Dose de diversão

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    Entrei no famoso 992. Claro, Richard não estava lá e tudo se encontrava limpo. Caminhei até o banheiro do corredor a fim de encontrar algum cesto derramando de roupas sujas. Tudo limpo, como eu havia deixado no outro dia.
    Minha mãe dizia que os homens não tinham muita diferença de um bando de porcos, mas eis aqui uma rara exceção. Fiquei me perguntando, por quê diabos Richard exigia a limpeza diária, sendo que mal ficava em casa, e ele mesmo parecia gostar de arrumar o apartamento.
     Olhei em volta. O que me restava era  limpar uns vasos estranhos em cima da mesinha. Richard devia gostar mesmo de arte.
     Tentei imaginar aquele homem, em toda a sua postura ereta e impecável, arrematando decorações caríssimas para o seu apartamento, em um leilão de relíquias caras. A sobrancelha arqueada quando alguém dava um lance maior, o olhar afiado e intimidador, que faria com que qualquer homem sábio baixasse a mão imediatamente, o sorriso torto quando, por fim, dava o lance da vitória.
     Me lembrei da noite passada, quando Richard dissera que tinha mais o que fazer em seu tempo livre do que me stalkear. Será que era isso que ele fazia? Ia para eventos chiques e participava de leilões? Não conseguia imaginá-lo indo ao parque, andando de bicicleta, ou fazendo qualquer tipo de atividade normal. A forma como havia dito tempo livre, no entanto, me fez pensar em sexo e mulheres. Será que ele tinha namorada? Nunca tinha visto nada que indicasse isso. Nada de porta-retratos, - de nenhum familiar - nada de presentinhos fofos espalhados pelo apartamento, nada de mancha de batom nas camisas. E eu havia observado sua compra... Ele comprava em poucas unidades, e não notei nada dentro daquelas sacolas que poderia ser usado em um encontro romântico.
    Pra falar a verdade, era difícil deduzir o que Richard Lauret fazia em seu tempo livre. Seu apartamento não emanava um pingo de identidade pessoal, a não ser que ele fosse, de fato, um cubo cinza de concreto.
    E então me lembrei dos livros. Talvez essa fosse sua atividade. Se jogar naquele sofá enorme, e super confortável, e ler, ler, ler e ler. Se fosse mesmo isso, eu invejava ele.
    Olhei novamente em volta do apartamento. Faltava quarenta minutos para a limpeza do próximo, e não havia mais nada a ser feito. Os clientes do 987 ainda não haviam realizado o check-out, o que significava que eu estava presa ali, até que desocupassem o quarto.
    Talvez pudesse dar uma olhada nos livros novamente... Não estragaria nada e deixaria tudo no lugar quando saísse. Eu realmente cuidava melhor de livros do que de qualquer outra coisa! Cuidava como se fossem meus filhos. Caminhei até o quarto, e liguei a luz.
   Um murmúrio me sobressaltou, e me vi soltando um gritinho digno de pena.
    - Que diabos... Oh! Minha nossa! - Exclamei, os glóbulos oculares quase saltando das órbitas.
    - Merda! O que... - Richard apertava os olhos para tentar enchergar melhor em meio à súbita claridade.
    Ele estava debaixo de um lençol branco fino, o cabelo bagunçado e os olhos inchados por causa do sono. Continuava incrivelmente bonito. Que mundo injusto!
    Mas afinal, o que é que estava fazendo deitado à uma hora daquelas?!
   - Pensei que não estivesse aqui! - gritei ainda assustada.
    Ele suspirou pesadamente, se sentando na cama enorme. O lençol deslizou, deixando seu peito nu a mostra. Aquela visão era surreal. Era como olhar para uma estátua esculpida em pedra com perfeição. Pisquei algumas vezes tentando afastar todo tipo de pensamentos pervertidos que começavam a se formar em minha mente.
    - Pegue minha camisa, por favor - Demorei um segundo para processar o que aquela deliciosa voz rouca dizia. Me fitou com todo o ódio que parecia ter dentro de si - Se puder parar de me comer com os olhos...
     Calor subiu por todo o meu rosto, quando me dei conta, que de fato, o encarava de uma forma... pornográfica. Morrendo de vergonha, fui até o enorme guarda roupas e abri uma das portas.
    - Qual... Delas? - Havia uma coleção de camisas de todos os tipos e cores.
    Branco gelo, verde militar, azul bebê, azul royal, azul alguma-outra-coisa-que-não-identifiquei, bege listrada, com botões, sem botões, com bolso na frente, sem bolso na frente, tecido leve, tecido pesado, cetim...
    Ele bufou em demonstração de impaciência, e finalmente levantou-se da cama, que gemeu em protesto, parecendo lamentar a ausência de seu peso. Acompanhei com precisão o movimento dos músculos de Richard Laurent quando esticou o braço para passar as mãos pelo cabelo bagunçado. Para minha sorte, ele usava uma calça de moletom.
   E ao que me pareceria, mais alguém havia acordado ali dentro de sua calça, achei melhor desviar os olhos, antes que pudesse ser pega no flagra novamente.
    Em duas passadas Richard estava do meu lado. Me afastei alguns centímetros, dando espaço ao seu corpo imponente e poderoso. Mais uma vez não pude evitar que meus olhos fossem do peitoral bem definido e descessem até o cós da calça. Por favor, Kimberlly Drayton, pare de fazer isso!
   Ele escolheu uma camisa cinza chumbo, de botões e bolso na frente. Com ele tão próximo, podia sentir seu cheiro na ponta do meu nariz. O cheiro que impregnava o apartamento todo, como uma praga.
    - Posso passar a camisa - Ofereci um tanto constrangida. - Enquanto vai ao banheiro...
    Eu não devia ter falado a última parte, ele poderia pensar que eu estava me referindo ao...
   Corei violentamente sem me dar ao trabalho de concluir o pensamento.
Ele me olhou por um tempo, mas por fim assentiu.
   - Não esquente muito - Havia uma ameaça implícita.
   - Não vou queimar a camisa. - Garanti da forma mais solene que pude.
   Antes de sair, vasculhou os cabides e me entregou uma calça preta
   - Mais trabalho pra você. - entregou a peça com um pequeno sorriso.

Inverno Em Saturno Where stories live. Discover now