Pisando em cacos

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     Não prestei atenção no hospital, estava com muita pressa para observar detalhes, mas sabia que era cor creme.
Lá dentro cheirava a álcool e água sanitária, extremamente desagradável. E Richard andava logo atrás de mim.
     - Vou te deixar aqui. - Falou, visivelmente desconfortável.
Franzi o nariz com o cheiro horrível de produto de limpeza. Me dava ânsia.
    - Algo errado? - Perguntei devido à sua repentina pressa, não que eu esperasse que ele fosse ficar ali comigo.
    - Não entro em hospitais...
Fez uma cara de quem se desculpava, deu meia volta e saiu pela porta.
    Não iria insistir, não era hora de me preocupar com possíveis traumas hospitalares de Richard Laurent, e além do mais, também não era algo que eu colocaria na minha lista de lugares favoritos, então não o culpava por isso.
    Ele já estava longe quando lembrei que havia esquecido de agradecer por sua "boa vontade" em me trazer até ali.
    Um mulher de óculos me atendeu na recepção.
   - Em que posso ajudar? - Diferente do que se espera de recepcionistas em hospitais, essa era bem agradável.
   - Minha irmã deu entrada há algumas horas. Cibelly Drayton.
    Ela teclou rapidamente e seus olhos se ergueram pra mim.
    - No fim do corredor, na UTI. Mas não te deixarão entrar.
   Ah...Minha Nossa!
   Corri de uma forma que as paredes brancas viraram vultos. Haviam algumas pessoas no corredor esperando para serem atendidas.
    A porta central da UTI se abriu antes que o guarda pudesse me barrar e minha mãe saiu de lá - acompanhada por uma enfermeira que empurrava a cadeira de rodas - com as mãos na boca segurando o choro. Aaah não! Não, não, não, não, não, não, por favor não me diga o pior, por favor, por favor, por favor, que minha irmã esteja sã e salva.
    Me ajoelhei para ficar à sua altura e apertei sua mão que agora estava no colo.
    - Mãe?
   Balançou a cabeça desolada.
    - Cibelly não está nada bem... - falou aos prantos - ela está com dificuldade para respirar... Nunca a vi tão... Pálida.
Mordi os lábios reprimindo o choro.
    - E agora? O que vai acontecer?
    A enfermeira impediu minha mãe de falar.
    - Está sendo medicada. Vai ficar internada, e se obtiver melhora vamos fazer a transferência para a clínica de...
    - Se melhorar?! - Perguntei. Minha mãe fungou - Quer dizer que ela pode... - Balancei a cabeça sem querer acreditar.
     A mulher parecia nervosa, talvez tivesse falado demais.
    - Olha, sou nova aqui. - esclareceu - Mas vocês já deviam estar preparadas para o pior...
    E essa foi sua deixa. A mulher, que não devia ser muito mais velha que eu, nos deu as costas e entrou em uma sala ao lado. Cantina, li no letreiro.
    Me sentei no banco do corredor e coloquei a cabeça entre os joelhos.
Mamãe veio até mim. Sua cadeira parando na minha frente, levantei os olhos.
    - Não sei se vou aguentar isso! - Falou com voz embargada.
    E então ela não se segurou mais, botou pra fora, chorou e soluçou enquanto eu chorava também. O som do choro de uma mãe é algo visceral, uma dor que penetra até a alma. Cada lágrima dela parecia arrancar um pedaço de mim. Queria poder protegê-la, envolvê-la em meus braços e absorver toda aquela dor. Era insuportável vê-la assim, e o mesmo se estendia ao meu desejo de proteger minha irmã. Queria desesperadamente que ambas fossem poupadas de qualquer sofrimento.
     Uma eternidade parecia ter se passado quando finalmente ela se aquietou e fungou.
     - O seu chefe é um homem muito bom - franzi o nariz.
     - Ele não é o meu chefe. E não é bom coisa nenhuma.
    Ela fechou a cara.
     - Não seja mal criada! Ele te trouxe até aqui, não trouxe?
     - Tudo bem. Pode ser - Dei de ombros - Ele é um dos únicos moradores fixos do hotel... Fiz faxina no apartamento dele e fui descuidada o bastante para esquecer o celular.
     Assentiu como se compreendesse minha falha.
     - Deve agradecê-lo... - Era quase como se soubesse que eu não tinha feito isso. Suas sobrancelhas se juntaram - Você caiu. - Não foi um pergunta.
     - Desmaiei e bati o rosto. Tá péssimo? - perguntei me lembrando de Richard.
     - Não vai ficar marca, só parece que alguém pegou caneta vermelha e fez vários riscos na sua bochecha, até virar uma bola toda riscada. Não está tão ruim.
    Com uma descrição tão precisa como aquela, com certeza não estava ruim!
    Um homem de jaleco branco e luvas saiu de dentro do quarto, me levantei e fui até ele
    - Como ela está? Posso vê- la?. - Minhas mãos suavam enquanto eu as contorcia.
    O médico era um pouco mais baixo do que eu... Devia ter mais ou menos 1,65 de altura... por ai.
    - Ela está reagindo bem, foi apenas o começo de uma infecção, pode acontecer às vezes. Vamos tentar fazer a transferência logo, por precaução, porém por enquanto estamos conseguindo manter a situação sob controle.
     Apertei os olhos e suspirei.
    - Me diga apenas uma coisa... O senhor acha que ela consegue?
    O médico... Seu crachá dizia "Dr. Steve Muller", pensou por um momento antes de responder.
    - Sua irmã estava no nível dois, agora avançou mais um... E ela pode se recuperar, contanto que não avance mais, mas caso avance, o quadro pode se tornar extremamente delicado.
   Me lembrei da tabela que tinha visto uma vez na sala do doutor Jackson :

Inverno Em Saturno Where stories live. Discover now