36 - Erro de cálculo

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Uma vez, quando era criança, eu chorei porque tinha medo de ir dormir e nunca mais acordar, sem me dar conta do fato absoluto da minha morte. Chorei porque não gostaria de partir sem a consciência de que aquele era o fim, porque não queria me despedir desse mundo sem sequer me dar conta. Parecia, embora pacífico, súbito demais para uma criança de seis anos, e quando eu chorei, meu pai me confortou e limpou minhas lágrimas, deitado apertado comigo na minúscula cama infantil rosa com os cobertores de ursinhos amarelos, até que eu adormecesse, contra a minha vontade, em seus braços.

A cama rosa infantil passou para uma cama de solteiro simples, para uma cama pallet com um colchão de casal, para, enfim, uma cama kingsize de madeira branca. Era irônico, porque, depois da morte da minha mãe, enquanto me encontrava na melhor de todas as camas, houveram dias em que eu desejei que o teto do meu quarto, três vezes maior e mais arrumado do que aquele que estava acima da minha cama rosa, caísse sobre minha cabeça enquanto eu dormia, bêbada demais para perceber qualquer coisa.

Quando acordei na manhã de domingo, no entanto, minha cabeça limpa e sem enxaquecas, o sono bem dormido pela cama macia, olhei para o teto branco de gesso tão liso quanto massinha de modelar, sem sequer uma rachadura em toda sua extensão, e me senti bem, porque não queria que ele caísse mais sobre mim.

Ainda assim, isso não significava que eu não estava irritada.

Me virei para a sacada, olhei para o dia lá fora através de uma brecha nas cortinas quase transparentes, que balançavam levemente com a brisa — era um dia bonito, como se o tempo quisesse compensar por toda a chuva, e dei um suspiro pesado.

Desde ontem, eu tinha certeza de algumas coisas: Dylan Chase e Mia Morris haviam transado, provavelmente diversas vezes e de modos que não queria imaginar — eles faziam isso, é claro, nos momentos em que Dylan Chase não estava ocupado demais tentando me conquistar, o que requeria muito tempo livre da parte dele, porque, naquela época, parecia que tudo que o garoto fazia era querer me conquistar.

Eu também sabia que o caso deles provavelmente tinha acabado antes da festa em que Theo socou Dylan no rosto, na mesma noite em que eu transei com ele pela primeira vez, o que me deixava ainda mais irritada com o dia bonito, conforme eu me levantava e abria as cortinas, encarando o céu azul, que parecia zombar da minha miséria.

Por último, eu sabia que Theo Morris havia me usado para machucar Dylan Chase, como Dylan provavelmente havia machucado Mia, em uma espécie de irmão protetor ou qualquer outro instinto masculino ridículo que não interessava o suficiente a parte da história que tinha a ver comigo, apenas os fatos: Eu transei com Dylan, Dylan transou com Mia e Theo transou comigo.

Tudo isso parecia uma obra do passado arquitetada perfeitamente para mexer com minha cabeça no momento que eu mais me encontrava vulnerável a ações do mundo externo, mas toda a história não me atingiu do jeito que achei que poderia: eu estava irritada com todos, especialmente com Dylan Chase, mas não queria que o teto do meu quarto caísse sob minha cabeça, e isso era bom.

Ele não me ligou ou sequer me mandou uma mensagem, algo que eu já esperava. Ainda assim, revirei os olhos quando vi a tela rachada sem notificações, me sentindo a garota mais idiota do mundo, porque, no fundo, queria que Dylan me ligasse, assim como praticamente toda outra garota que já se envolveu com ele um dia.

Era isso o que mais me irritava: semanas depois e lá estava eu, sentindo a falta de Dylan Chase novamente. Era como uma droga branda, não-viciante: eu sabia que não ficaria desesperada imediatamente por outra dose, mas também sabia que tudo parecia ter mais cor e mais graça quando ela estava presente, porque Dylan me entorpecia.

Encarei o celular outra vez e liguei para Naomi — precisava me distrair, antes que fumaça começasse a sair pelos meus ouvidos conforme eu pensava sobre aquele assunto.

Acrimônia | ✓Onde as histórias ganham vida. Descobre agora