10 I O bonde

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Tarso, 31 de janeiro/01 de fevereiro de 2013.

Eram 21:40 e o Bernardo não tinha dado sinal de vida como tínhamos combinado. Peguei uma blusa de frio, porque aqui tem um clima louco e mudou do calor infernal de mais cedo pra um vento meio gelado e eu não tô podendo, dado os acontecimentos de hoje. Mesmo assim coloquei um short porque minhas calças estavam todas sujas. Ainda achei que não fosse cruzar com minha mãe porque ela tinha chegado e ido direto pro banho, mas...

– Tarsooo Gabriel!! – Porra, ela não tava fazendo isso. Odeio que me chamem assim.

– Que, mãe? – Falo gritando do corredor.

– Vem cá, moleque. Tô te chamando! – Eita.

– Fala, dona Eliana!

– Onde você pensa que tá indo, rapazinho? Os meninos falaram que você tava caído no sofá mais cedo de tão fraco e ainda vai sair pra pegar friagem?

– Ah, mãe! O Tulin preparou um lanche e eu já tô de boa. Eu tava precisando era de um descanso mesmo.

– Descanso de quê, menino? Cê não faz nada o dia todo...

– Descanso mental, mãe. O dia foi pesado. Eu tô indo encontrar o B. e o Enzo.

– Humm. E volta pra casa ou vai fazer igual ontem?

– Vou voltar, mamis. Fica de boa que eu não vou aprontar nada.

– É bom mesmo, porque você não pode esquecer que tem só 16 anos e que as coisas não são tão simples assim, tipo dormir na casa de um cara que eu nem sei quem é.

– Mas vai conhecer dona Elianinha. Seu filho foi pedido em namoroo! – Falei num tom irônico, mas pro lado divertido.

– Ah, senhor... Eu acho que tô sonhando! Meu filhinho de um homem só.

– Engraçadinha. Deixa eu ir pra achar o B.

– Peraí, menino. Ainda não terminei.

– O que é, mãe?

– Deixei o carro na oficina. Vou precisar do teu pra sair com as meninas, hoje é aniver da Ivete.

– Ah, Jesus. E eu que deixo de buscar a Dalila ligeiro, né? Porra, mãe. Ia pegar o B. e agora?

– Para de reclamar, menino. Na sua idade todo mundo anda apé. E sabe que se acontecer algo contigo eu sou presa, né? É só pegar a brasília do teu avô. A chave tá na gaveta da sala.

Tem algumas coisas que não falei sobre mim. Aliás, sobre a minha família. A gente nem é rico nem nada. Só vive bem porque minha mãe trabalha pra caramba. Esse ano eu vou achar algo pra ajudar. Meu pai manda uma pensão boa, mas não dá atenção pra gente, principalmente pra mim depois de me pegar na sua cama com o vizinho do apê dele. É óbvio que eu tava errado, mas ele não aceita eu ser gay, então tá mais pra preconceito mesmo. A gente só tem dois carros porque o fodido do sortudo aqui ganhou um sorteio no mercado e ganhou um carro zero [risos], senão não tinha necessidade. E pensar que eu só tinha comprado lá uma vez me faz sentir mais sortudo ainda. É a tal sorte no jogo e sorte no amor, porque sou desses. Passei lá antes de uma transa pra comprar camisinhas e acabou rendendo no meu xodó. Ah, e meu vô tem uma brasília 77 e como ele tá numa excursão lá pra João Pessoa, é o que me resta.

– Beleza, mãe. Não vai beber muito lá com as amigas e com a Veveta.

– Me respeita, menino. Eu vou dirigir hoje. Se cuida e coloca já essa blusa de frio. E eu é que digo isso, se você beber e dirigir eu te proíbo de continuar andando de carro no banco do motorista.

ADOLESSÊNCIAS - VERSÃO 2018Onde histórias criam vida. Descubra agora