Capítulo 6

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O cheiro da névoa

—Bia vem logo ou nós vamos nos atrasar! — Alice já estava impaciente com a alegria da garota.
—Já estou indo, Alice. — Bia retrucou sorridente, era a primeira vez que Bia sorria verdadeiramente desde que sua mãe morrera, a garota havia acabado de falar ao telefone com Peny, ela tentou descrever onde ficava o orfanato, mas não obteve muito sucesso, o máximo que pôde dizer foi que ficava no meio do nada, em uma rua sem raízes e próximo de uma escola. Bem, poderia ser em qualquer lugar do Brasil. Mas Bia estava sorrindo aos quatro ventos por ter falado com Peny. Porém, enquanto andavam, veio à mente de Bia uma coisa, uma coisa que ainda a deixava intrigada, e ela pensou que talvez Alice pudesse ajuda-la.
—Alice, posso te contar uma coisa. — Bia indagou seriamente acompanhando os passos de Alice.
—Claro, o que quiser. —A garota respondeu diminuindo a velocidade.
—Ontem eu vi uma coisa no banheiro das meninas, parecia ser um homem, mas ele não tinha olhos, e também chorava, ele chorava sangue, e ficava gritando...
— "Ela me matou, ela tirou a minha vida e continua impune". —A garota interrompeu Bia repetindo as mesmas palavras do homem que ela vira no banheiro.
—Como sabe disso? —Bia perguntou franzindo o cenho.
— Eu também o vi, todos nós do orfanato vimos ele, nós o chamamos de O Mordomo, ele sempre aparece quando alguém entra no banheiro assustado ou frustrado, ele se alimenta disso, ele é um habitante assustador, todos eles são. —Alice falava de modo tristonha, com as pálpebras caindo como se estivesse sonolenta.
—Habitantes? —Bia ergueu uma sobrancelha.
—É o nome que nós damos aos fantasmas daqui, chamamos eles de habitantes porque eles habitaram este lugar muito antes de nós, pelo menos é o que dizem. —A garota explicou.
—Mas e as vozes? —Bia perguntou curiosa.
—São apenas sussurros, elas só servem para nos enlouquecer ainda mais. —Alice respondeu.
—Mas eu não ouvi sussurros, eram vozes normais, elas falaram alto e claro, e eu ouvi o nome Katherine, e a voz parecia ser a da diretora Irina. — Bia estava confusa. —Os habitantes imitam a voz das pessoas do orfanato? —A garota perguntou atônita.
— Não... Pelo menos nunca aconteceu. — Alice franziu o cenho, mas logo se lembrou de que iriam se atrasar, então a garota saiu de seus devaneios chamando Bia e apressando o passo.
Logo as meninas chegaram à escola, um lugar simples e de pintura discreta, ela tinha apenas um andar e, antes de entrar, Bia não viu nenhum carro estacionado em frente ao local, se perguntou como as pessoas chegavam aquele lugar, afinal ela ficava no meio do nada, e não tinha nenhuma casa perto dali, poderiam vir a pé de tão longe? Assim que as garotas entraram o sinal tocou e as meninas foram para a sala de aula. Ao entrarem, a professora apresentou Bia à turma.
—Pessoal, hoje temos uma aluna nova conosco, Bianca Madison, peço que deem as boas-vindas a ela, e você já pode ir se sentar Bianca. — Bia procurou um lugar para se sentar e acabou ficando na última cadeira da fila do meio da sala, Alice estava ao seu lado conversando com Ângela, que estava na frente de Alice. Dalí os primeiros horários correram normalmente, ao tocar para o intervalo, todos saíram da sala, inclusive Alice junto a Ângela, Bia resolveu acompanha-las pois era nova na escola, as garotas foram até o refeitório e pegaram seus lanches, ao sentarem em sua mesa, Bia notou que algumas pessoas desviavam o olhar das meninas, outras nem chegavam a olhar e estavam todos um tanto distanciados das garotas, Bia franziu o cenho sem entender.
— Por que estão todos evitando olhar para a gente? E por que estão tão longe de nós? — Bia interrogou confusa.
— Porque nós somos de um orfanato assombrado onde já se mataram centenas de pessoas. —Ângela respondeu sem cerimônia.
—E eles têm medo da gente por isso?
— Você não teria? —Ângela interrogou sarcasticamente. Bia achou melhor não responder e todos comeram seus lanches.
Ao fim da aula, as garotas organizaram suas coisas e se dirigiram para casa, passando pelo portão da escola com todos se afastando delas, menos uma garota, que vinha em direção a Alice rapidamente e gritando seu nome loucamente. A garota pulou em cima de Alice em um forte abraço e a mesma quase tomba no chão com seu peso.
—OI ALICE! —A menina berrou.
—Olá Jéssica, boa tarde também. —Alice disse tirando a Jéssica de cima de si.
—Então, vamos indo? —A garota convidou.
—Sim vamos. —As meninas saíram andando rumo ao orfanato. Logo que chegaram, Jéssica havia subido as escadas em direção ao seu quarto para trocar de roupa, Bia lançou um olhar de "quem é essa?" para Alice e a garota pareceu ter compreendido.
—O nome dela é Jéssica, ela é uma das poucas pessoas que consegue ficar alegre morando nesse lugar. —Bia gostou do jeito alegre da garota, lembrava Peny e seu estilo exagerado e eufórico. Bia sentia muita saudade de sua amiga, e principalmente de sua mãe, a garota ainda se culpava pela sua morte. Quando seus olhos começaram a ficar marejados, Bia subiu as escadas rapidamente e foi para seu quarto para poder ficar sozinha, porém lá se encontrava Roberta, Bia pensou em ir para o banheiro, mas lembrou—se d'O mordomo que habitava aquele lugar, não podendo se controlar, a garota desabou em lágrimas ali mesmo se jogando na cama.
—Se continuar se culpando assim vai acabar fortalecendo os habitantes, e eles vão vir atrás de você quando sentirem seu sentimento de culpa. —Roberta soltou as palavras inexpressivamente.
—Do que você está falando? —Bia perguntou com lágrimas nos olhos.
—isso os atrai, qualquer sentimento que uma pessoa sinta que seja ruim leva eles até você, eles se alimentam disso e acabam focando nas pessoas mais tristes, por isso eu não revelo minhas tristezas ou qualquer sentimento que seja. —Explicou Roberta. Agora Bia entendia por que a menina era tão neutra. —Se você demonstrar fraqueza vai acabar atraindo algo pior que um fantasma. —Finalizou a garota misteriosamente e saiu do quarto. Bia se perguntava para onde ela ia todos os dias.

O Orfanato da TormentaWhere stories live. Discover now