Feliz aniversário?

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Acordei com o sol invadindo minhas pálpebras, e somente quando rolei para o lado e não senti o vácuo entre a cama e o chão me lembrei de que não estava em casa. Abri os olhos contemplando o teto e as paredes brancas do quarto de Richard Laurent. Embora a experiência de dormir naquela cama tenha sido incrível, o ambiente me deixava deprimida. Por um momento me peguei pensando em Richard acordando ali, no mesmo ponto em que eu estava, vendo a mesma parede sem graça. Quais seriam seus primeiros pensamentos pela manhã? A imagem dele sem camisa enrolado naqueles lençóis brancos penetrou minha mente, me obrigando a levantar da cama antes que começasse a criar ainda mais imagens.

Ouvi o chuveiro sendo ligado no banheiro do corredor. Richard devia estar se arrumando para o trabalho.

Caminhei até a cozinha, parando em frente à cafeteira. Precisaria de bastante cafeína para sobreviver àquele dia. Olhando para os botões confusos por um momento, apertei um deles. A máquina ronronou por um instante e então começou o líquido escuro começou a gotejar , mas não na xícara, na bandeja. Suspirei em frustração.

Não era para esse tipo de máquina ser tão complexa. Na verdade, as outras que eu já havia visto pareciam muito mais simples...

Hesitei no corredor pensando se deveria ou não perguntar à Richard sobre o funcionamento da máquina. E então me lembrei do nosso "quase beijo", se é que eu não estava ficando maluca. Será que ele pretendia sair para o trabalho antes que eu acordasse? Percebi que o chuveiro continuava ligado e para minha surpresa Richard estava cantarolando "Car's Outside" do James Arthur. E mais surpreendente ainda era perceber que ele cantava bem o suficiente ao ponto de eu desejar que não parasse.

Aquela era uma das músicas favoritadas na minha playlist, porque James Arthur me fazia sentir coisas que nenhum outro cantor conseguia, e fiquei surpresa que Richard curtisse também. Principalmente porque comparado aos outros astros pop, J.A era subestimado.

Quando ele parou de cantar e o chuveiro desligou, meu cérebro não processou que era hora de sair da frente da porta. Na verdade, nem sei em qual momento fui parar naquele lugar. Mas tive um pequeno infarto quando Richard abriu a porta do banheiro, e o vapor preencheu meu campo de visão. Inspirei um pouco seu cheiro de alfazema. Muito, muito, muito bom.

E então o encontrei em meio ao vapor quente. Estava enrolado em uma toalha branca, e também se sobressaltou ao me ver parada ali. Ele se parecia com uma estátua grega de mármore esculpida a...

- Drayton. - Sua voz saiu rouca como se ainda estivesse se recuperando do susto. - Não esperava te encontrar de pé. Muito menos na frente do banheiro. - Se encostou no batente e cruzou os braços, o movimento atraiu meus olhos para o seu... - Esquisito até para você.

O que ele havia dito?

- Hã... É. De pé... - Afastei qualquer pensamento malicioso fazendo um contato visual que talvez tenha soado um tanto exasperado. - Eu estava esperando você sair porque... - Vamos cérebro, funcione - Parece que minha relação com a cafeteira está prestes a se tornar uma tragédia shakespeariana. Como faço para convencer aquele  trambolho a me dar um pouco de café? 

Richard  pareceu um tanto desconfiado, e eu deveria estar da cor de um pimentão agora. Sabe quando você está em uma situação embaraçosa e na tentativa de que a outra pessoa não perceba acaba falando mais rápido do que o comum? Minha habilidade de fazer isso em momentos inoportunos era notável.

- Posso me trocar primeiro ou está gostando dessa visão?

- Definitivamente uma boa visão. - Assenti no piloto automático, e quando finalmente processei o que havia acabado de dizer, arregalei os olhos e emendei - Quer dizer, não me importo. Só quero um pouco de café.

Aquele sorrisinho torto apareceu e me lembrei porque deveria odiar Richard Laurent.

***

- Tem um botão pequeno na lateral da máquina. Aperte, segure e em seguida clique em "ligar". - explicou Richard, totalmente vestido.

Segui as instruções e contemplei o líquido quente e escuro caindo na xícara. Dei dois pulinhos de alegria, sem me importar se a cena parecia patética. Deus abençoe o café e a praticidade!

Depois de vencer a luta contra a cafeteira, retirei o vestido limpo da secadora e o coloquei novamente no corpo. Não poderia ir embora com a camisa de Richard, e estava temendo encontrar o gerente na recepção. Mesmo que fosse meu dia de folga estaria arriscando meu emprego caso o sr. McJake sequer sonhasse que eu havia dormido no hotel.

Se por alguma razão eu me encontrasse com ele, diria que tinha marcado um almoço com Tina e estava esperando seu expediente terminar. Mas faria o possível para que isso não acontecesse.

Meu reflexo no espelho dizia que minha noite havia sido longa e que eu não tinha descansado o suficiente. Quando Richard apareceu na sala, agora engravatado e com os cabelos penteados não pude deixar de soltar um baixo e vergonhoso "uau". Pisquei algumas vezes.

- Oh, parece que a realeza decidiu se juntar aos plebeus. - Foi o melhor comentário que consegui pensar, e me arrependi no momento em que percebi que ele havia percebido o quanto eu estava atraída.

- Você não perde a oportunidade de flertar comigo. Incrível.

Gostava muito do Richard bem humorado, mas ele conseguia me deixar tão vermelha que eu estava começando a me preocupar.

- Há, há. Sonhe. Com o que você trabalha, afinal? - perguntei tentando novamente me distrair.

Ele se sentou no sofá e apertou os cadarços do sapato.

- Sou Diretor de Estratégia em uma empresa de tecnologia. - respondeu, ainda sem olhar para mim.

- Isso soa importante. O que exatamente você faz nesse cargo?

- Você é mesmo sempre tão curiosa? - Dei de ombros e ele balançou a cabeça - Trabalho para desenvolver e implementar planos estratégicos para a empresa. Ajudo a tomar decisões, avalio oportunidades de crescimento, parcerias e aquisições, e garanto que estejamos sempre alinhados com as tendências do mercado.

Ok. Não havia entendido metado do que ele dizia, mas parecia importante.

- Um homem de negócios então. - comentei.

Suas sobrancelhas se arquearam de um jeito engraçado.

- Da forma como você diz parece patético. - Agora ele estava de pé parecendo pronto para ir. - Escute, o sr. McJake saí para comprar donuts às nove e quinze. - Me olhou sugestivamente.

- E o que faço nesse meio tempo? - perguntei.

- Só espero encontrar o apartamento inteiro quando volt... - A frase pairou no ar, pois no momento em que Richard abriu a porta, uma caixa com papel prateado e lacinho vermelho esperava por ele. Demorou alguns segundos antes que se abaixasse para pegar o objeto. Olhou para o presente como se fosse uma bomba e pudesse machucá-lo.

Um cartão amarelo caiu do nó do laço e veio parar aos meus pés. Olhei para baixo e li em uma grafia bonita :

Feliz aniversário, Rich!

Mãe.

Quando levantei os olhos para Richard ele já me encarava como se estivesse com a respiração presa. Não entendi de imediato a razão.

- É seu aniversário. - Falei o óbvio. - Minha nossa! Parabéns!

Quando dei um passo a frente para ir em sua direção, ele deu outro para trás e levantou uma das mãos.

- Por favor, Drayton... Não. - Era quase uma súplica, e parei à meio passo tentando decifrar a expressão que exibia.

Parecia torturado, e aquilo quebrou meu coração, porque seja lá o que o afligia eu queria que parasse.

Richard me fitou por mais alguns segundos antes de balançar a cabeça como se se desculpasse e fechar a porta, ainda com o embrulho na mão.

Inverno Em Saturno Donde viven las historias. Descúbrelo ahora