Capítulo 12

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O bosque sussurrante

16 anos atrás

Era noite, um temporal caía sobre os prédios, a chuva e os ventos gélidos refletiam as características de uma cidade fantasma, contudo era muito bem habitada. Estava tarde, ela parou com o carro bem em frente ao orfanato, olhou pelo retrovisor, certificando-se de que o bebê que dormia na caixa de papelão estava bem, os cobertores o mantinham aquecido. Ela saiu do carro, abriu seu guarda-chuva preto sobre a cabeça e pegou a caixa no banco de trás, tomando cuidado para que não molhasse, andou até a porta do orfanato e deixou a caixa no chão com o bebê de dez meses ainda adormecido, tocou a campainha três vezes e então partiu, rapidamente entrou no seu carro e acelerou para longe dali, onde nunca mais veria aquela criança, mas, com o que pretendia fazer, aquilo salvaria a vida dela, deixa-la em um orfanato foi melhor do que sacrifica-la com os outros, daqui a poucos meses tudo iria mudar, e ela não podia estar lá quando isso acontecesse. "Deixá-la em um orfanato". Esse pensamento iluminou a mente da mulher com uma ideia que serviria exatamente ao propósito que ela buscava, ela acelerou ainda mais o carro, e, com um sorriso no canto dos lábios, deixou de vez aquela cidade.

***

Atualmente

A noite foi longa, conturbada, Bia rolava em sua cama de um lado ao outro, inquieta, o sono lhe fugia aos olhos, não conseguia se concentrar nem mesmo em fecha-los, a insônia insistia em pesar-lhe a mente. Desistiu por fim de obrigar-se a dormir e resolveu ler as mensagens que Peny havia enviado: várias perguntavam onde ela estava. O que aconteceu, por que não respondia; outras, afirmavam que ela estava preocupada, quase em pânico, sem notícias; outras diziam que ela estaria lá, esperando caso Bia respondesse, que não se cansaria de procura-la, sentiu orgulho de tê-la como amiga, apesar de que provavelmente Peny nunca encontraria o Orfanato da Tormenta, e talvez elas nunca mais se vissem novamente. Tal pensamento revirou na sua mente, ela sairia dali algum dia? Ela sobreviveria a tudo aquilo? Se sobrevivesse, o que aconteceria depois, quando ela fizesse 18 anos? Seria expulsa? Moraria nas ruas, o que seria das outras pessoas ali? Será que todas elas enlouqueceriam com a crueldade daquele lugar? Ou algum sortudo conseguiria superar tudo aquilo e se dar bem na vida?
Bianca não tinha a resposta para nenhuma das perguntas que reverberavam em sua mente, mas tinha convicção de que não ficaria parada esperando a morte chegar até ela. Não seria tão fácil derruba-la, ela não cairia sem lutar. Iria a fundo naquilo, mergulharia de cabeça naquele mistério até que encontrasse respostas sobre toda a loucura daquele lugar. E, além disso, apesar dos pesares, ela tinha afinidade com algumas pessoas do orfanato, e não pretendia deixá-los para trás. Seu objetivo agora ia além de descobrir a verdade, Bianca queria revelar aquele lugar ao mundo, queria ajudar seus colegas órfãos. Era pouco provável que alguém acreditasse nas coisas que aconteciam ali, mas tantos suicídios, tantas mortes sem explicação levaria, no mínimo, ao fechamento da mansão por negligência e, considerando que aquele era o pior lugar do mundo, os órfãos seriam enviados a outro orfanato, com certeza um lugar melhor do que aquele.
Quando foi dormir, Bia estava na péssima companhia de Roberta, mas agora, no meio da noite, ela não a vê na cama ao lado, por onde ela andaria? Por que quase nunca estava no quarto? O que fazia em qualquer lugar da mansão ou seus arredores no meio da noite? Seria para não ser pega pela diretora?
A curiosidade misturada à falta de sono levou Bianca a investigar sobre isso. Ela se levantou de sua cama, abriu a porta do quarto e andou sorrateiramente pelo corredor, desceu as escadas a passos leves —estava tarde da noite— e então procurou por algum sinal de vida de Roberta, alguma pista que pudesse indicar onde ela poderia estar, e o que estaria fazendo. Vasculhava qualquer rastro, qualquer coisa, desde que indicasse os vivos, e não os mortos.
Não encontrou nada. Dentro da mansão não havia nada além do típico ar de morte e mistério que o local emanava, e o medo descomunal por estar andando por ele no meio da madrugada. Decidiu então, com coragem que havia construído enquanto era assombrada cada vez mais dentro do orfanato, ir até o lado de fora que, para ela, era ainda mais assustador do que o de dentro, pois além dos fantasmas, haviam também os vivos, pessoas ruins que poderiam estar interessados em uma garota sozinha longe de casa, pois a mansão não era seu lar. Assim que pôs o pé no lado de fora da casa, sentiu um vento gélido da madrugada atravessar seus cabelos lhe dando calafrios, ela abraçou o próprio corpo, tremendo. Lembrou-se então da coisa que havia visto na última vez em que tivera um passeio noturno, com a ajuda de Katherine. Era uma criatura alta, bípede, poderia ser um humano, mas parecia estar rasgando o tronco de uma árvore no escuro da floresta próxima a rua, e quando viu Bianca, simplesmente subiu na enorme planta como se fosse incrivelmente fácil, arrastando-se com as mãos e os pés, como quem escala o paredão de uma montanha, sua chegada às copas da floresta afugentou todos os pássaros que ali dormiam, os quais saíram piando alto de medo. E se voltasse a ver aquilo? O que a coisa seria capaz de fazer? E o que era a coisa? O medo tomou conta de Bia, e ela parou estagnada a beira da porta de entrada do orfanato, em um conflito interno entre ter coragem para investigar e ser racional e voltar para a "segurança" de seu quarto. Decidiu que seria corajosa a partir dali, e que, se a situação fosse desesperadora, então recuaria. Na parte frontal da mansão não havia qualquer sinal de vida, a noite estava assustadoramente calma, tudo o que se ouvia eram os assovios dos ventos em colisão com a casa e as árvores. Bianca caminhou então para a parte de trás do orfanato, o medo e o frio crescendo cada vez mais dentro de si, as lembranças de tudo o que aconteceu ali vindo à tona em sua mente. O homem sem cabeça, a criança que apontava para ele, o fantasma da forca batizado por Jonas de O Suicida, pregando sua mensagem sobre a única saída para o tormento no orfanato sendo a morte, porém Bianca já sabia que nem depois da morte era possível se livrar daquele lugar, ela se perguntava o que seria dela.
Assim que chegou a parte de trás, Bia observou a luz do luar que se chocava contra o bosque e uns poucos raios que conseguiam passar entre as árvores. A luz branca, quase prata, era semelhante à névoa que surgia dentro do orfanato, contudo a que se via agora era serena, calma, e um tanto solitária, não tinha aquele cheiro de carne podre que exalava do orfanato.
Bianca olhou ao seu redor, a procura de algum sinal de Roberta, algo que mostrasse para onde ela teria ido, porém, não encontrou nada além de uma noite extremamente calma. Decidiu, por fim, adentrar a floresta cujas luzes brancas saíam serenamente, procurando por algo que não sabia ao certo do que se tratava, mas que, pelo menos, desse alguma direção de onde procurar respostas ou pistas para saber a origem do orfanato. Ela caminhou relutantemente até as árvores, franzindo o cenho tentando enxergar o que havia depois dele, mas a luz opaca ofuscava sua visão, ela chegou mais perto, até que finalmente entrou no bosque.
Olhou ao seu redor, o negrume recobria as copas das árvores e contrastava com os troncos cheios de ranhuras de cascas secas. Voltou-se então para frente novamente, procurando ver algo através das plantas, mas nada conseguia enxergar, andou mais para dentro do bosque, para enxergar melhor, vendo um pequeno borrão ao longe, aproximou-se cada vez mais, vendo o borrão se tonando cada vez mais nítido, até que finalmente conseguiu distinguir com clareza a forma que estava vendo; era uma cruz, alta e larga, dava para ver apenas a aparte superior, ela parecia ser feita de concreto, Bia sentiu vontade de ir até lá, mas deixaria para amanhã, quando estivesse claro, o bosque estava começando a dar calafrios em sua pele. Ela deu meia volta pronta para voltar para o orfanato, e viu em sua frente uma árvore, não sabia como aquilo havia ido parar ali, ela tinha andado em linha reta desde que entrou no bosque, para não se perder, e não tinha desviado nenhuma árvore, se aquela estava ali, onde então estava o caminho de volta?
Essa pergunta deixou Bia sem rumo, ela olhou para todos os lados, para cima e para baixo, procurando uma direção, mas tudo o que via eram árvores e mais árvores; o bosque não era tão grande visto de fora, mas gigantesco em seu interior. Procurou por alguma referência, entre as folhas, algo que pudesse dizer para que lado ir, para que lado estava o orfanato, mas a folhagem era densa, os galhos eram muitos, e a neblina estava aumentando gradativamente, em poucos minutos, Bia não foi capaz de enxergar nada a um metro de distância de si. O medo característico manifestou-se em seu estômago, os calafrios aumentando e arrepiando seus pelos. Um ruído, lento e muito baixo, quase inaudível, atingiu seus ouvidos espontaneamente, era arrastado e disforme, um arrepio correu por sua coluna até seu maxilar, que se enrijeceu. Ela tentou distingui-lo, mas foi impossível, outros sons semelhantes começaram a ressoar junto ao primeiro, todos eram sussurros longínquos, mas alguns mais graves e outros mais agudos, alguns mais grotescos e outros mais leves e calmos. Suas mãos tremiam, ela encolheu-se no chão e abraçou os joelhos, como quem tentava consolar a si mesmo, porém, na verdade, ela tentava se concentrar no que seriam os sons, e o que eles significavam. Tentou dar mais atenção a apenas um, para saber do que se tratava, ela o ouviu várias vezes, aguçou seus ouvidos até que distinguisse o som, e conseguiu, ela abriu os olhos repentinamente, era uma voz, era a voz de uma pessoa sussurrando, na verdade, eram várias vozes sussurrando palavras diferentes, mas a única que Bianca distinguiu foi a voz de um menino, mais aguda que as outras, ele era uma criança, tinha a voz fina, e dizia apenas a mesma palavra:
—Mamãe!
Era apenas isso, e mais nada, Bia tentou se concentrar em outra voz, mas elas haviam se calado no momento em que abriu os olhos, assim como toda a neblina havia se dissipado, e, a muitos metros a sua frente, bia pôde ver a porta dos fundos do orfanato, onde se entrasse, chegaria à cozinha. Ela correu até lá, desesperada para sair do bosque e ao mesmo tempo curiosa para saber o que tinha depois dele, o que seria aquela cruz e o que quis dizer a voz do menino com mamãe, mas isso ficaria para outro dia, quando estivesse claro, de preferência.
Por mera curiosidade, Bianca verificou se a porta dos fundos do orfanato estava trancada, e, ao girar a maçaneta, viu que não era o caso, um pequeno empurrão e ela escancarou-se, revelando duas pessoas se separando no momento em que a fraca luz do luar adentrou na cozinha. Ângela e Roberta, de sobressalto, olharam para Bia, que acabara de testemunhar as duas se beijando, escondidas no escuro da cozinha. Ao perceber o que se passava, suas bochechas coraram, ela ficou sem graça, então abaixou a cabeça.
—O—oi, hum, bem... Me desculpem por entrar assim, eu não sabia que... Bem... Que... Vocês estavam aqui. —As duas meninas estavam tão sem graça quanto Bianca, aquilo não era para ser descoberto, não era para ninguém saber. Roberta abaixou a cabeça também e deixou seus cabelos negros e longos cobrirem seu rosto envergonhado. Ângela segurou sua mão, fez uma expressão de impaciência e ergueu o olhar para Bianca.
—Bom, como pode ver, nós estamos aqui, então... —Ela sorriu amarelo. A situação não poderia ficar pior, Bia apenas continuou a olhar para baixo e saiu a passos rápidos para a sala do orfanato, onde subiu as escadas e entrou no seu quarto. Ela tomou um banho rápido, para tirar o cheiro silvestre do bosque e o suor gelado que lhe escorreu pelo corpo no momento de desespero, se jogou na cama e se pôs a dormir, tentando ao máximo relaxar para que o sono chegasse logo. Ela não queria estar acordada quando Roberta entrasse no quarto e, com sorte, também não estaria quando ela saísse na manhã seguinte.

O Orfanato da TormentaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora