Capítulo 13

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O cemitério

O sobressalto do pesadelo que acabara de ter acordou Bianca de sua longa noite, porém, apenas mais uma de todas as outras longas noites. Ela não sentia a mínima vontade de ir à escola, mas precisava, já que sair daquela mansão provavelmente já melhoraria seu humor. Se apressou em aprontar-se o mais rápido possível para que não se demorasse mais dentro da mansão e então seguiu para a escola sozinha, e muito mais cedo do que o normal.
Estava completamente vazia, não havia uma única pessoa andando pelo pátio da escola. Sem todo aquele falatório costumeiro, o silencio absoluto tornava-se um pequeno incomodo nos tímpanos. Nas salas e refeitório também não haviam uma única alma viva, talvez houvesse algumas mortas, pensou alto, chacoalhou a cabeça para afastar esses pensamentos bizarros.
—Ah, com certeza devem haver muitas, este é um lugar muito velho, e foi muitas outras coisas antes de ser uma escola, assim como o lugar onde você vive. —A voz veio de algum lugar atrás de Bianca, ela parou de andar abruptamente e girou devagar nos calcanhares. Deparou-se com uma mulher vestida socialmente, segurando uma pasta e com óculos retangulares no rosto. Ela tinha um olhar intrigante e misterioso, não parecia ter mais do que 40 anos. Bia não soube o que falar diante de suas constatações, e antes que pudesse dizer algo quando sua boca finalmente se abriu, a mulher estendeu a mão para ela.
—Eu me chamo Agatha, muito prazer, sou a diretora desta escola, não tivemos a chance de nos conhecer na sua transferência, tudo teve que ser muito rápido. —Bia apertou a mão da mulher educadamente, reparando em seus cabelos negros e sedosos que caiam sobre seus ombros, apesar disso, ela tinha uma expressão estranhamente calma, como se soubesse de todos os seus segredos.
–O prazer é meu, me chamo Bianca, mas pode me chamar de Bia. –Ela sorriu e a mulher devolveu com um igual.
–E o que a traz aqui há essa hora Bianca? É realmente muito cedo para seu turno.
–É que precisava ficar um tempo sozinha, e como moro em um orfanato cheio de pessoas, o único lugar onde posso me refugiar é aqui. —Bia via algo nela que lhe dizia internamente que não deveria confiar na mesma. Ela lançou um sorriso tranquilizador para Bianca.
—Entendo perfeitamente, espero que encontre a paz que procura. Agora preciso me retirar, ainda tenho trabalho a fazer, até mais, Bianca.
—Até mais diretora. —As duas se viraram ao mesmo tempo uma para a outra e saíram para lados opostos.
Agora que estava na escola completamente sozinha, Bianca percebeu o quanto o lugar era melancólico, não por ser velho e acabado, estava até nova para os padrões do Brasil, mas por ser fria, pálida, por ter um ambiente meio morto. Ela foi até uma sala vazia e aproveitou o silencio total para finalmente ler um dos livros que roubara da biblioteca particular do orfanato, obviamente, o que estava em português, já que ainda não tinha achado uma forma de traduzir o outro. Pegou então o livro "As bruxas de Salem: o erro do homem ignorante", de dentro de sua mochila, o abriu na primeira página e mergulhou na história. Seu prefácio logo chamou atenção;

Olá, caro leitor, primeiramente devo começar dizendo que esta não é uma história emocionante, muito menos com um final feliz; trata-se do relato puro e cru do massacre de todas as pessoas envolvidas no episódio da história que ficou conhecido como "As bruxas de Salem", e como isso se reflete nos dias atuais, assim como o que esse desastroso ato de ignorância diz sobre a sociedade que construímos desde então. Está preparado?
Primeiramente, devemos começar relatando o que aconteceu para desencadear todo um acesso de loucura, fúria e revolta coletivo dentro do povo que vivia em Salem.
Salem foi um local de refúgio para muitas pessoas atingidas pelos efeitos da guerra dos nove anos, entre os Estados Unidos e a França. Esse acontecimento levou inúmeras pessoas a se aglomerar na cidade costeira para escapar da morte, com tudo, a morte não era a única coisa com que se preocupar. As pessoas fugiam às pressas e não levavam nada do que tinham, por tanto chegavam a Salem mendigas, sem ter o que comer, vestir ou onde ficar. As plantações não estavam dando conta da quantidade de pessoas a alimentar, e isso elevou os preços dos produtos, e até as famílias mais nobres começaram a disputar pelos alimentos. Além disso, devemos mencionar também o incômodo que os estranhos recém-chegados se tornaram para os nativos moradores de Salem, que se sentiam inconformados por ter que dividir o alimento e espaço que eram seus. A cidade, como muitas outras da época, girava em torno de um eixo religioso, por tanto, a igreja detinha a última palavra, que decidia todas as coisas.
Dentro desse clima de revolta, algumas crianças começaram a ter convulsões, que, na época, não podiam ser explicadas. Em meio a tantos acontecimentos, a cidade começou a acusar as famílias das crianças de bruxaria e diziam que eles estavam amaldiçoados, e isso foi suficiente para iniciar o escândalo que levaria a morte de mais de 20 pessoas.
As crianças foram interrogadas, e de alguma forma, três mulheres foram acusadas de bruxaria, entre elas estava Tituba, uma escrava africana que, no decorrer da história, assumiu ter um pacto com o diabo e contou detalhes do que já tinha presenciado como servidora dele. Essa foi, provavelmente, uma estratégia que amedrontaria os homens para que não fizessem mal à ela, mas não foi suficiente para se livrar da forca. Porém, antes de ser condenada, Tituba relatou seus casos de bruxaria e disse que haviam outras como ela, esse ato levou a morte de 20 pessoas e animais que foram acusados de cumplicidade. Uma criança de 4 anos chegou a passar oito meses na cadeia!.
Mas este, caro leitor, é um breve resumo de tudo o que aconteceu, ainda há muito a ser explicado, e será, no decorrer da narrativa desta obra...
Um som familiar soou nos ouvidos de Bia abruptamente, era o alarme para os alunos entrarem na sala, pois a aula já ia começar. Ela não viu o tempo passar, as pessoas estavam chegando então guardou o livro na bolsa e se concentrou na aula.
A exaustão depois da escola fez com que o corpo de Bianca desejasse imensamente a sua cama, mas a vontade de uma vida melhor a fez querer saber o que estava atrás daquela floresta naquela noite.
Ela descansou o máximo que pôde e então saiu de fininho durante a tarde e, relutantemente, se dirigiu até a floresta. A atravessou receosa, mas sem problemas, e encontrou no final um pequeno portão de ferro que guardava um cemitério, ela abriu a tranca sem cadeado e entrou no lugar; mais parecia um filme de terror; era frio, ventava levemente, as árvores ali estavam mortas e seus galhos secos rachavam à vista do céu. Haviam vários túmulos com cruzes de todas as formas, grandes e pequenas, algumas com detalhes e outras sem nada. Bianca andou pelo baixo labirinto de tumbas enquanto lia os nomes nas lápides, havia uma coisa em comum entre todas elas, nenhuma tinha a data de nascimento e a da morte, como é comum encontrar nos cemitérios, mas um nome chamou sua atenção, no túmulo mais distante, grande, com uma cruz estranha com duas barras na horizontal ao invés de uma, e um círculo em volta delas, era o nome de Ariana Blair, a mulher a quem foi dado o nome do orfanato, então seu corpo jazia ali, a alguns metros do lugar onde provavelmente morou; ao lado de seu túmulo havia um outro, completamente igual ao seu, mas tinha o nome de Victoria Blair. O fato de terem o mesmo sobrenome chamou a atenção de Bianca, poderia Ariana ter uma irmã? O que teria acontecido às duas? Bia se abaixou para tocar na tumba, por extinto, e sentiu a pedra gelada, e líquida! Estava mole, o cimento se prendeu a mão dela; por que a tumba estaria mole? Se ela provavelmente teria morrido a muito tempo?
Repentinamente, um farfalhar ecoou da densa floresta adiante do cemitério, Bia instintivamente direcionou seu olhar para o local de onde veio o som, a procura do autor do mesmo, mas tudo o que viu foram galhos e folhas, algumas balançando. O medo começou a tomar conta de si, se, seja lá o que estiver dentro da floresta, não quis se mostrar, não deve estar do seu lado, e, a essa altura, ela não confiava nem em vivos, nem em mortos. Levantou-se olhando fixamente para a floresta, garantindo que nada iria sair de lá, enquanto andava para trás, na direção do orfanato. Ela queria se virar e correr, mas seus olhos se recusavam a deixar as árvores de onde veio o barulho; ela percebeu que já estava no bosque que fica antes do cemitério quando viu as árvores do mesmo serem deixadas para trás no seu campo de visão, então ela bateu em algo, não era uma árvore, era um corpo humano, as mãos a tocaram nos braços, pouco abaixo dos ombros, ela estagnou no mesmo instante, um arrepio subiu pelas suas costas e ela fechou os olhos, com medo de ver atrás de si o caminho para sua morte. A pessoa finalmente falou:
O que você está fazendo aqui? –Bianca reconheceu a voz no mesmo instante em que ouviu, virou—se para trás e abraçou-o subitamente, sentindo a segurança que ele lhe transmitia. –Wow, o que aconteceu? Você está bem? –Perguntou Gustavo, um pouco sem jeito. Bianca percebeu o que estava acontecendo e saiu rápido dos braços do garoto, corando um pouco, que bom que ainda havia espaço para essas coisas na sua vida maluca.
–B–bem, eu estava curiosa para ver o que tinha depois desse bosque, fiquei presa nele noite passada e vi uma coisa estranha. –Ele ergueu as sobrancelhas.
–Você é bem corajosa, poucas pessoas andam pelo menos até o bosque, quanto mais ir além dele.
–Bom, tudo o que achei foi um cemitério bizarro.
–Você tem medo de cemitérios?
–Não, eu só estava assustada por que pensei ter ouvido alguém na floresta que tem depois dele, e mesmo sendo corajosa, não vou entrar naquela floresta de jeito nenhum.
–Estamos no orfanato da tormenta, é incrivelmente normal escutar coisas aqui.
–Mas eu não estava dentro dele.
–Passar por tudo isso dentro dele pode afetar sua cabeça fora dele.
–Não sei, tenho quase certeza que ouvi algo.
–Pra todos os efeitos, é melhor voltarmos para dentro. Nem acredito que disse isso –Gustavo acrescentou a última frase um pouco mais baixo, com um sorriso pequeno, que foi retribuído por Bianca.
Ela não chegou a olhar o balde com um pouco de cimento e uma colher de pedreiro dentro, que estava atrás da lápide fresca, aquilo poderia dar alguma ideia do segredo que o cemitério guardava, e do que estaria para acontecer.

***

Algumas horas atrás

Katherine achou o que precisava, foi um pouco difícil, já que eram muitas, teve que ler nome por nome, pois não estavam organizadas em nenhum tipo de ordem. Ela saiu apressada do lugar, com medo de a qualquer momento alguém, ou até a diretora Irina, pudesse flagra-la fazendo algo que não deveria, aquilo poderia custar a sua vida se alguém descobrisse. Ela acabou de reparar o estrago que tinha feito, estava com o balde com um pouco de cimento na mão e a colher de pedreiro na outra. De repente ela escuta passos, de dentro do bosque, alguém pisando em galhos e folhas secas, ela se apressa desesperadamente, deixando o balde com a colher dentro atrás da lápide, e então se esconde na floresta a sua frente.
Quis ir embora, mas queria mais ainda ficar observando a garota; ao mexer em um galho de árvore que estava bloqueando sua visão, alertou a menina, então teve que se esconder atrás da árvore onde estava, e rezar para que ela não tivesse coragem de ir ver o que causara o barulho. Katherine ficou lá até ouvir a voz da menina conversando com um garoto, ficou triste por ela estar se apegando a alguém, aquele menino, junto com todos os outros do orfanato, não teriam a menor chance de sair dali um dia, nem vivos, nem mortos. Quando se sentiu segura para sair dali sem ser vista por ninguém, ela saiu das árvores e voltou para a mansão.

O Orfanato da TormentaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora