Capítulo 17

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A árvore dos enforcados

As horas pareciam se arrastar lentamente, e a monotonia do lugar apenas alimentava o sono crescente de Bianca. Ela já havia feito tudo o que podia ali, desde de varrer, com uma vassoura que encontrara, o lugar completamente, até se exercitar subindo e descendo as escadas, qualquer coisa para evitar de dormir.
Finalmente o sol nasceu, Bia já estava exausta, daria tudo por uma cama segura para dormir tranquilamente. Ela foi até a porta da catedral, abriu uma fresta e procurou pela criatura, que já não se encontrava mais parada de olhos vidrados nela; relutou em sair dali, com medo de que ela ainda estivesse lá, apenas escondida, esperando o momento em que ela estivesse vulnerável, mas Bia não podia passar o resto da si vida ali, ela precisava voltar para o orfanato, então juntou o pouco de coragem e energia que lhe sobrara e correu desabaladamente rua a fora em direção a mansão. Chegou ao local tão rápido que não acreditou que estava segura, até fechar a porta da frente atrás de si.
–Pode me dizer onde passou a noite, Srta. Madison? –A voz conhecida a pegou de surpresa enquanto estava de olhos fechados puxando o máximo de ar possível para seus pulmões, e ela teve um sobressalto, ao mesmo tempo que arregalou os olhos para a diretora Irina.
–Me desculpe diretora, eu fui perseguida por alguma criatura ontem e fui encurralada, não consegui voltar para cá. –A diretora semicerrou os olhos debochadamente.
–Francamente, já escutei desculpas melhores; não é permitido passar a noite fora do orfanato Srta. Madison. Pode sair com quem desejar, mas esteja em casa antes das 8:00. –Bia deixou seu queixo cair enquanto a diretora se virava e saía para a cozinha. Ela decidiu não discutir, não chegaria a lugar algum afinal, apenas subiu a escada e foi para seu quarto onde dormiria o máximo possível até o horário da escola.
Após algumas horas, que pareceram segundos, de sono, Bia continuava cansada, mas se levantou ao ser acordada por Alice, dizendo que ela estava atrasada. Se arrumou o mais rápido que pôde e foi até a cozinha para comer algo ainda mais rápido, seu estômago remoía de fome. Assim que passou pelo corredor encontrou Gustavo ajudando Katherine a lavar a louça, haviam dois mistos—quentes em um prato sobre a mesa, Gustavo olhou para trás e sorriu para Bia.
–Katherine e eu guardamos para você. –Ele disse. Bia agradeceu aos dois sorrindo de volta para o menino e os pegou com as mãos, ainda estavam um pouco quentes, mas não podia levar o prato e estava atrasada para a escola, e mesmo que estivesse cansada, ficar lá ainda era melhor do que no orfanato.
Prestar atenção na aula nunca havia sido tão difícil para Bia, ela cochilava de vez em quando, sendo acordada pelo peso de sua cabeça caindo.
–Professora, posso ir ao banheiro? –Ela pediu, e sem esperar pela permissão, saiu da sala. O que ela queria mesmo era um lugar onde pudesse descansar, então, ao invés de seguir pelo banheiro, ela foi procurar algum almoxarifado onde não tivesse ninguém, para literalmente dormir um pouco. Apesar dos esforços, não havia nenhuma porta aberta, então ela seguiu até a parte de trás da escola, onde nunca tinha ido. Encontrou lá um campo um tanto quanto grande de gramado, e bem no centro, uma árvore grande, que a fez se perguntar como ainda não tinha a visto. Estava calmo, sem um mínimo ruído de insetos, sem vento, e sem vozes, o silêncio era ensurdecedor, o lugar perfeito para Bianca descansar, ela se aproximou da árvore, sentou com as costas nela, e se permitiu relaxar até cair no sono.
O lugar onde abriu os olhos era completamente diferente de onde os havia fechado, ela estava em um pequeno parque, estava escuro, era uma noite silenciosa. Apesar do lugar diferente, ela estava apoiada na mesma árvore onde dormira, contudo, a árvore parecia mais jovem, cheia de folhas verdes e vivas. Não sabia como tinha parado ali, muito menos como voltar para a escola, el levantou—se e caminhou sem rumo, observando os brinquedos do parque, na tinha uma única pessoa em nenhum deles, e havia um grande estacionamento no lugar onde possivelmente deveria ser a escola, tinham mais casas ali também, poucas, porém mais do que na rua do orfanato, parecia mais habitada, apesar do ambiente fantasmagórico. Ao olhar para distante, procurando por alguém, Bia viu um garoto, jovem, correndo desesperadamente na sua direção, ela chamou por ele, mas ele não pareceu ouvir, esperou que chegasse mais perto, para entender o que se passava, mas ao ficar no seu caminho, percebeu que ele não desacelerou, continuou correndo sem hesitar, quando se preparou para o choque entre seus corpos, cobrindo o rosto, viu que o garoto já havia passado por ela, atravessado por ela, como se naquele lugar ela é quem fosse o fantasma. Não adiantaria tentar chamar sua atenção, ele não podia ouvi—la, ela apenas o acompanhou, curiosa com o que ele iria fazer. Ele subiu na árvore, sem muita dificuldade, e pegou, de um galho alto, onde Bia não podia ver bem pela escuridão, uma corda grossa. Ela vislumbrou seu semblante, e o garoto chorava, não desesperadamente, mas silenciosamente, as lágrimas escorriam solitárias pelo seu rosto, ela logo percebeu o que se passava.
–Não faça isso! –Gritou o mais alto que pode, mas não obteve resposta, correu até a árvore, tentando subir, mas não conseguia. Antes que o garoto pulasse de lá, ela tapou os ouvidos com as mãos e se ajoelhou com a cabeça baixa e os olhos fechados, para não ver e nem ouvir nada, quando os abriu novamente, já estava dia, e a escola estava lá mais uma vez; ela voltara para a sua realidade. Ao se levantar, viu, talhado no tronco da árvore, as palavras ÁRVORE DOS ENFORCADOS.
Ela não sabia o que acabara de acontecer, nem esperava que acontecesse fora do orfanato, a única certeza que tinha agora, é que não havia um lugar seguro.
O fim da tarde já se despedia no horizonte, e Bia percebeu que os poucos minutos que passara "dormindo" encostada na árvore haviam levado todo o seu horário de aula. Chegou ao orfanato descansada, com energia, porém sem nada para fazer, então subiu direto para o banheiro para tomar um bom banho, e percebeu que esquecera de levar roupas para vestir, então saiu de toalha rapidamente até o quarto, rezando para não encontrar ninguém, e não encontrou, entrou rapidamente, procurando uma muda de roupa para vestir, e não havia absolutamente nada! Suas gavetas estavam vazias, nem sua mala estava em baixo da cama, procurou nas coisas de Roberta, achando que talvez fosse uma pegadinha, mas não encontrou nada, ela não sabia o que fazer, estava com vergonha de pedir ajuda de alguém, se sentou na cama, frustrada, e ouviu o barulho de papel sendo amassado, tirou o cobertor e encontrou um pequeno bilhete, que dizia apenas "encontre—me no meu quarto assim que ler isto, Katherine". Bia não entendeu o que se passava, mas confiava nela, vestiu a roupa da aula, já que era a única que tinha, e desceu as escadas a procura da empregada.
Ela entrou no quarto sem bater na porta, e encontrou Katherine arrumando algumas coisas dentro de malas, ela fazia tudo com muita pressa, sem dobrar direito as roupas.
–Katherine, o que está acontecendo? –Por que me chamou aqui e por que minhas coisas estão no seu quarto? –Ela perguntou ao observar que uma das malas era sua, e já estava fechada, estufada de coisas.
–Bianca, graças a Deus! Venha, me ajude a colocar essas coisas nessa mala. –Ela apontou para a mala que já tinha algumas coisas dentro.
–Por que? Você vai embora? Nós vamos?
–Sim, vamos sair desse maldito lugar. –Ela colocava mais algumas coisas na mala. Bia pegou o braço da mulher, para chamar sua atenção.
–Katherine, ontem alguma coisa me perseguiu durante a noite, por isso não dormi aqui, eu tentei correr para longe, mas é impossível, não há como sair, quando você acha que já está longe, se depara com esse orfanato novamente, como se estivesse andando em círculos.
–Não se preocupe com isso, eu quem fiz isso e eu sei como desfazer. –Ela enfiou sua mão até o fundo de uma gaveta, e trouxe de lá uma pequena urna funerária preta, com a mesma cruz de dois travessões do cemitério estampado nela.
–O que é isso? –Ela não respondeu, apenas jogou a urna contra o chão e a quebrou, espalhando não cinzas, mas terra, e no meio do barro, tinha um tufo de cabelo preso por um elástico, de uma cor estranhamente familiar. Bia pegou, e colocou perto do seu, comparando, sem dúvida, era exatamente igual. –O que diabos significa isso? –Ela franziu o cenho para a mulher.
–Não há tempo para explicações agora, apenas saiba que com seu cabelo fora da urna você pode finalmente sair daqui. –Ela colocou as últimas roupas na mala e fechou o zíper.
–Mas e os outros? Não podemos deixá—los aqui.
–Minha prioridade é você Bianca, não posso salvar a todos. –Bia franziu o cenho, sem entender sua importância para Katherine.
–Mas se há como me salvar, deve haver como salvá—los também, me diz como. –Katherine respirou fundo, olhando para ela.
–O cemitério, dentro da tumba de Ariana Blair, não há o seu cadáver, há apenas uma sala, com as urnas de todas as almas aprisionadas aqui, se quebrá—las, poderá libertar a todos, mas isso vai chamar muita atenção, Irina saberia que foi você, e seria seu fim, não podemos contra ela, você não faz ideia do poder que ela tem. –Nada daquilo fez sentido para Bia, mas um detalhe lhe chamou atenção.
–Como não há nada no túmulo? Ariana foi a antiga dona desse lugar, se ela não está lá, então onde está?
–Bianca, Ariana Blair e Irina são a mesma pessoa. –Bia ficou estarrecida, completamente boquiaberta.
–Isso... não é possível! –Foi tudo o que conseguiu dizer.
–É possível quando se tem a energia de centenas de almas para te sustentar. Você ainda tem muito que descobrir querida, há tanto que não sabe.
–Então me conte.
–Não há tempo para isso, devemos ir antes que Irina perceba.
–Eu não irei embora sem os outros, tenho amigos aqui, pessoas que me ajudaram, não posso deixá—los.
–Não seja teimosa, iremos primeiro e então, depois, conseguiremos ajuda para salvá—los.
–Por que? Por que eu sou tão importante para você?
–Por que... –Antes que pudesse falar, a mulher começou a tossir desesperadamente, Bia pegou em seu ombro para ajudá—la, e sentiu sua pele estranhamente magra e flácida, e viu, arregalando os olhos, algumas mechas do cabelo de Katherine ficarem brancas instantaneamente. Ela não podia acreditar que aquilo fosse real.
–Katherine, o que está acontecendo com você? –Ela perguntou alarmada, e assustada.
–Meu tempo está acabando, não se preocupe com isso, já era esperado. Tudo o que precisa saber está nas malas, apenas saia daqui, não poderei ir com você.
–Você acha mesmo que conseguirei fazer isso sozinha? É impossível!
O impossível é decidido pela sua capacidade, por isso, seja sempre capaz, e nada será impossível para você.
–Katherine, se o que você diz é verdade, então todos nós vamos sair desse lugar, apenas deixe tudo aqui, preparado, quando chegar a hora, vamos todos embora.
–O que você está pensando em fazer? Não pode lutar contra Irina, nenhum de nós teria a menor chance.
–Nenhum de nós sozinho, mas se estivermos juntos podemos nos proteger, porém, por enquanto, vamos agir sorrateiramente, quando ela descobrir, já estaremos longe daqui.
–Bianca, você não entende, precisa tomar muito cuidado.
–Eu sei que não entendo, mas logo vou entender, pelo que você mesma disse, apenas aguarde. –Dizendo isso, ela abraçou a mulher e saiu do quarto. Foi direto para as escadas do corredor feminino, entrando no quarto de Alice, ela estava junto de Ângela, conversavam sobre algo.
–Alice, rápido, preciso falar com você! –A outra direcionou o olhar alarmado para Bia.
–O que aconteceu? Você está bem?
–Sim, estou, mas preciso de um favor imenso. –Ela franziu o cenho.
–O que seria? –Perguntou séria.
–Você tem que arrumar as suas coisas, e avisar a todas as meninas para fazerem o mesmo, nós vamos embora desse lugar. –O olhar de Alice ficou triste.
–Bia, todos já tentamos isso, não é possível sair daqui.
–Eu descobri como, mas precisamos ser rápidas, antes que Irina saiba o que está acontecendo.
–Como você descobriu?
–Eu explico quando estiver—mos fora desse lugar. Alice, você confia em mim? –Ela ficou séria.
–Sim. –Respondeu firmemente.
–Então apenas avise a todas para arrumarem sua coisas, sei que você consegue isso, todo mundo aqui gosta de você. –Ela sorriu.
–Tudo bem, farei isso, mas para onde devemos ir? Espere! Você conversou com Katherine sobre algo? –Bia ficou atônita.
–Como você sabe disso?
–Quando sairmos daqui eu te explico. –Ela sorriu para Bia. –Seja lá o que você for fazer, nos encontre na catedral que fica perto daqui, basta seguir direto a rua, ela é bem grande, não tem como não ver. –Bia, apesar de saber que não havia muito para onde ir naquele lugar, ficou surpresa por Alice conhecer a catedral.
–Eu sei onde fica, dormi lá ontem, foi você que colocou aquelas coisas lá?
–Sim, e hoje acrescentei outras, com uma ajudinha de Jéssica, mas como você disse, não há tempo para isso, faça o que precisa fazer, e nos tire desse lugar. –Bia sorriu para ela.
–Obrigado Alice. –Gratidão era o que melhor a definia naquele momento.
–Eu que agradeço Bianca. –Elas sorriram uma para a outra. Bia saiu fechando a porta, Alice apressava Ângela para arrumar as coisas, enquanto ela sairia para avisar as outras. Bia abriu a porta novamente.
–Mas uma coisa, onde fica mesmo o quarto de Gustavo?

O Orfanato da TormentaWhere stories live. Discover now