Nada de Satisfações

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   Após Richard sair pela porta, passei bons dez minutos refletindo à seu respeito. Entendê-lo era difícil, e ele mesmo havia pedido que eu não tentasse. No entanto, o que vi em seus olhos quando me encontrou naquele beco imundo durante a madrugada me deixou intrigada. Sua face era uma personificação sobre-humana de medo e raiva. E existia algo além disso. Algo mais profundo, que me escapava, talvez devido à minha falta de familiaridade com ele ou porque mantinha suas emoções habilmente escondidas.

Mas a ideia de que Richard Laurent atravessara a cidade às três da manhã apenas para verificar meu bem-estar ainda me provocava uma sensação estranha, oscilando entre perplexidade e contentamento.

Além disso seu aniversário se revelou um território sensível. Embora a maioria das pessoas celebre esse dia com alegria e comemorações, ficou evidente que Richard não era uma delas. Eu me perguntava o que teria acontecido em seu passado para que o simples ato de reconhecer mais um ano de vida o incomodasse tanto.

Olhei para o relógio. Em dez minutos o sr. McJack sairia do prédio e eu precisava aproveitar a brecha. Meu pé balançava instintivamente conforme minha ansiedade crescia.

Quando finalmente deu meu horário, saí porta à fora, e chamei o elevador de serviço porque era menos provável encontrar o sr. McJake na área dos fundos, mas quando a porta se abriu Tina apareceu no meu campo de visão.

- Chica! - Cumprimentou com ar de assombro e então desceu até meu vestido da noite anterior. - Você... - não parecia saber por quais perguntas começar, e entrei no elevador antes que pudéssemos chamar a atenção de alguém.

- Bom dia, Tina. - Sorri tentando disfarçar meu nervosismo enquanto apertava o botão do térreo, em seguida gesticulei para mim mesma. - Uma longa história...

Ela comprimiu os olhos desconfiada.

- Longa o suficiente para um café? - Acabei rindo, porque sua curiosidade era evidente. - Tenho um tempinho agora até o check-out do 704. Podemos descer até a cafeteria do hotel.

- E o sr. McJack? - Perguntei com apreensão. Não queria por nada no mundo que ele me visse ali, mesmo que fosse meu dia de folga.

- Está há duas quadras comendo rosquinhas no Ton's. Não irá nos atazanar. - Sério que todo mundo sabia o horário em que ele saia para comer donuts? Era mesmo tão sagrado assim?

- Certo, certo, mas precisamos ser rápidas.

***

- DIOS MÍO! - Tina exclamou de olhos arregalados quase cuspindo o café fora quando cheguei na parte da história em que Richard Laurent me "hospedou" no apartamento dele.

Pelo menos agora ela já estava distraída o suficiente ao ponto de ter parado de ralhar comigo por causa da minha atitude estúpida de sair vagando pela rua em plena madrugada.

- Se controle... - Virei o pescoço para observar em volta, e percebi os olhares que seu grito havia nos rendido. - Ele só queria garantir que eu não fosse me meter em mais confusão.

Tina deixou escapar uma risada mais alta ainda. Não que estivesse se esforçando para prender o riso.

- Uh-huh, claro. E eu sou a rainha da Espanha. Você estava na cama dele, Kim! - Esboçou um sorriso malicioso.

- Sem ele! Repito, sem ele. Preciso lembrá-la desse detalhe crucial a cada dois segundos mesmo?

Parti mais um pedaço do meu croissant e mergulhei no leite, Tina viu e fez uma expressão de estranhamento mas não disse nada. Ao invés disso continuou a falar com uma empolgação desenfreada :

- Olha, eu sei reconhecer uma faísca quando vejo uma. Richard está definitivamente interessado.

Será? Quer dizer... Claro que não! E quem se importava?

Inverno Em Saturno Where stories live. Discover now