14 - Sabor

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Acordei na segunda-feira com a sensação de que havia sido atropelada por um ônibus, os dois dias anteriores repletos de álcool cobrando do meu corpo explicações. Minha mãe, no entanto, não achava que ressaca era um bom motivo para faltar aula, e quando desliguei o despertador estridente, ela fez questão de ir até o meu quarto me acordar, o hematoma ainda vivo em sua bochecha.

Acabei cochilando em quase todas as aulas até o intervalo, quando decidi comprar um café antes de encontrar meus amigos – para ver se conseguia manter pelo menos os olhos abertos durante as próximas aulas. No caminho até a cantina, no entanto, uma das pessoas que eu menos gostava no mundo entrou na minha frente, os olhos verdes penetrantes e uma expressão de cachorro abandonado.

– Podemos conversar? – Liam perguntou, com a voz pateticamente embargada.

– Não tenho nada para te dizer.

– Mas eu tenho, quero...

– Sim, você quer me pedir desculpas pelo que aconteceu na festa, por ter me traído, por ser um namorado horrível... – Revirei os olhos. – Já ouvi tudo isso antes, Liam, não estou interessada.

Tentei contorna-lo, mas Liam pegou meu pulso, se transformando rapidamente do garoto bonzinho para quem ele realmente era: alguém que nunca aceitaria um não como resposta.

– Você já ouviu, mas nunca me deu uma chance de realmente me explicar.

Me solta. – Foi tudo o que disse, com um pouco mais ênfase do que pretendia, o que chamou atenção das pessoas ao redor.

– Não pode conversar comigo como uma pessoa normal, tem que agir feito louca o tempo todo?

– Sim, agora não banque o ex abusivo e me largue logo.

– Você é tão amarga. – Liam respondeu, irritado.

Só aí ele percebeu que sua atitude estava chamando mais atenção do colégio do que ele pretendia, mas antes de poder dizer qualquer outra coisa, Dylan, que percebeu o pequeno tumulto, como se sentisse na obrigação, revirou os olhos e disse:

– Faça logo o que ela pediu, Liam.

– Chegou na hora certa, Chase. – Liam respondeu, segurando meu braço com um pouco mais de força e abrindo um sorriso, o que me fez revirar os olhos. Homens. – Precisamos acertar algumas coisas.

– A única coisa que vou acertar vai ser seu maxilar se não fizer o que pedi.

Tudo naquela cena fez com que meu sangue fervesse, porque eu mais parecia um objeto de apreço para ambos do que de fato uma pessoa: eles conversavam entre si como se eu não existisse, como se o homem mais intimidador fosse levar o troféu para casa, que não tinha nem sequer o poder de escolha – aquela era uma conversa de homens, eu era apenas o prêmio de consolação.

Por isso, puxei meu braço com força do aperto de Liam pela primeira vez, que soltou com facilidade, porque meu ex-namorado não esperava em momento nenhum que eu participasse ativamente daquela briga de galos. Outra coisa que ele não esperava foi o chute em sua virilha que desferi segundos depois de soltar meu braço, o que fez com que ele se curvasse de dor no mesmo momento e Dylan sorrisse.

– Eu avisei para me soltar. – Disse para o meu ex, que se contorcia de dor. Depois, me virei para Dylan: – E não precisava de ajuda.

– Reparei. – Dylan disse, e então olhou para Liam e sorriu.

Tenho certeza que foi o sorriso presunçoso de Dylan Chase que fez com que Liam, mesmo ainda cambaleando pela dor do chute, resmungasse "babaca" e logo depois tentasse soca-lo. Dylan desviou com facilidade da tentativa patética de Liam, e quando ele cerrou o punho eu irracionalmente fechei os olhos.

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