Capítulo 3

88 20 13
                                    

Reza a Lenda

Bia acordou com Ângela a observando bem de perto ao lado da cama, ela se jogou para trás e bateu com a cabeça na parede, Ângela rapidamente se afastou e continuou com a sua expressão neutra, a garota parecia não ter sentimentos, Bia olhava fixamente para ela enquanto passava a mão no galo que surgiu em seu cocuruto.
—O que você está fazendo? —Bia franziu o cenho sonolenta, um pouco irritada.
—Está na hora de acordar, ou a senhora Peterson vai acabar nos dando um sermão, levante—se e venha tomar café, basta seguir até o fim do corredor, apenas vire a direita quando sair e vai nos encontrar. —Explicou Ângela ainda sem expressão.
—Tudo bem, vou me trocar e já encontro com os outros, seja lá quem forem. —Retrucou Bia. A garota simplesmente girou nos calcanhares e saiu, Bia se levantou e trocou de roupa, como não havia ninguém nos quartos ela saiu de porta em porta procurando pelo banheiro para escovar os dentes, finalmente, ao abrir a porta que ficava no meio do corredor, Bia o encontrou, ela fez sua higiene e seguiu até o fim do corredor, assim como Ângela disse. Lá Bia viu uma mesa longa com dez cadeiras espalhadas ao seu redor, a Sra. Miranda estava sentada em uma das extremidades, onde tinha a visão de todos, Ângela estava ao seu lado, junto a mais sete crianças dispersas em volta.
—Sente—se Bianca, guardamos um lugar para você. —A diretora apontou para a única cadeira que estava vazia bem ao lado de Ângela. Bia se sentou na cadeira e observou as outras crianças, elas pareciam tristes, estavam sempre de cabeça baixa e comiam silenciosamente, Bia olhou para Ângela na esperança de que a garota lesse seus olhos, e ela pareceu ter entendido, simplesmente deu um aceno com a cabeça e falou sem som, mexendo apenas os lábios: "Te explico depois". Fazendo isso a garota voltou a comer, Bia resolveu fazer o mesmo.
Terminado o café da manhã, Bia saiu para tomar ar puro junto de Ângela, elas seguiam pelo corredor e, ao passarem pela porta, Bia logo perguntou:
—Então, por que as crianças aqui estão sempre tão entristecidas? —Bia interrogou sem cerimônias.
—Porque elas estão condenadas. —Ângela fazia aquilo parecer tão simples que Bia se perguntou se deixar seu queixo cair tinha sido muito exagero.
—O—o que? C—como assim condenadas? —Bia perguntou, com um nó na garganta.
—Todas as crianças que vêm para este abrigo, ao fazerem dezesseis anos de idade, são encaminhadas para o orfanato da tormenta. —Ângela forçou um ar de suspense apenas para assustar Bia.
—Orfanato da tormenta? — Bia ficou atônita. —E o que é esse orfanato? —Bia interrogou curiosa, porém amedrontada.
—Bom... O verdadeiro nome é Orfanato Ariana Blair, mas dizem que é assustador, que várias pessoas já se mataram lá, dizem que em todos os lugares podemos ouvir sussurros das pessoas que se mataram, e que têm uma névoa que surge do nada quando vai acontecer algum tipo de aparição de fantasmas, por isso chamam de orfanato da tormenta, porque quem vive lá é atormentado pelo resto da vida. —O semblante de Ângela estava sombrio. Bia estava apavorada só de saber que logo iria para o lugar que a garota acabara de descrever.
—C—como você s—sabe disso tudo? —A voz de Bia falhava, por do medo.
—Não se sabe ao certo como esses boatos chegaram aqui, mas quem me contou foi uma amiga, que nesse momento se encontra no orfanato, onde logo logo nós duas estaremos, e, antes que pergunte, quem contou para ela foi um amigo nosso, que acabou se matando no orfanato, e antes que você pergunte, de novo, eu sei que ele se matou porque meu amigo, que conhecia sua mãe, me contou, ele me conta quase tudo o que acontece no orfanato, a não ser quando alguém o proíbe de fazer isso, alguém que eu não conheço e que ele não quer me falar, mais especificamente, ele não pode me falar. —Ângela explicava cada detalhe que podia, na esperança de que Bia não fizesse mais perguntas, porém ainda assim não funcionou.
—E quem são os "supostos" fantasmas que têm no orfanato? — Bia perguntou sem conseguir se controlar, ela decidiu ignorar as "amizades" de Ângela.
—O conhecimento tem um preço Bianca, e o meu é não poder falar de certas coisas que me são ditas, por tanto não posso lhe contar. —Ângela se "explicou" e foi para o quintal atrás da grande casa onde Bia concluiu que a garota quisesse ficar sozinha.
—Não se preocupe, esse é o jeito dela mesmo. —Falou uma voz masculina desconhecida, Bia repentinamente olha para trás assustada. —Desculpe pelo susto, eu me chamo Gabriel. —O garoto se apresentou timidamente, estendendo a mão. — Você deve ser a garota nova... Hum... Bianca, certo? —Ele interrogou com uma sobrancelha erguida.
—Sim, muito prazer Gabriel. —Se apressou a menina a cumprimentar o garoto. — Você e Ângela são próximos? —Bia perguntou interessada.
—Mais ou menos, ela era amiga do meu irmão Miguel, ele foi mandado para o orfanato da tormenta junto com uma amiga dele á alguns meses.
— Orfanato da tormenta? Então você também sabe sobre ele? — Bia perguntou quase que em desespero para Gabriel.
—É claro que sei, todos aqui sabem, os boatos estão neste abrigo a anos. — Explicou Gabriel.
— Você pode me falar o que aconteceu lá? — Bia estava louca para saber sobre o orfanato, a curiosidade podia ser o motivo de sua morte um dia, mas, até lá, ela apenas buscava saber mais.
— Bom, agora eu não posso, a aula já vai começar, mas hoje a noite depois do jantar eu posso contar para você. —O garoto parecia realmente apressado.
—Aula? Que aula? —Perguntou Bia atônita.
—Aulas normais, como todas as outras, ou você achou que a gente ficava aqui sem estudar até fazer dezesseis anos? —O garoto respondeu com outra pergunta, enfatizando um sentido "óbvio".
— Bom... Eu não fui avisada de aula nenhuma. — Bia afirmou confusa.
—Isso porque você já tem dezesseis anos, logo logo você irá para o Orfanato Ariana Blair, e vai estudar em alguma escola por lá, ou talvez lá tenha aulas particulares... —O garoto segurou a ponta do queixo demonstrando que estava pensando, depois deu um breve aceno com a mão e entrou na casa. Bia resolveu entrar também para ir até o seu quarto, ela passou pelo corredor sem saber em qual porta entrar, Bia juntou toda a coragem que tinha para abrir uma porta que ela pensou que fosse seu quarto, e para seu azar estava enganada, Bia abriu a porta e encontrou um quarto vazio porém diferente, a decoração era mais alegre, tinha ursos de pelúcia pela cama e as cobertas eram de cores vivas, diferente de seu quarto, que tinha uma decoração sombria, cobertores negros, não havia nem um urso de pelúcia, apenas morcegos e aranhas desenhados pelas paredes, Bia venceu sua curiosidade e saiu do quarto. Ela novamente criou coragem e abriu a porta mais a frente, dessa vez Bia acertou, era o seu quarto, soube disso logo que sentiu o ar frio do lugar, Bia adentrou e se deitou na cama, acabou caindo no sono, pois não havia dormido bem na noite anterior... Ela acordou e já era noite, Ângela não estava na cama, Bia estava entediada, e lembrou que tinha esquecido seu celular em sua casa, ela passou seus olhos pelo quarto a procura de algo para fazer, queria distrair a mente, evitar os pensamentos sobre tudo o que aconteceu, pelo o menos até saber como lidar com tudo isso. Ao olhar para a cabeceira, Bia vê a gaveta ao lado da cama entreaberta e, por mais que não devesse, a curiosidade venceu Bia desta vez e a ela foi verificar o que era. Bia encontrou dentro da gaveta um pequeno baú cor—de—rosa, ao abrir a tampa, Bia revelou uma pequena princesinha de plástico, ela tinha o cabelo loiro e um pequeno diadema de diamantes falsos, a princesinha de plástico usava um vestido azul e uma sapatilha combinando, estranhamente igual ao conjunto que Bianca havia comprado quando criança para usar no Halloween. A garota percebeu uma manivela no lado direito do baú, Bia o girou até que não desse mais e então a princesinha começou a girar e, do pequeno baú, saiu uma melodia que a garota julgou ser macabra, sua face se franziu, e ela assustou—se com o som repentino que não condizia com a aparência da caixinha de música, que sugeria algo leve e doce. A canção era assustadora, como uma música de suspense de um filme de terror, os pelos da nuca de Bia ficaram arrepiados, ela já estava bastante assustada, de repente, a garota ouviu passos bem atrás da porta e a maçaneta girou rapidamente, quando a porta se abre, Bia vê uma criatura negra como uma sombra, com o corpo alongado, os braços passavam dos joelhos e os olhos eram vermelhos como sangue, não era possível ver seus pés e a sombra parecia estar encostando—se à parede atrás de si e no teto de tão grande que era, seus ombros tocavam o teto e ele mantinha a cabeça curva para frente para poder olhar para Bia, enquanto suas mãos seguravam a parede atrás dele, como se esta tivesse algum tipo de força de gravidade que o estivesse puxando para trás. Bia estava paralisada de medo, suas pernas não se moviam e seus olhos arregalados não piscavam encarando à criatura, suas mãos tremiam descontroladamente e sua respiração estava agitada e desconcertada. A criatura virou a cabeça para o lado como se estivesse confusa e andou desengonçada e lentamente até Bia, suas pernas começam a ficar trêmulas e bambas, a música do pequeno baú ainda tocava, dando um aspecto de filme de terror e suspense para a cena que estava acontecendo, Bia queria correr e se esconder, mas estava paralisada de tanto medo, a sombra de repente começou a flutuar rapidamente na direção de Bia, esta começou a gritar, quando ela fechou os olhos, percebeu que nada havia acontecido, ao abri-los novamente Bia se encontra deitada na cama, molhada de suor e com os olhos arregalados pelo medo, ela estava ofegante mais começava a se acalmar, percebera que fora apenas um horrível pesadelo. Agressivamente, alguém abre a porta do quarto deixando ela escancarada, era Gabriel, e ele estava ofegante e parecia assustado.
—O que aconteceu aqui? Eu ouvi gritos. —O garoto olhava fixamente para a única pessoa além dele no recinto.
—Nada, foi apenas um pesadelo. —Justificou—se Bia.
—Ah, sim... Menos mal, suas coisas já chegaram, estão lá na área de serviços. —O garoto tentou esconder sua preocupação, constrangido.
—Tudo bem, vou busca-las depois. — Bia se apressou a falar. — Bom... Você parece que não está estudando, então... Que tal me falar sobre meu futuro lar agora? — Bia pressionou, e ele cedeu.
—Tudo bem... —O garoto se sentou na cama. —Bom, não se sabe ao certo o que aconteceu por lá, algumas pessoas dizem que antes de ser um orfanato, o lugar era um cemitério, e outros pensam que ele é simplesmente mal assombrado, e também há quem pense que ele é o local da morte de muitas pessoas, por isso o chamam de orfanato da tormenta, porque quem vive lá é sempre atormentado com sussurros, ruídos, sombras de crianças e aparições de pessoas vestidas de empregados, que ninguém sabe explicar, o lugar é simplesmente assustador, sinto muito lhe dizer isso Bianca, mas é assim que ele é. —O garoto tinha um semblante misterioso. —Bom, isso é tudo o que eu sei, se precisar de alguma coisa eu vou estar no quarto ao lado do escritório da diretora Miranda, aliás, é melhor você se arrumar para o almoço, é daqui a dez minutos. — Finalizou Gabriel e saiu do quarto.

Bia olhou seu celular. Ficou impressionada com o tempo que aquele pesadelo havia tomado, quando ela tinha ido dormir não passava das 09:00 horas e ela acordou do sonho ao meio dia, seu pequeno pesadelo havia demorado três horas de sono, a garota foi ao banheiro e fez sua higiene, depois trocou de roupa e foi em direção a mesa onde antes ela tinha tomado café da manhã, a mesa agora estava cheia de travessas de vidro, e em cada um tinha uma coisa diferente, um peru assado, bifes, saladas e outras comidas que deixaram Bia com água na boca, somente quem estava na mesa era Gabriel, Ângela e a diretora Miranda, as outras crianças ainda não haviam chegado, Bia sentou—se no mesmo lugar de antes dando bom dia a todos os que tinham por ali, depois olhou para baixo e ficou em silêncio esperando os outros chegarem. Pouco a pouco, as crianças foram chegando e se juntando a mesa, até que Miranda deu bom dia à última criança que chegou e anunciou que já podiam comer. As crianças conversavam bastante entre si enquanto comiam, porém Bia ficava sempre calada, e vez ou outra respondia algumas perguntas sobre a cidade grande ou parques de diversões, Bia descobriu que algumas crianças foram deixadas ali desde que nasceram, como era o caso de uma garota que ela acabara de conhecer chamada Emily, ela havia sido deixada a porta do abrigo pela sua mãe, que nunca conhecera, eles apenas sabiam o seu nome por causa de um bilhete que a mãe tinha deixado, o almoço todo passou—se com Bianca fazendo novas amizades e descobrindo o passado dos outros. Ao se levantar da mesa e ir para o quintal, Bia deu de cara com Miranda.
—Suas coisas chegaram Bianca. —Começou a mulher.
—Oh sim, vou arruma-las daqui a pouco. — Bia tentou não parecer assustada com o encontro repentino, sorriu levemente.
—Bianca, saiba que você e Ângela estarão partindo amanhã para o orfanato Ariana Blair, por tanto, é melhor você não desarrumar suas coisas, pegue apenas uma roupa para sua viagem até lá e deixe o resto como está, para não ter trabalho de arrumar amanhã, vocês partirão logo pela manhã. —A mulher sorria simpática, mas Bia via uma expressão malévola em seu semblante.
—Tudo bem, não vou mexer em nada. — Bia confortou a mulher, esta sorriu radiante e saiu da frente para que Bia passasse. Bia não queria demonstrar, mas estava com um pouco de receio sobre o orfanato, estava com medo que alguma das hipóteses de Gabriel estivesse certa, e se o orfanato foi realmente construído sobre um cemitério? Ou se ele fosse mesmo assombrado ou fosse o lugar onde ocorreram várias mortes? Bia estava com medo, mas estava ansiosa também. Somente chegando lá é que ela descobriria a verdade.

O Orfanato da TormentaWhere stories live. Discover now