Capítulo 16

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Não há para onde ir

Todos comiam calados na mesa, como sempre, sem conversas sobre o dia a dia, sem novidades, e sem risadas ou piadas ruins de jantar, apenas a mesmice enfadonha perdurando pesadamente sobre os ombros de todos no recinto, a ansiedade constantemente ativada em forma de borbulhas no estômago, sempre recordando a falta da paz que o psicológico necessitava.
Terminando de comer o mais rápido possível, para evitar o silêncio constrangedor, Bianca saiu educadamente da sala de jantar e subiu para o seu quarto, se perguntando mentalmente qual seria seu próximo passo para continuar sua busca pela verdade do orfanato. Ao entrar pela porta, se jogou na cama, decidindo que voltaria para analisar melhor o cemitério que havia atrás de bosque, porém durante o dia, naquela noite ela não se atreveria a sair da mansão. Ela ouviu o som da maçaneta girando com um ruído na porta, e direcionou seu olhar para a mesma, vendo Roberta entrar, com um olhar cansado, os ombros caídos de cenho franzido, fazia tempo que as duas não ficavam juntas no quarto, pelo menos acordadas.
–Você não parece nada bem. –Bia cortou o silêncio.
–Tenho estado muito cansada, e com muita dor de cabeça ultimamente, parece que tem alguma coisa me desgastando, alguma presença muito forte. –Bia ficou séria, presumindo o quanto aquilo poderia ser verdade.
–Bom, um amigo meu disse que tem alguma coisa rondando os arredores do orfanato, talvez seja a mesma energia que esteja te subjugando. –Roberta juntou as sobrancelhas.
–É, talvez seja isso, agora vou dormir, estou morrendo de sono. –Bianca acenou com a cabeça e se aconchegou na cama, procurando fazer o mesmo que a outra.
Apesar de não estar disposta e mesmo acordando tarde, bem tarde, Bia se arrumou para ir à escola, pois, mesmo achando que nunca pensaria isso, ela se sentia bem melhor lá do que no seu "lar". A aula correu arrastada como as outras, o dia estava fatídico, tedioso e sem graça.
–Então, o que pretende fazer agora que tem 18 anos? –Bia perguntou para Alice, as duas estavam sentadas em uma das mesas de lanche do refeitório.
–Jessica e eu vamos trabalhar por meio período, a diretora me deixou ficar no orfanato até encontrar um lugar.
–Poxa, nunca quis tanto um emprego como agora, abandonaria até a escola se precisasse, qualquer coisa para ir morar em outro lugar. –Alice sorriu, sabendo como a menina se sentia e entendendo perfeitamente pelo que ela estava passando.
O fim da aula chegou, mas Bianca não foi para casa, queria aproveitar um pouco mais a breve paz que tinha quando estava fora da mansão. O tempo começava a se fechar ao longe, uma provável chuva estava chegando, um frio gélido, vindo do fim do corredor que levava para a parte de trás da escola, onde Bia ainda não tinha explorado, seu instinto lhe alertou que talvez já fosse hora de voltar, e ela, sabendo onde estava, obedeceu.
Ao entrar no seu quarto, encontrou uma folha de caderno sobre a sua cama, nela, escrito à mão, estava pedindo vários dados sobre Bia, e, em baixo, estava assinado o nome de Alice, e um pedido de "por favorzinho", ela sorriu e respondeu todas as perguntas, sem questionar o por que, ela confiava na garota, logo depois, indo até o quarto de Alice para passar a folha por baixo da porta, como vinha dizendo na mesma. Assim que saiu da sua porta, ela se virou, já que o quarto ficava ao lado do seu, e encontrou Gustavo já passando uma folha por baixo.
–Você recebeu uma também? –Ela perguntou balançando sua folha na mão, para mostrar que se referia ao papel.
–Sim, ela entregou para todo mundo, sabe—se lá para quê, mas todo mundo conhece Alice, ninguém tem por que negar algo à ela, ela sempre ajuda todo mundo e é amiga de todos, então estamos fazendo o que ela pediu. –Bia sorriu orgulhosa da própria amiga, e se sentindo grata por conhecê—la, ela foi até a porta, se abaixou ao lado de Gustavo e também passou sua folha por baixo.
–Te vejo por aí. –Ela disse e saiu para seu quarto, onde iria se trocar para ir ao cemitério, ela planejava voltar antes do jantar, enquanto ainda era dia. Ela saiu pela porta da frente, todos estavam em seus quartos, então não teve que se explicar para ninguém, foi até a parte de trás de orfanato e atravessou o bosque às pressas, quase correndo, antes que qualquer coisa pudesse acontecer, chegando no portão do cemitério. Ela entrou sem rodeios, abrindo o portão e procurando por pistas; algum símbolo, escritura, qualquer coisa que levasse a alguma informação, olhou de túmulo em túmulo, lendo todas as lápides. Notou então que haviam outras três que tinham a mesma cruz estranha que havia nas de Ariana e Victoria Blair, e um arrepio correu por sua espinha, sua face se tornou estarrecida, como quem acabara de ver um fantasma, ou coisa pior, no seu caso, as três lápides tinham os nomes de Abigail Nogueira, Miranda Peterson e Ágatha Carvalho, Bia não tinha ideia de quem seria Abigail, mas Miranda Peterson era a diretora do abrigo em que esteve antes do orfanato, e Ágatha era a diretora da escola onde atualmente estuda; estariam elas todas ligadas de alguma maneira? Poderiam ser da mesma família? Seus nomes eram homenagens? Ou realmente aquelas mulheres deveriam estar mortas? Elas poderiam ter morado no orfanato? Ou apenas fazem parte desse show de horrores? Sua mente fervilhou de pensamentos, muitas perguntas surgiram e nenhuma poderia ser respondida. Ela cambaleou para trás, atônita, mas logo se recompôs, não se deixaria abalar agora, aqueles nomes eram pistas, e isso significava que ela estava próxima da verdade.
Apesar de ser um cemitério, era um lugar melhor do que dentro do orfanato, então Bianca persistiu no lugar o máximo que pôde, sentando—se a beira de um túmulo e refletindo sobre seus próximos passos, e sobre sua vida, ela conversou ali, consigo mesmo e com as possíveis almas que a rondavam, apesar de estar só, ela se sentiu bem, e simplesmente desabafou para o nada, chegou à conclusão de que os mortos ouvem melhor do que os vivos, deve ser por isso que eles descansam em paz.
A noite já começava a se projetar pelo céu, e as primeiras estrelas apareciam, foi quando Bia ouviu um som peculiar de um sino tocando, seu som estridente a arrancou de seus devaneios, e só então ela percebeu que passou tempo demais naquele lugar, o aconchego acabou turvando seu senso de perigo, ela levantou—se rapidamente, um pouco assustada com a escuridão e o som do sino que não estava acostumada a ouvir, se perguntou por que teria tocado, já que não haveria ninguém próximo para ouvi-lo, muito menos para ir a uma missa. Ela decidiu que não estava tão interessada assim em descobrir, e então abriu o portão de ferro, com um rangido metálico, saindo do cemitério. Caminhou até a metade do caminho para o bosque, quando viu, com um arrepio gigantesco correndo por sua espinha, os olhos vermelhos penetrantes que a encaravam sem pestanejar, suas pernas travaram, e, por um momento, ela pensou que ali seria seu fim, ao aproximar lento e macabro do dono dos olhos em sua direção, seus instintos a permitiram correr na direção oposta, sem olhar para trás, até chegar à rua, com os pulmões doendo, ela se virou, e lá estava novamente, a criatura estranha, extremamente alta e bizarra que ela vira em seu sonho no abrigo de Miranda, e provavelmente a mesma que estava na floresta na noite em que passou pela rua até a escola. O ser andava de forma estranha, parecia um corpo humano, porém alongado e, com exceção dos olhos, todo o resto era negro como as sombras da noite, suas mãos tinham garras pontiagudas e, apesar de se deslocar de forma lenta, ele parecia estar se aproximando bem rápido. Bia correu novamente, passando pela escola, e depois pela catedral, ao gritos, porém ninguém a escutava, a cada olhada que direcionava para trás, la estava a criatura, andando a passos lerdos em sua direção, cada vez mais próximo, ao olhar para frente, Bia franziu a face, estarrecida, ela acabara de chegar na frente do orfanato, o que era completamente impossível, já que tinha corrido na direção oposta, ela tentou entrar, mas o portão estava fechado, pensou em dar a volta por trás, mas não queria passar pelo bosque àquela hora, então continuou em frente, correndo novamente, quando chegou novamente no orfanato, ela decidiu que não conseguiria fugir, e precisava de um abrigo, foi então que lembrou—se da catedral mais a frente, ela correu, passando pela escola, que possivelmente estava fechada, e que ela não perderia tempo tentando entrar, e chegou até o portão com a cruz de ferro, o abriu, e então fechou a porta atrás de si, só então percebendo que nesse momento estava invadindo a missa e teria vários olhos estranhos à olhando, mas, para sua total surpresa, ao se virar, não viu sequer uma única alma, pelo menos viva, naquele lugar, apenas uma sala enorme e completamente vazia, com um altar no final e uma porta que levava para algum tipo de sala que sempre tem atrás da maioria das igrejas, para guardar cadeiras, ornamentos e coisas para a missa. Bia voltou—se para a porta, abrindo uma fresta para ver se ainda era perseguida, e para seu horror, a criatura continuava lá, porém, agora estava parada, com os olhos na direção da porta, observando, como um predador que espera pacientemente por um pequeno vacilo de sua presa para atacá-la, Bia fechou a porta e passou o ferrolho enferrujado, indo então até o altar, passando pela porta e entrando na sala, procurando por alguma pessoa, mas para sua surpresa, o que encontrou foram vários colchonetes e cobertores, talvez alguém acampasse ali ou algo do tipo, ela respirou profundamente. Percebeu que estava completamente sozinha naquele lugar, e refletiu se aquilo era algo bom ou ruim, bem, ela não estava totalmente sozinha, mas queria estar. Foi até a porta e abriu uma fresta novamente, e lá estava ele, esperando paciente no mesmo lugar de antes, como se não pudesse passar, claro que Bia não confiaria nessa hipótese, ela colocou um dos colchonetes de dormir no altar e sentou—se, olhando em direção a única entrada que tinha na catedral, a porta enferrujada, trancada apenas pelo ferrolho grande, porém de 100 anos atrás, provavelmente. Só agora, que estava descansando, é que Bia percebeu o quanto estava cansada, ela correra constantemente, sem parar até chegar ali, e ainda deu algumas voltas sem rumo, quando não conseguia sair da rua do orfanato, seus pulmões agora queimavam em seu peito, sua respiração estava ofegante e pesada, e seu coração batia como se a qualquer momento fosse ser arrancado de seu peito, ela rapidamente notou que sua noite seria ali, e que não poderia sair, nem chamar ajuda, pois ninguém passava por aquele lugar, dormir não seria um problema, pois o sono já havia lhe fugido aos olhos a muito, mas, o que aconteceria agora? Como voltaria para a mansão? Ela estava perto, mas procurariam por ela? E se a criatura atacasse alguém que fosse procurá-la? Tudo o que lhe restava, era esperar o amanhecer do dia, numa noite que acabara de cair. Ela não se atrevia a deitar—se no colchonete, ficava apenas sentada, com as costas apoiadas na parede atrás de si, olhando como um falcão para a porta a sua frente, sem ser capaz de ignorá-la, seu estômago revirando constantemente, mas, ao mesmo tempo, sentia uma sensação de aconchego e segurança ao seu redor, como se sua alma a dissesse que estava segura ali, mas, com a coisa parada do outro lado da porta, Bia jamais confiaria nos seus instintos naquele momento.
O sono estava começando a se manifestar, suas pálpebras pesavam cada vez mais.
–Preciso me ocupar com algo, não posso dormir agora. –Falou baixo para si mesma. Ela foi novamente na sala atrás do altar, notando uma escada no fundo, em meio aos amontoados de colchonetes e cobertores, ela se desdobrava em várias outras, e subiam até o topo da catedral, provavelmente onde tocavam o sino e acionavam o farol; Bia não pôde deixar de subir até lá. E foi exatamente o que encontrou, em meio a uma estrutura de apenas um teto e quatro pilares, ao ar livre, um sino e uma enorme lanterna bem abaixo dele. Aquele seria um ótimo sinal, ela pensou, mas apenas levaria quem quer que fosse ajudá-la direto para as mãos da coisa, que, ao olhar de cima da catedral, ainda estava parada, porém olhando diretamente para os olhos de Bia, que desceu daquele lugar rapidamente, assustada com o olhar sinistro da criatura. Sua noite ali seria longa, mas ela definitivamente não iria dormir.

O Orfanato da TormentaWhere stories live. Discover now