34 - Máquina do tempo

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– Qual foi a melhor transa da sua vida? – Finn perguntou para Naomi, devorando os bombons que a garota havia trazido para o quarto.

Era uma sexta-feira depois da aula, e chovia torrencialmente do lado de fora como não chovia há meses. Deitados no quarto quente de Naomi, com quem eu tinha pegado uma carona da escola, conseguíamos ouvir os trovões conforme a chuva caia, sem trégua, do lado de fora.  Eu não havia faltado nenhum dia de aula aquela semana, e quase recebi uma salva de palmas quando o sinal da última aula de sexta tocou.

Meu desempenho escolar era, provavelmente, o pior da sala – algo que não me importava muito, já que eu estava acostumada a faltar aulas e as consequentes reclamações dos professores nos últimos quatro meses. Naquela semana, no entanto, decidi tentar me esforçar, e os professores, vendo minha luta interna, em sua maioria se disseram dispostos a ajudar por "entenderem minha situação", o que, em outras palavras, significava que eles sabiam que minha mãe havia sido assinada, e isso me dava um desconto.

Outra coisa que decidi por mais empenho, foi na área dos sentimentos – Dylan havia viajado com o pai aquela semana e faltado os últimos quatro dias de escola, me deixando sozinha para lidar com minhas próprias emoções, e eu, ao invés de trancar tudo em um canto escuro do meu peito, decidi que estava na hora de realmente começar a sentir. Ainda assim, não tinha tido coragem suficiente para visitar o cemitério ou abrir a caixa que meus avós haviam me dado, por medo da dor ser insuportável demais, e acabar fazendo com que eu voltasse à estaca zero – tudo que eu fazia, geralmente, era encarar a chave pendurada em meu pescoço e sentir saudade da minha mãe.

Estava dando passos de bebê em direção à aceitação, mas, naquele ponto, qualquer coisa, mínima que fosse, contava.

Às vezes, a certeza de sua morte me atingia como uma onda gigante: potente, inevitável. E era difícil não me render à vontade de comprar outra garrafa de bebida para conseguir dormir tranquilamente ou não telefonar para Thomas, implorando por uma distração – tudo ficava mais complicado quando Dylan não estava por perto, e era por isso que eu havia dormido na casa de Naomi quase todos os dias da última semana: porquê ainda não confiava o suficiente em mim mesma.

Naquela tarde de sexta, no entanto, eu estava na casa da minha amiga me distraindo propositalmente para não ter que encontrar com meus avós antes do necessário, que, agora tinham um dia especial marcado para constranger a mim e a Jonah de propósito: toda sexta à noite, jantar em família; enquanto Finn só estava lá porque não havia nada melhor para fazer do que perder tempo com nós duas. Depois da nossa briga, Amy havia ignorado propositalmente meus amigos, magoada com todos pelo fracasso do seu primeiro relacionamento, e, conforme ficávamos atoa na casa de Naomi, eu conseguia perceber, nos poucos momentos de silêncio, como nós três sentíamos desesperadamente sua falta – ainda assim, ninguém falou sobre o elefante sentado no tapete vermelho do quarto de Naomi, porque a culpa era minha, e era eu quem deveria dizer alguma coisa.

E eu não disse nada.

– O melhor sexo da minha vida sou eu, amorzinho. – Naomi respondeu, levantando as duas mãos e mexendo os dedos como uma feiticeira, o que fez com que eu e Finn fizéssemos caretas simultâneas. – Mas acho que se tivesse que escolher um macho, escolheria o novo namorado da Teodora. – Ela completou, implicante, e eu joguei uma almofada vermelha em sua direção.

– Ele não é meu namorado. – Repeti, pela milésima vez, enquanto encarava o celular, para a última mensagem de Dylan.

"Como estão as coisas do outro lado do mundo?" – eu havia perguntado.

"Nada que uma foto da sua bunda não seria capaz de melhorar, caso essa seja sua verdadeira dúvida." – Dylan havia respondido.

– Argh. – Finn revirou os olhos, a boca cheia de chocolate. – Estava torcendo para que você falasse que a melhor é o primo da Teodora, seria divertido ver você namorando a versão masculina dela.

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