e se eu fizesse isso, iriam querer saber o que estava sentindo. E era isso que eu não queria. Não queria que soubessem sobre minhas dores, que a culpa que me corroía. Eu não era mais eu, e suponho que nunca mais voltaria a ser.

Como não falei nada, Bianca continuou a falar.

— Seus pais a querem de volta. Seus amigos também.

— Meus pais não me querem lá. Eles têm vergonha de mim pelo que aconteceu. A voz dizia que todos estavam tristes comigo, que se eu os deixasse, seria o certo a fazer.

Bianca deixou o caderno de lado e olhou para minhas mãos que não conseguia parar de mexer, e depois seguiu para os meus olhos.

— Tem ouvido a voz ultimamente?

— Não.

Não a ouvia desde o incidente. Era como se até ela tivesse ficado decepcionada com meu fracasso.

— A voz também me odeia. Todos me odeiam.

— Ninguém te odeia, Eva. Estamos todos querendo que você melhore e volte para casa. Mas para isso acontecer, você precisa deixar que eu te ajude.

— O que você quer que eu faça? Ficamos horas aqui conversando sobre minha vida chata.

— Conversamos, mas não sei coisas importantes como sua cor preferida, o que gosta de fazer, se gosta de ler, dançar, ouvir música.

— Como falar sobre isso vai me ajudar?

— Você acredita que não, mas ajuda muito. Podemos fazer uma programação para você ocupar seu dia. E faculdade? Não pensa em fazer?

— Eu ia fazer cinema. Adoro filmes... Gosto da sensação de como cada cena que ganha vida me encanta.

— Você não quer mais fazer isso?

Olhei insegura para ela pensando na resposta.

— Me deixe te ajudar a ter sua vida de volta.

— Você vai mesmo conseguir me ajudar?

— Sou conhecida pela minha persistência.

Seu amor, meu destinoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora