Capítulo 9

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Os sete pecados capitais

O garoto desapareceu por completo, então a diretora Irina anunciou o jantar e as garotas foram se arrumar para descerem as escadas juntas. Enquanto desciam, as meninas não conseguiram parar de pensar no ocorrido, haviam acabado de falar com um fantasma, alguém que já estava morto, tanto Bia como Alice tinham muitas perguntas a fazer para o fantasma da próxima vez, se houvesse uma próxima vez, estavam um pouco confusas e com várias dúvidas que só poderiam ser tiradas quando vissem o fantasma novamente.
Ao final do jantar, Bia foi para o seu quarto onde trocou de roupas colocando um casaco e uma calça de moletom, ela sentia dor de cabeça e estava cansada tanto física quanto emocionalmente, então decidiu que sairia daquele lugar, pelo menos por um momento, ao abrir a porta, ela deu de cara com uma garota que aparentava estar deveras irritada com algo.
—Onde está Roberta? Eu juro que vou matar ela com as minhas próprias mãos. —Ao que tudo indicava, Roberta havia feito algo para a garota estar tão furiosa.
—Ela não está aqui, não sei onde você pode encontrá-la. —Respondeu franzindo o cenho.
—Ah, sim... M—muito obrigada. —A garota agradeceu educadamente enquanto se acalmava. —E quem é você? —Perguntou olhando com atenção para Bia.
—Ah... É... Meu nome é Bianca, muito prazer, mas pode me chamar de Bia. —A garota se apressou a levantar—se para cumprimentar a outra.
—Prazer, sou a Sara, meu quarto é o terceiro do corredor, você vai a algum lugar? —A mesma apertou a mão de Bia e a interrogou erguendo uma sobrancelha. Ao observa-la, ela viu que era uma garota, considerando o lugar onde estava, incrivelmente comum; usava um pequeno short de flores e uma blusa branca sem mangas, em seus pés tinham pantufas floridas que combinavam com o short, ela tinha cabelos negros e ondulados e a pele branca com sarnas.
—Ah, não... E—eu apenas estava trocando de roupa. —Bia mentiu, ela não queria que a garota contasse para alguém que ela iria sair.
—Hum... E você veste uma roupa de moletom no calor que está fazendo aqui dentro? —Bia abriu a boca, mas não disse absolutamente nada. —Não se preocupe. —Continuou a garota. —Não vou falar nada, mas não deixe que alguém veja você saindo, com certeza irão denunciar à diretora Irina. —A garota finalizou e, após jogar uma piscadela para Bia, desapareceu no escuro corredor.
Bia desceu as escadas lentamente para que seus passos não fizessem barulho, a porta encontrava—se a poucos metros da garota, ela estava quase chegando quando uma voz falou atrás dela:
—Onde você está indo Bia, sabe muito bem que não pode sair a noite. —Ela havia sido pega, a voz era de Katherine, e ela com certeza iria dedura-la.
—Bem... E—eu ia dar uma volta para... Para conhecer o lugar. —Bia mentiu e praguejou mentalmente por ter gaguejado. Katherine entendeu que a garota estava apenas querendo dar um tempo daquele lugar, se distrair um pouco. Ela lançou a Bia um sorriso compreensivo e começou a varrer o piso.
—Não chegue muito tarde, não poderei abrir a porta se o fizer. —Bia sorriu.
—Obrigado Katherine. —Ao dizer isso a garota abriu a porta e saiu. Estava escuro, Bia seguiu até a escola e percebeu não haviam postes de luz, o único e lampeiro reflexo de luz era o que vinha de uma janela da escola, a qual Bia percebeu de relance alguém saindo rapidamente de onde estava a observando e fechando a cortina que continuava balançando, a menina pensou em investigar, mas somente de pensar no que ela poderia encontrar estando naquelas terras tão estranhas, desistiu de seu plano. Ela virou—se e deu uma última olhada de relance percebendo novamente o tecido que cobria a janela fechando, encarou o lugar e viu a cortina afastar—se levemente para a sua esquerda deixando descoberto um pequeno espaço a direita, Bia franziu o cenho.
—Olá, tem alguém aí? —Perguntou a garota, porém o que obteve em resposta foi silêncio. Bia pensou novamente em seu plano de investigar o local, mas novamente desistiu, chegou a conclusão de que estaria vendo coisas por obra de tudo o que acontece no orfanato. Ela apenas virou—se e, sem olhar para trás novamente, seguiu seu caminho de volta para a mansão, em certo trecho de sua caminhada, Bia teve um pequeno vislumbre de uma silhueta que estava de pé a sua direita, perto de uma árvore grande com uma copa bem ao alto, o contorno do perfil de uma pessoa que Bia observava fixamente parecia estar fazendo algo na árvore, fazia isso com uma ávida voracidade, como se estivesse desesperado para concluir aquilo. Bia se dirigiu até a sombra enquanto esgueirava seu pescoço para ver o que o ser estava fazendo no meio da noite em um lugar como aquele. Ao pisar acidentalmente nos galhos e folhas que haviam fora do asfalto da rua, deixados lá pelas árvores que envelheciam, algo fortuito acontece: a sombra vira o rosto brusca e repentinamente para Bia, logo após subindo na árvore sem nem ao menos toca-la, assustada com tal ação Bia voltou para a rua onde tinha uma falsa sensação de estar mais segura e correu desabaladamente para a mansão enquanto ouvia os pássaros saírem gritando do local onde dormiam, provavelmente pelo encontro repentino com a criatura que subira rapidamente até as altas copas das árvores. Ela abriu a porta rapidamente e entrou sem fazer barulho para não acordar ninguém, mas Katherine ainda a esperava na poltrona da sala, a qual ninguém usava pois não ousavam nem mesmo sair do quarto, ela estava dormindo mas acordou assim que Bia entrou pela porta.
—Katherine, não precisava ficar me esperando. —Bia disse recuperando o fôlego.
—E como você entraria em casa se eu não esperasse? —Ela mostrou um sorriso. —Por que está tão ofegante? —Franziu o cenho.
—Estava correndo. —Bia não queria que Katherine pensasse que ela era louca.
Porém a empregada apenas assentiu e Bia subiu as escadas agradecendo.
Ela estava revirando suas coisas a procura de algo confortável para vestir quando suas mãos tocaram em algo metálico e frio, Bia puxou o que se prendia a suas unhas e teve entrelaçado em seus dedos um medalhão, seus olhos marejaram, Bia conhecia bem aquele colar, ela o abriu em dois e, em um lado estava ela um pouco mais jovem e, no outro, sua mãe sorrindo como se fosse o dia mais feliz de sua vida, na foto, Suzie estava com os olhos brilhantes e cheios de vida, —agora já não deve ter nem mesmo olhos —Esse pensamento foi horrível, mas Bia sabia da realidade, simplesmente permitiu uma lágrima solitária escorrer por sua face, ela sentia tanta falta de sua mãe que seu coração palpitava quando surgia em sua mente uma recordação da mesma.
Seus ávidos sentimentos novamente atraíram a névoa prateada de cheiro repugnante, Bia ergueu—se rapidamente da cama e saiu do quarto fechando a porta atrás de si, com tudo, ao olhar para a porta, a garota notou que a névoa não se dispersava, apenas estava aumentando, Bia foi à entrada do corredor e a fumaça continuava a crescer, ela parecia se locomover na direção da garota. Ela desceu as escadas e já havia névoa na cozinha, sem ter para onde correr, seguiu para a única entrada que não possuía a fumaça. Subiu as escadas do dormitório dos meninos e se trancou no banheiro, a névoa ainda a acompanhava mesmo com a porta fechada, ela já se encontrava desesperada, sua face esboçava puro terror, procurava uma direção onde seguir e se abrigar, mas não havia escapatória, a garota estava encurralada. Encostou—se na parede atrás de si e esperou que a névoa a alcançasse enquanto suas lágrimas fugiam dos seus olhos. Ao encontro de suas costas com a parede, uma escada caiu do teto do banheiro, era uma escada dobrável que, quando se fecha, ela se torna uma portinhola no teto. Bia não pensou duas vezes antes de subir as escadas o mais rápido que pôde.
Ela se viu em meio a um corredor escuro e fantasmagórico, e no final dele, parecia ter uma fraca luz quase extinta bem no meio da parede, a luz foi crescendo cada vez mais e Bia teve a impressão de ela estar chegando constantemente mais perto. A certa distância, notou que a luz estava ganhando forma, e a cada vez que se aproximava, parecia estar ficando mais fraca, ao chegar perto o bastante para distinguir seu formato, Bia se viu de frente para uma garota, suas pernas travaram e seu estômago pareceu dar voltas, sua respiração tornou—se entrecortada e seu coração acelerou rapidamente, ela estava de frente para uma garota que provavelmente havia se matado no orfanato. Ela tinha quase a mesma altura de Bia e tinha cabelos curtos, usava roupas que mostravam sua barriga e pernas, brincos, pulseiras e anéis que, se não fossem todos cinzentos e sem vida, chamariam bastante atenção, além de uma corrente no tornozelo. A garota levantou seu braço e apontou para o fim do corredor. Para não irritar o fantasma, Bia seguiu adiante, somente alguns passos e encontrou outro, um garoto, este também apontava para o fim do corredor, ele era um garoto baixo e extremamente magro, tinha cabelos curtos e um rosto redondo, e também usava uma corrente. Ignorando e indo a diante, Bia encontrou—se com outra garota, acinzentada como os outros, ela usava um vestido que parecia ter a estampa com desenhos de dinheiro, mas ao chegar perto, Bia notou que era dinheiro de verdade, e não um desenho. Suas pernas já estavam tremendo e sua barriga doía de tão gelada, mas ainda assim, Bia iria onde fosse preciso para descobrir o que acontecia naquele lugar. Seguindo em frente, ela encontrou uma garota que vestia roupas simples, uma tiara com um laço que deveria ser cor de rosa na cabeça, ela tinha cabelos crespos e curtos, olhava freneticamente para Bia, como se esta tivesse roubado algo dela, Bia seguiu em frente sem se importar com o medo que quase paralisava suas pernas. Mas a frente encontrou um garoto que estava em uma postura folgada e desleixada, ele parecia estar em um sono contagiante, mesmo de pé, estava vestido com um pijama cheio de Z's, este também possuía uma corrente como todos os outros. Apenas alguns passos e encontrou outro, aliás, outra, uma garota, ela estava de costas, Bia decidiu "não incomodar". O último era uma garota com cabelo que cobria o rosto, ela usava roupas grandes e uma calça cortada, tinha também pulseiras abarrotadas de pontas de metal. A garota parecia estar de braços cruzados, mas estava arranhando—se com as unhas, além disso, já haviam vários cortes por toda a extensão de seus braços. Bia continuou indo em frente e encontrou um pequeno, mas grosso caderno jogado no chão, ela se abaixou e o pegou, mas, ao se levantar, se deu de encontro com os sete fantasmas que tinha visto pelo caminho, Bia quase solta um grito, porém o abafou com as mãos, o que fez sair apenas um grunhido, seu coração acelerou bruscamente, batia tão forte que ela podia sentir na sua garganta, os fantasmas estavam bem diante dela com os olhos cheios de ódio, eles estavam com as mãos dadas e pareciam dizer alguma coisa, coisa que Bia não esperaria para ouvir, pois estavam se aproximando lentamente dela. Rapidamente ela pega o caderno e dá meia volta correndo às pressas para sair daquele lugar, ela atravessa o corredor que parecia ser menor do que antes, ao chegar na escada dobrável, a empurrou e bateu nela freneticamente, mas parecia que estava emperrada, se desesperou mais ainda quando notou os fantasmas andando lentamente em sua direção, não havia para onde fugir, tudo o que se podia fazer era esperar que os espectros a matassem, ou lhe tirasse a sanidade, Bia nem mesmo sabia o que os fantasmas faziam com as pessoas além de os torturar mentalmente até a loucura. Tudo o que pôde ver foi uma luz se abrindo quase abaixo de si e sem pensar em mais nada ela se jogou na mesma, esperando apenas seu tombo no chão, mas este não aconteceu, quando voltou a si, Bia estava nos braços de um garoto, um garoto que ela não conhecia, mas que o tinha visto antes, quando estava fugindo da névoa a procura de ajuda.
—Você está bem? O que fazia lá em cima? —O menino ergueu a cabeça para o buraco no teto, Bia pôde ver seu pescoço másculo e seu discreto pomo de Adão.
—Sim, estou bem, obrigada. —Bia respondeu educada e um pouco baixo, pois estava com vergonha por estar nos braços do garoto. —Eu estava apenas curiosa com o que tinha lá. —Evadiu Bia saindo dos braços dele.
—Bom, o que você tem de curiosidade também tem de coragem, você é a primeira que entrou lá, até onde eu sei, o que não é muito. —Comentou. —A propósito, meu nome é Gustavo, mas pode me chamar de Guto.
—Prazer, Bianca, mas pode me chamar de Bia. —Apresentou—se timidamente, Gustavo estava sem camisa, e Bia sentir—se desconfortável com seu corpo um tanto definido.
—O prazer é meu. Que livro é esse na sua mão? —Disse apontando para o caderno. Bia havia até se esquecido que o estava segurando fortemente nas mãos.
—Ah, não é nada, apenas o meu diário. —Bia mentiu, escondendo atrás das costas o caderno, não queria que Gustavo soubesse que ela o tinha pegado dentro do sótão. —Bom... Acho que já vou indo, não posso ficar aqui a essa hora...
—Com certeza não, na verdade está proibida de entrar aqui a qualquer hora Srta. Madison. —Disse uma voz que Bia reconheceu, ao virar para trás se deu de encontro com a diretora Irina, imediatamente colocou o caderno na barra de trás do moletom com a blusa o cobrindo. —Aliás, o que a traz aqui a está hora? —A diretora ergueu uma sobrancelha para Gustavo, que ficou sem resposta.
—Não é nada, apenas vim buscar uma blusa que esqueci quando pensei que esse era o banheiro feminino. —Mentiu Bia, ela não poderia dizer que estava sendo perseguida por sete fantasmas dentro do sótão.
—Pois bem, e onde está a blusa? —Interrogou a diretora. Bia olhou para todos os lados do banheiro e viu uma blusa preta em cima da pia.
—Está bem aqui. —Disse a garota pegando a blusa. —Bom... Já está tarde então é melhor eu ir dormir. —Dizendo isso Bia foi para seu quarto sem esperar uma resposta da diretora, e levando a blusa nas mãos. Aproximou a mesma ao seu nariz e a cheirou. —Bom. —Foi tudo o que disse, então se dirigiu ao quarto rapidamente.

O Orfanato da TormentaWhere stories live. Discover now