Capítulo 4

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Dessa vez ela não vem da caixinha

Bia acordou bem cedo naquele dia, ela havia pegado apenas uma peça de roupa de suas malas, como ordenara a Sra. Miranda, e seu celular para se distrair na viagem, Ângela não tinha muita coisa para levar, porém Bia tinha bastante, ela levava duas malas lotadas dentro da caminhonete que Miranda pediu para levar as duas garotas ao orfanato. Bia estava dentro do carro junto com Ângela e o motorista, ela escutava música com seus fones de ouvido e Ângela observava a paisagem enquanto se afastavam cada vez mais do abrigo, ela sentiria falta do abrigo e, ao mesmo tempo, estava ansiosa para ver sua amiga.
Bia pensava em como sua vida havia mudado tão de repente, como ela havia chegado naquela situação, ela sentia falta de sua mãe, sentia falta de sua amiga e de sua antiga escola, Bia sentia falta de sua antiga vida e tinha um enorme receio da que estava por vir. Por vezes, imaginou que aquilo fosse um sonho, que sua mãe nunca tinha morrido, que ela nunca tinha se separado para sempre de sua melhor amiga, que ela nunca havia ido para um orfanato, e o mais importante, que ela nunca tinha se tornado órfã, uma lágrima solitária percorreu sua face, Bia rapidamente a limpou, mas ela sabia, sabia que a lágrima fria e gélida que ela não permitia escorrer para fora, era também a mesma lágrima quente e escaldante que a corroía por dentro. Saindo de seus devaneios, ela notou que estavam chegando perto da zona urbana novamente, ela viu bem ao longe no horizonte os prédios altos do Amazonas, porém a pelo menos cinquenta quilômetros do prédio mais próximo, o carro virou para a única rua que tinha naquele recinto em meio ao nada, a casa mais próxima que Bia conhecia dali era provavelmente o abrigo de onde ela havia saído a meia hora, e este ficava a pelo menos vinte e cinco quilômetros de onde ela estava agora. Depois de dirigir mais alguns quilômetros para a rua que o motorista tinha virado, este finalmente chegou ao orfanato, Bia deduziu isso, porque eles haviam parado ao lado de uma enorme casa de dois andares, o casarão tinha um estilo antigo, a porta era totalmente quadrada e era feita de carvalho com detalhes entalhados na madeira, ela tinha uma pequena cobertura que o deixava mais antigo, tinha janelas de madeira e vidro, e cortinas negras que impediam que alguém visse como o lugar era por dentro, haviam três pequenas janelas bem acima que eram provavelmente de algum sótão que ficava no topo do monumento, ao olhar para trás do terreno, Bia viu que o orfanato era ainda maior do que ela tinha pensado, haviam quatro janelas grandes e uma bem pequena na lateral do orfanato, cada uma marcando um quarto dentro da casa e provavelmente um banheiro no final, onde estava a janela menor. Bia estava começando a ter calafrios, olhando para o orfanato, a garota percebeu seu aspecto frio e assombrado, dava para ver que tinha algo de estranho no lugar, era como se o mistério pairasse no ar.
Bia saiu do carro junto a Ângela, ambas levando suas coisas, logo que saíram o motorista entrou no carro e deu partida, assim, indo embora rapidamente, como se tivesse medo de ao menos chegar perto do lugar. Bia e Ângela se olharam e então seguiram para o portão do orfanato, onde dizia: seja bem-vindo ao orfanato Ariana Blair, em uma falha tentativa de torna-lo mais acolhedor. Ela criou coragem e tocou a campainha, de dentro da casa saiu uma garota de cabelos loiros e curtos acima do ombro, parecia ter a mesma idade das meninas, os olhos de Ângela brilharam de repente, ela abriu um largo sorriso assim como a garota fez, era a primeira vez que Bianca via Ângela sorrir, uma vez aberta a porta, Ângela correu em direção a garota e deu um forte abraço na mesma.
—Ângela! —Exclamou a garota.
—Alice! Estava morrendo de saudades.
— Eu também... Hum... Ângela... E—eu preciso te contar uma coisa. —A garota afirmou misteriosa.
— Eu sei. —Interveio Ângela. —Miguel se suicidou. —Ela concluiu com um olhar baixo.
— Como você sabe? —Alice ergueu uma sobrancelha.
— Você sabe muito bem como eu sei Alice. —Ângela retrucou.
—Sim, eu sei de tudo sobre você Ângela. — Bia observava as duas meninas matarem a saudade uma da outra, ela estava atônita pensando no garoto que Ângela havia dito que tinha se matado, seu nome era Miguel, ele era o irmão mais velho de Gabriel, o garoto nem sabia que seu irmão estava morto, que ele tinha se matado, ele saberia apenas quando chegasse ao orfanato, e provavelmente Bia ainda estaria por lá para dar a horrível notícia. De repente a garota olha para Bia com um largo sorriso, diferente de Ângela, ela parecia ter uma personalidade alegre.
—Olá, acho que nunca tinha visto você no abrigo, chegou a pouco tempo? —A garota perguntou sorrindo.
—Sim, na verdade faz apenas um dia, aliás, meu nome é Bianca. —A garota se apressou a apresentar—se.
— Oh, que falta de educação a minha, meu nome é Alice, muito prazer. —A garota estendeu a mão para Bia.
—O prazer é todo meu. — Bia retrucou educadamente.
—Ótimo, apresentações feitas, agora vamos entrar. —Interveio Ângela.
—Tudo bem, me sigam. — Dizendo isso a garota deu as costas para as meninas e andou em direção a entrada do orfanato. Bia ficou boquiaberta com o tamanho do lugar. A sala de estar se expandia em toda a frente da casa, tinha duas escadas de mármore em paredes opostas a direita e esquerda de Bia.
—A da direita leva para os quartos dos meninos e a da esquerda para os quartos das meninas. — Explicou Alice. —Ali leva para o quarto da diretora Irina, na esquerda, e para o quarto da empregada Katherine, na direita. —Continuou a garota apontando para uma entrada sem porta que ficava no meio da parede entre as duas escadas. —No final do corredor, temos a cozinha e a sala de jantar, os banheiros ficam no final dos corredores lá em cima, cada um em seu respectivo corredor, vocês não podem entrar no banheiro da direita, é o dos meninos, aliás, vocês nem mesmo vão querer entrar, é uma nojeira, bom... Acho que isso é tudo, agora chega de dar uma de guia e vamos para a sala de jantar, a diretora Irina está esperando para falar com vocês. —A garota finalizou o pequeno tour e foi em direção ao final da casa com as garotas a seguindo logo atrás, Bia passou pela entrada que levava aos quartos da diretora e da empregada, depois por um corredor que dividia os dois e passou por outra entrada sem porta para então chegar na sala de jantar, a direita havia uma parede com outra entrada sem porta que levava para a cozinha. A diretora estava esperando sentada na mesa de jantar, Bia logo percebeu que era uma mulher um tanto quanto jovem para ser diretora de um orfanato, ela parecia ser bastante vaidosa, sua maquiagem era extremamente perfeita, seus lábios vermelhos, sua pele era branca e ela tinha olhos verdes como esmeraldas, Bia ficou impressionada com a beleza da mulher, era visível, mesmo com o coque perfeitamente preso, os cabelos lisos e negros como a noite que a mulher possuía.
— Bom dia meninas, sentem—se, por favor. —Convidou a mulher educadamente, sua voz era doce e expressiva. As garotas se sentaram. —Sejam bem vindas ao orfanato Ariana Blair, meu nome é Irina Black, mas vocês podem me chamar de diretora Irina, mas não estamos aqui para falar de mim, apresentem—se por favor. —Pediu a diretora, sorrindo.
—O que, a senhora não sabe quem somos nós? —Interveio Ângela.
—Oh, sinto muito senhorita, acontece que seus documentos ainda não chegaram, eu apenas fui avisada que chegariam mais duas pessoas no orfanato, na verdade, eu nem sabia se seriam meninos ou meninas, ou mesmo os dois. —Explicou—se a diretora.
—Ah, entendi, sendo assim, peço desculpas. — Bia estava impressionada com a formalidade das duas mulheres.
—Não precisa se desculpar, apenas se apresentem, por favor. —A diretora deu um sorriso carismático.
— Bom... Eu me chamo Ângela Saraiva e essa é Bianca... —Ângela olhou para a garota.
—Madison, Bianca Madison.
— Bom, novamente sejam bem vindas, Srta. Saraiva, você dividirá o quarto com a Srta. Crysalis. —Ângela abriu um largo sorriso, Bia deduziu que a Srta. Crysalis era Alice. —E a Srta. Madison dividirá o quarto com a Srta. Lacerda. —Alice mostrou um olhar preocupado para Bia. —Bom, é apenas isso, Alice irá mostrar seus quartos. —A mulher finalmente finalizou e as meninas se retiraram. Logo que saíram da sala de jantar, Bia perguntou.
—Alice, quem é a Srta. Lacerda?
—Digamos que ela não seja muito amigável, e muito menos sociável. — Ela falou a última parte mais para si mesma que para Bia.
—Entendo. Bom... Já convivi com pessoas assim. — Bia lançou um sorriso cínico para Ângela.
—Se você achou Ângela antissocial, nem vai querer conhecer Roberta Lacerda, ela não é muito normal sabe, ela é meio... Paranormal, e um pouco bizarra. —Explicou Alice.
— Como assim bizarra? — Bia interrogou curiosa.
—Bianca, a curiosidade é uma virtude mais as vezes pode ser fatal, não neste caso, mas tome cuidado, e você vai descobrir sobre Roberta assim que a ver. —A garota soltava as palavras no ar misteriosamente. Bia resolveu ficar calada, antes que recebesse outra resposta para deixa-la ainda mais amedrontada.
As garotas subiram as escadas e chegaram a um extenso corredor que ia até o fim da casa. A sua direita tinham várias portas que levavam aos quartos, Alice mostrou o quarto de Bia e então seguiu para o seu junto com Ângela.
Ao adentrar pela porta Bia logo deu de cara com uma garota esparramada na cama da esquerda, ela tinha um feitio calmo e preguiçoso, suas roupas eram todas negras e seus cabelos ainda mais, sua franja quase cobria seus olhos e sua pele era incrivelmente pálida. A garota ergueu a cabeça e fitou Bia.
— Você deve ser uma das garotas novas, não é mesmo, Bianca? — Bia não tinha ideia de como a garota havia descoberto seu nome.
— Como sabe quem eu sou? —A garota interrogou rapidamente.
— Eu sei muita coisa sobre você, o amigo de Ângela também é meu amigo, porém somos mais íntimos do que ela, o que é um pouco estranho, pois deveria ser ao contrário. —A garota era tão misteriosa quanto Ângela, e seu aspecto ainda mais intimidadora.
—Por que é um pouco estranho? —Bia estava atônita.
—Isso até lhe diz respeito, mas não sou obrigada a falar nada. —A garota virou o rosto para a parede a sua direita e depois ficou em silêncio, Bia a ignorou, passou os olhos pelo quarto, viu que era bem aconchegante, mesmo com todos os móveis era bem espaçoso, tinha duas camas de madeira com detalhes talhados nela e uma cabeceira em cada, com duas gavetas em cada lado, um abajur entre as mesmas e cortinas na janela que tinha na parede logo a frente de Bia, bem acima das cabeceiras. Ainda estava de manhã, mas o quarto estava totalmente fechado, Bia notou que nas paredes que se encontravam junto à cama de Roberta tinham vários rabiscos e desenhos estranhos como olhos e símbolos esquisitos que ela nunca tinha visto. Ela viu que tudo na cama de Roberta era preto, desde o cobertor até o travesseiro, Bia percebeu que o lado da garota misteriosa e sombria era mais frio e obscuro que o seu, era como se a garota emanasse terror. Num pulo, a garota levantou—se de sua cama e saiu do quarto, Bia ficou sozinha no lugar, resolveu se ocupar com algo, então começou a organizar suas roupas nas gavetas da cabeceira. Ela estava impressionada com o recinto, apesar do ar frio e tenebroso, era um local bem cuidado, coisas mantidas pelo governo normalmente caem aos pedaços, isso fez Bia se perguntar se ainda estava no Brasil.
Ao terminar de arrumar suas coisas, Bia deitou-se na cama, um pouco cansada, e começou a pensar em como seria sua vida dali para frente, de repente, uma música macabra e incrivelmente assustadora tirou Bia de seus pensamentos, a música parecia estar vindo de todos os lugares, ela parecia ser infantil, mas com um aspecto de terror, Bia reconhecia a música, já havia escutado ela em algum lugar. Abruptamente, lembrou-se, era a mesma canção que ela havia escutado na caixinha de música em seu sonho, com a princesa que estava vestida como ela, a muito tempo, para o Halloween, repentinamente um calafrio subiu a espinha de Bia, ela começou a procurar de onde a música estava vindo, mas ela vinha das quatro paredes do quarto, Bia se desesperou e abandonou o quarto rapidamente, com os olhos dilatados, ela procurava por alguém, olhando de um lado para o outro no corredor e, de repente, lembrou—se que o quarto de Alice e Ângela era ao lado do seu, a garota correu às pressas para o quarto em meio a seus gritos, escancarou a porta e, ao ver as meninas, Bia se jogou na cama de Alice.
—O que houve. —A garota perguntou sem surpresa.
—U—uma música, u—uma música horrível, estava tocando dentro do quarto, ela vinha de todas as partes, vocês não ouviram? — Bia interrogou assustada, a respiração descompassada.
—Música? Essa é nova. — Alice constatou sem dar muita importância à pergunta de Bia.
— Como assim nova? — Bia estava completamente atônita.
— Bom... É mais do que normal as pessoas se assombrarem nesse lugar, principalmente com ruídos, sussurros, coisas se mexendo e certas aparições... Mas eu nunca tinha visto alguém se assombrar com uma música, parece que algo está mudando. —Bia franziu o cenho, mas logo se lembrou de que o apelido do lugar era orfanato da tormenta, e lembrou o porquê, era normal que as pessoas se assombrassem naquele lugar, às vezes pessoas chegavam a se suicidar, por isso Alice não estava surpresa, ela provavelmente estava acostumada a ver pessoas com cara de pavor aos gritos pelos corredores, talvez ela mesma já tivesse passado por isso.
Alice acalmou a garota, e depois elas ficaram conversando coisas aleatórias, Bia percebeu que tinha muita coisa em comum com Alice, gostavam das mesmas músicas, tinham os mesmos hábitos, gostavam do mesmo estilo de roupas, eram muito curiosas e as duas precisavam usar óculos, porém não o faziam para não parecerem nerds, as garotas interagiram bastante até que Bia tomou coragem para voltar a seu quarto e se preparar para o almoço.

O Orfanato da TormentaWhere stories live. Discover now