Capítulo 2

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Lembranças

—Bom... Vamos indo? Afinal não podemos nos demorar, não é? —A mulher tinha um sorriso tão simpático que Bianca não era capaz de ser fria com ela.
—Oh sim, claro vamos. —Dizendo isso as duas se dirigiram até o carro e partiram para a casa de Bia. Ao chegarem Bia teve um pouco de receio sobre entrar na casa, mas ela tinha que se despedir, então ela entrou de qualquer modo acendendo as luzes. Bia se deteve apenas em ir direto ao seu quarto e pegar tudo o que não queria que ninguém visse, pegou todas as suas roupas íntimas e algumas peças de roupas comuns para que vestisse até às outras chegarem ao abrigo e colocou em uma pequena mala, pegou também uma escova de dentes e um creme dental, junto com um perfume e desodorante, quando desceu as escadas, Bia olhou para a estante e resolveu levar uma foto como recordação, ao se aproximar dos quadros Bia viu uma foto dela ainda criança com mais ou menos cinco anos, ela estava com um vestido de princesa azul e sua mãe tentava inutilmente fazer com que ela usasse a sapatilha. Bianca lembrava—se daquele dia apenas porque sua mãe só parou de contar a história quando a garota fez doze anos de idade. Era Halloween e Bia havia visto o vestido na vitrine de uma loja de fantasias, ela implorou a sua mãe para que comprasse e, quando ela comprou, Bia ficou surpresa ao ver que o vestido azul vinha com uma sapatilha combinando, ela odiou aquele calçado, "é muito menininha", ela alegava.
—Bianca, você está usando um vestido de princesa, então tem que usar um sapato de princesa! —Suzie tentava convencer Bia a usar as sapatilhas.
—Mas eles são ridículos. —Bia cruzava os braços, marrenta.
—Bianca, os sapatos não são ridículos, são sapatilhas para princesas, você não quer ser uma princesa? —Perguntou Suzie tentando convencer a filha.
—Claro que não, eu queria me vestir de bruxa. —Retrucou Bia.
—Mas você quem pediu o vestido. —Reclamou Suzie.
—Porque eu não sabia que tinha que usar essas sapatilhas horríveis. —Respondeu Bia, manhosa.
—E o que você pensava em usar quando pediu o vestido? —Suzie ergueu uma sobrancelha.
—Meu par de sapatos laranja ué. —Retrucou a menina.
—Bom... Se você prefere usar esses... —Cedeu Suzie entre gargalhadas, a menina abriu um sorriso largo. De repente, Bia volta a realidade, quando ouviu uma buzina vinda do carro da assistente social para apressá-la, Bia pega rapidamente um quadro com ela e sua mãe, e outro com ela e Peny, põe dentro da malinha e sai correndo até o carro.
—Desculpe a demora, acabei me perdendo em alguns pensamentos. —Desculpou—se a garota.
—Não se preocupe, pode colocar sua mala no banco de trás. —Retrucou a mulher compreensiva. Bia assim o fez e sentou no banco da frente do carro. Ao longo do trajeto, Bia logo percebeu que estavam se afastando bastante da cidade, ela já não via mais nenhuma casa, apenas florestas, grandes campos de pastos e várias colinas bastante íngremes em meio a escuridão da noite, Bia começava a suspeitar da assistente.
—Hum... Poderia me dizer onde estamos? —Perguntou Bia um pouco preocupada.
—Bom... Onde estamos agora não tem um nome específico Bianca, mas não se preocupe, já estamos chegando. —Tentou a mulher confortar Bia, foi inútil. Sua insegurança só crescia cada vez mais, porém logo pôde dar um suspiro de alívio ao ouvir a palavra vinda da assistente.
—Chegamos! —Exclamou ela. Bia olhou para seu lado direito ainda dentro do carro, o abrigo era uma enorme casa totalmente iluminada e de apenas um andar, havia janelas de cores vivas como laranja e azul ciano, tirando o fato de ter grades em todas as portas e janelas, o lugar aparentava ser bastante alegre.
—Nossa! Esse lugar é lindo. —Exclamou Bia um pouco extasiada.
—Espera só até ver por dentro. —Afirmou uma voz desconhecida. Bia olhou em direção á entrada do abrigo e viu uma garota totalmente de preto, todas as roupas, seu batom, cabelos e até a maquiagem dos olhos.
—Olá, meu nome é Ângela, seja bem vinda. —Disse a garota inexpressiva.
—Bom... Parece que meu trabalho aqui acabou então vou indo Bianca, e não se preocupe, já conversei com a diretora deste abrigo, ela está lhe esperando em seu escritório. —Dizendo isso a mulher entrou no carro e partiu, a pobre órfã ficou olhando o carro branco, com o retrovisor direito quebrado, que ela não quis perguntar o que o tinha acontecido para quebra-lo, ele reluzia um pouco e dificultava sua visão, até que sumiu na curva da estrada, ela se virou para a garota e se preparou para se apresentar.
—Olá, meu nome é Bianca, mas pode me chamar de Bia. —Tentou a garota ser amigável. Porém Ângela continuava com sua expressão neutra.
—Vamos, a diretora está lhe esperando. —Disse ela e começou a andar para dentro da casa, Bia a seguindo logo atrás. Ela ficou boquiaberta, o abrigo era ainda mais lindo por dentro do que por fora, ele tinha cores discretas e bastante formais, a parte de cima das paredes era pêssego e tinha uma listra marrom que se encostava a uma listra pêssego, e embaixo as paredes eram marrom, assim alternado as cores, além de haver ilustres abajures e lustres de vidro iluminando todo o local. Bia se desligou da decoração e focou na menina, vendo—a de costas Bia percebeu que ela tinha discretas mechas roxas do meio até o final de seu cabelo, ela a seguiu pelo corredor que revelava várias portas pelas suas paredes, ao chegar à última porta a esquerda, a menina parou bruscamente e apontou para a mesma.
—É aqui que você entra, ela está lhe esperando. —Disse a garota friamente.
—Hum... Obrigada. —A garota deixava Bia um pouco intimidada. Ela entrou pela porta e viu que a mulher estava de costas em uma cadeira com rodinhas nos pés, típica de escritório, Bia olhou para trás e percebeu que Ângela já havia ido embora, então para chamar a atenção da mulher, Bia resolve bater na porta já aberta. A mulher se virou bruscamente ainda sentada na cadeira, revelando sua face, Bia quase demonstrou uma expressão de surpresa, a mulher era velha, metade de seus cabelos eram brancos, ela tinha uma verruga no queixo e outra no final de sua sobrancelha direita, ela tinha um ar egoísta e suas feições pareciam ser esnobes.
—Boa noite Srta. Madison sente—se. —Convidou a mulher educada.
—Boa noite Sra...
—Peterson, Miranda Peterson.
—Boa noite Sra. Peterson.— Saldou Bia depois de descobrir o nome da diretora, que ela julgou ser estrangeiro. —Então... A senhora queria falar comigo? —Bia estava meio sem jeito com o silêncio da mulher.
—Oh sim, bom... Como você já deve saber suas coisas chegarão amanhã de manhã, porém precisamos organizar seus documentos, e eu preciso assinar outros antes de você partir para um orfanato de verdade, e isso poderá levar certo tempo, e talvez você possa ter companhia quando for para o orfanato. —Disse a diretora misteriosamente. —Bom, era apenas isso Srta. Madison, agora você deve estar bem cansada depois disso tudo, e ainda mais tão repentinamente, então é melhor você ir descansar, seu quarto é logo em frente ao meu escritório. —Dizendo isso a diretora Miranda levantou—se e Bia fez o mesmo, a mulher apoiou as mãos nos ombros da garota e a guiou até seu quarto enquanto falava que logo logo Bia faria amigos, e iria se enturmar e interagir com as outras crianças, quando a mulher abriu a porta Bia viu duas camas no quarto.
—A sua é a da direita. —Disse a mulher apontando para a cama que não tinha cabeceira, como se tivesse sido colocada ali para passar apenas alguns dias, que com certeza era o caso. —Deixarei você à vontade. —Finalizou Miranda e saiu do quarto fechando a porta atrás dela. Bia passou os olhos pelo quarto, era um lugar simples e sem decorações, havia apenas duas camas onde apenas uma tinha cabeceira, era um lugar um pouco espaçoso para um quarto que antes tinha apenas uma cama, Bia somente deu de ombros, colocou sua mala ao pé da cama e se jogou em cima dela olhando para o teto, ele era forrado de madeira preta, Bia foi até sua pequena mala e tirou a foto em que estavam ela e Peny, Bia estava agarrada a garota e as duas estavam com um dos seus olhos fechados e com a língua para fora, aquele havia sido um dia muito alegre, era o aniversário de Peny e elas estavam no quarto da garota, depois da festa, elas tinham passado a noite inteira vendo filmes de terror, comendo pipoca e o que restou do bolo de aniversário, falando sobre garotos e tomando refrigerante. Quando os olhos de Bia começaram a ficar marejados, ela finalmente guardou a fotografia e tentou dormir um pouco, sua noite tinha sido longa e ela estava cansada, porém a verdade é que Bia ainda tinha esperanças de que aquilo tudo fosse um sonho, um simples pesadelo, tinha esperanças de acordar ouvindo sua mãe a mandando escovar os dentes e tomar banho como sempre fazia, ao lembrar—se disso, uma solitária lágrima escorreu lentamente pela bochecha de Bia, ela sentia saudades de sua mãe, e já sentia saudades de sua casa e de sua amiga, e do tempo que passou com Ben no parque de diversões, Bia se sentiu culpada, foi por isso que sua mãe morreu, porque ela tinha matado aula para ir ao parque, ela sabia que jamais os veria novamente. Bia fechou os olhos, ficou em silêncio esperando o sono chegar, e finalmente dormiu.
Ela acordou no banco de trás de um carro, Bia passou os olhos pelo interior em volta de si, ela conhecia esse carro, ele pertencia a sua mãe, Bia olhou para o banco do motorista e seus olhos marejaram, era sua mãe, ela dirigia com uma expressão preocupada, Bia logo percebeu que era por causa dela, a garota começou a se perguntar se não havia voltado no tempo, ela gritou para sua mãe parar o carro, mas ela parecia não escuta-la, Bia tentou tocar em seu braço, mas sua mão passou direto pelo braço de sua mãe, era como se ela fosse feita de fumaça ou vapor, Bia tentou desesperadamente chamar a atenção dela, mas ela não podia lhe ouvir ou mesmo lhe ver, de repente, ela chegou a uma encruzilhada e reduziu a velocidade, ela olhou para a esquerda e depois para a direita, e então acelerou, quando ela chegou no meio da rua, Bia ouviu um barulho de motor e Suzie olhou para a esquerda novamente, sua expressão é de puro medo, o caminhão vinha a toda velocidade e já estava bem próximo, Bia e Suzie começam a gritar assustadas, mesmo que a mãe não possa ouvir a filha, a garota fecha os olhos com força e, quando sente que está prestes a sentir o impacto do caminhão contra o carro, ela pula na cama ficando sentada nela com os olhos arregalados, vê ao seu lado Ângela, deitada olhando para ela com a mesma cara totalmente inexpressiva com que a havia conhecido.
—O—o que aconteceu? —Os olhos de Bia estavam arregalados.
—Nada, você teve apenas um pesadelo. —Explicou Ângela neutra. Bia estava atônita, ela estava molhada de suor e seu coração batia aceleradamente. —Não se preocupe, você terá outros como esse, até ver o que sua mãe quer que você veja. —Bia estava atordoada, a garota soltava as palavras sem expressão alguma.
—O que você sabe sobre a minha mãe, e o que ela quer que eu veja? —Interrogou Bia ofegante.
—Sei que ela não está mais viva, e eu não sei o que ela quer que você veja, apenas sei que ela quer que você veja alguma coisa, e saiba que não adianta se culpar pela morte dela, isso não vai trazê-la de volta, e muito menos melhorar as coisas para você. —Bia estava impressionada com a forma que ela conseguia se manter inexpressiva e neutra enquanto falava aquilo.
—Como você sabe que a minha mãe morreu, e como sabe que ela quer que eu veja alguma coisa nos meus sonhos? —Bia estava atônita, a garota aparentava conhece-la há muito tempo, porém não haviam nem trocado uma conversa, um pouco longa que fosse e, Bia não acreditava no que a garota dizia, era totalmente sem sentido.
—Que sua mãe morreu é óbvio, você não estaria aqui se ela estivesse viva, e eu sei que ela quer que você veja alguma coisa, porque um amigo me contou, ele a conhece muito bem, mas ele não quis me contar o que era. —Bia estava cética, ela não podia acreditar no que estava ouvindo, a garota estava simplesmente dizendo que conhecia alguém que podia falar com os mortos, com a sua mãe, não havia como acreditar. —Não se preocupe, logo logo você irá acreditar, de um jeito ou de outro, você vai acreditar. —A garota parecia ler os pensamentos de Bianca. —Agora é melhor você ir dormir, precisa repor as suas energias Bianca Madison. —Bia estava intrigada sobre como a garota havia descoberto seu nome, mas mesmo assim ela se virou, fechou os olhos e novamente dormiu.

O Orfanato da TormentaWhere stories live. Discover now