Capítulo 10

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O diário de Jonas

Ela aproximou—se vagarosamente do quarto, procurando ver se a névoa já havia se dissipado, constatando que sim, Bia adentrou o quarto e fechou a porta, deitou—se em sua cama e abriu o caderno que trazia em sua mão, deixando a blusa preta de lado. Na primeira página estava escrito Jonas, em uma letra antiquada, mais abaixo, havia o nome diário. Bia logo se questionou se deveria ou não ler a privacidade de outra pessoa, porém, lembrando—se de onde estava, chegou a conclusão de que o dono do diário não estava mais vivo, por tanto não se importaria se ela lesse, ou talvez se importasse.
Nas primeiras palavras do caderno, Bia já podia sentir a agonia que o escritor estava passando. Em seu desabafo, Jonas alegava estar constantemente em desespero e terror, sua cabeça estava totalmente insana, ele descrevia fielmente como eram suas várias noites sem dormir, ouvindo apenas os sussurros e sons estranhos que circundavam todo o recinto, em sua estranha narrativa, ele expressava com detalhes sua hórrida situação;
12 de abril, 1995
A cada dia que passo nesse lugar, sinto que me afasto mais da minha sanidade, parece que as pessoas daqui já estão acostumadas com tudo o que acontece, já tentei fugir, mas toda vez que me encontro no limite desse lugar, onde nem mesmo sei o nome, ou se é uma cidade, me dou de encontro com o orfanato novamente, como se ele estivesse em todos os lugares, a todo momento. Estou tentando descobrir o passado desse lugar, mas quanto mais me aproximo da verdade, mais me aproximo da loucura. Sinto que estou ficando paranoico, as coisas que acontecem aqui não têm explicação, os outros simplesmente ignoram, eu também tentei, mas é bem mais difícil do que parece ignorar as vozes. Por algum motivo, sempre que eu demonstro tristeza ou sentimentos negativos, uma névoa acinzentada surge simplesmente do nada, esse lugar guarda muitos mistérios, e não vou descansar enquanto não descobrir tudo.
As lágrimas já corriam pela face de Bia, ela estava ali a pouco tempo e já havia passado por tudo aquilo, nem mesmo conseguia imaginar o que aquele garoto deveria estar sentido;
Já é óbvio para mim que a diretora Irina tem algo a esconder, ela não me parece uma mulher com mais de 25 anos, e é bonita, e tem uma voz doce também, mas simplesmente finge que não vê o que acontece, e ninguém sabe o que acontece com os corpos das pessoas que se matam, não tem velório, nem enterro, eles simplesmente são levados embora e a vida aqui continue, como se nada tivesse acontecido, é horrível.
Bia estava com um grande ponto de interrogação na cabeça agora, era 1995 quando Jonas descreveu que a diretora não parecia ter mais que 25 anos, porém, ainda em 2019, ela continua não aparentando ter mais que isso, quando deveria ter, se Jonas estiver certo em sua dedução de 25 anos em 1995, 49 anos de idade hoje, como ela pode parecer tão jovem? Isso deixou Bia inquieta por um tempo. Ela continuou lendo o diário, até chegar a uma lista que o garoto havia feito de todos os habitantes que ele havia presenciado, ao que parece, foi Jonas quem os batizou assim, então outro alguém deve ter encontrado o diário dele e espalhado o nome pelo orfanato, isso explicaria eles os chamarem assim.
•O mordomo— Um Habitante que se veste como um mordomo, talvez ele fosse um em vida, não sei. Ele, aparentemente, está sempre triste e se lastimando por sua morte, ele não tem olhos, mas chora sangue sempre que aparece, no banheiro.
•O suicida— eu nunca cheguei a vê-lo, apenas ouvi sua voz quando fiquei preso no porão e fui forçado a jogar uma espécie de jogo da forca, a palavra é "suicídio", por isso coloquei esse nome.
•Os sete pecados capitais— são sete fantasmas que estão no sótão do dormitório masculino, eles parecem fazer jus ao nome que os dei.
•A bibliotecária— é uma Habitante que fica no sótão do dormitório feminino, parece que lá tem uma pequena biblioteca, cheguei a ver muitos livros quando me escondi lá, estava fugindo de algum Habitante que não mostrou o rosto, apenas as mãos, acho que era mais de um. Não toquei em nenhum livro, então não sei sobre o que se tratavam.
A cada parágrafo que lia, Bia ficava mais curiosa para saber o que mais o pobre garoto havia descoberto, ela estava decidida a ler e descobrir tudo o que pudesse através daquele diário, como se o mesmo fosse um livro de suspense e mistério que ela não conseguia parar de devorar as palavras. Afinal de contas, Bia gostava de ler e, não há nada mais envolvente e misterioso do que as palavras de um livro.
Alguém bateu na porta atrás de Bia e esta deu um pequeno salto de susto, o sujeito do outro lado girou a maçaneta e lentamente abriu a porta. Era Gustavo, ele estava sem camisa, e isso fez Bia corar.
—O que você faz aqui? —Ela perguntou ao garoto.
—Vim buscar minha camisa. —Alegou o garoto apontando para a roupa preta jogada na cama, dando a parecer que Bia tinha a usado e depois jogado ali, isso a deixou com mais vergonha. —Você a pegou do banheiro e acabou trazendo consigo.
—Ah claro, me desculpe por isso, eu estava procurando uma desculpa para o motivo de eu estar lá, a diretora meio que...
—Não se importa, finge que não vê? —Completou o menino em uma interrogação. —Acho que todo mundo já percebeu isso. Tem algo errado com ela, acho que ela tem alguma coisa a ver com o que acontece aqui.
—O que acontece aqui? — Repetiu Bia.
—Por favor, não seja como todo mundo, todos aqui sabem e veem o que se passa, mas simplesmente ignoram. Você não pode ser assim, ainda não, acabou de chegar aqui. —O garoto parecia desesperado por alguém diferente.
—Não se preocupe. —Disse Bia. —Eu sei perfeitamente o que rola nesse lugar, e vou descobrir por que isso acontece. —Isso pareceu surpreender Gustavo.
—Nossa, é a primeira vez que escuto alguém dizer isso por aqui.
—Bom, espero não ser a única. —Ela entregou a camisa ao garoto.
—Você não estará sozinha. —Ele pegou a mesma e saiu do quarto com um meio sorriso.
O coração de Bianca batia forte e rapidamente, e sua respiração estava desconcertada, seu rosto corado.
Decidiu que era melhor ir para a cama, estava tarde e Bia estava muito cansada. Mal sabia a pobre garota que um espectro acinzentado a observava dentro do quarto, porém não estava visível para a menina, ele queria muito falar com ela, tocá-la, mas não podia, ela não permitia que ele se comunicasse com Bia.

***

— BIA, ACORDA. VOCÊ DORMIU A MANHÃ INTEIRA. — Alice balançava os ombros da menina. Bianca abriu os olhos lentamente por causa da claridade. — Bia, você tem meia hora para almoçar e se aprontar para a escola. — Bia arregalou os olhos instantaneamente, pulou da cama e foi até o banheiro. Fez sua higiene e desceu para o almoço. Não havia mais ninguém na sala de jantar, Bia comeu sozinha e, ao voltar passando pelo quarto da diretora, viu que a mesma não estava lá dentro, pois a porta estava entreaberta, e ela nunca deixava assim. Por pura curiosidade sobre a mulher e também o orfanato, Bia se deu por vencida pela curiosidade e adentrou o recinto. Logo descobriu de onde vinha o cheiro da diretora, o quarto tinha um forte cheiro de velas, que Bia não tinha percebido da primeira vez que esteve lá, já que estava desesperada.
Elas estavam espalhadas por todo o quarto, estavam apagadas, as janelas do quarto fechadas, mas ainda era perceptível as várias velas pela pouca luz que passava através da entrada. Bia aproximou—se da cama de casal com cobertores vermelhos no meio do quarto, haviam velas negras em forma de caixão na cabeceira da cama, os pelos da nuca de Bianca se eriçaram, um calafrio percorreu sua espinha. De repente, um brilho acendeu na gaveta da cabeceira que estava ao lado da cama, lentamente, Bia abaixou—se, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha, e abriu a gaveta lentamente, temendo o que poderia encontrar dentro dela, pois, tratando—se do orfanato da tormenta, poderia ser qualquer coisa, qualquer coisa mesmo! Ao abrir, ela encontra seu celular, ele exibia uma notificação de 87 mensagens não lidas, Bia franziu o cenho. Por que seu celular estaria no quarto da diretora? Perguntou-se, porém, não teve tempo de pensar na resposta. A porta dentro do quarto que dava para o banheiro estava sendo aberta, provavelmente a diretora estava no banho, o qual já deve ter acabado. Bia pegou seu celular, embaixo dele estava um tufo de cabelo, parecia ser exatamente igual ao dela, mas não teve tempo para comparar, simplesmente fechou a gaveta e saiu rapidamente do quarto, indo direto para fora do orfanato, para a escola, já estava muito atrasada, mas não se apressaria, pois queria ler cada mensagem louca que Peny mandou à ela, todas as 87, e responder o quanto antes. Mas algo ainda martelava a cabeça de Bia, o que eram todas aquelas velas? O que elas significavam? Bia não tinha as respostas e nem poderia pesquisa-las, estava sem internet, e no orfanato não tinha wi-fi, para Bia, já era incrível que tivesse banheiros do século atual!
Ao encontrar Alice na escola, Bia a perguntou se a mesma sabia de algo sobre velas negras em forma de caixão.
—Não tenho nem ideia do que signifique. —Alice respondeu. Provavelmente ninguém ali saberia, Bia pensou, eles não tinham acesso a quase nada além dos estudos, mas talvez...
Assim que tocou para o intervalo, Bia foi direto ao refeitório, onde encontrou Ângela, ela pediu para que a garota a esperasse, mas ela fingiu não ouvir.
—Ângela! —Bia chamou, depois foi até a frente da garota para que ela parasse. —Preciso falar com você. —Ela disse, Ângela a olhou sem expressão e voltou a andar. —O que você sabe sobre velas negras em forma de caixão? —Bia disparou, Ângela estagnou instantaneamente, e olhou para trás, para Bia.
—Depende, isso tem muitos significados. —Ela disse fitando Bia.
—Tipo o que? —Bia quis saber, mas seu estômago deu voltas em tensão a qualquer resposta louca e... Macabra.
—Onde você viu uma? —Ângela, pela primeira vez, demonstrou uma expressão, dúvida, suas sobrancelhas estavam franzidas.
—Na verdade foram várias, estavam no quarto da diretora Irina. —Ângela franziu ainda mais o cenho, depois seu rosto suavizou.
—Bom, tudo o que sei é que elas eram usadas muito antigamente, para invocar demônios. —O estômago de Bia revirou ao ouvir a palavra "demônios".
—Como assim muito antigamente? Não é usado mais? —Ela perguntou.
—Não sei se alguém as usa ainda, elas foram extintas junto com as bruxas na chacina de Salem. —Isso intrigou Bia, Ângela viu que ela estava prestes a fazer outra pergunta. —Quis dizer que as velas não são mais feitas desde que as bruxas de Salem foram queimadas na fogueira, você deve conhecer a história.
—Sim, conheço, mas se elas foram extintas, como você explica as que vi no quarto da diretora?
—Velas são muito fáceis de fazer Bianca, e corante é baratinho. —Ângela mostrou uma cara de tédio.
—Mas seria assim tão simples?
—As que existiam antes eram benzidas pelas bruxas, e as pessoas diziam que eram amaldiçoadas. Talvez a diretora seja só uma fã da história e comprou algumas falsas pela internet. —Bia nem chegou a considerar essa hipótese. Ela apenas agradeceu e deu as costas a Ângela. A seu ver, ela parecia preocupada, Bia também estava, ela sabia que Ângela estava escondendo algo dela, e sabia que tinha algo muito errado com a diretora; afinal, quem é ela? De onde ela é? Qual é sua história? Não tinha família? Algum irmão, tio ou tia? Bia percebeu que, talvez, para descobrir sobre o orfanato, precisaria primeiro descobrir um pouco mais sobre a diretora dele, ela só precisava saber por onde iria começar, e sabia que, por onde quer que fosse, seria perigoso.

O Orfanato da TormentaWhere stories live. Discover now