38 - Adeus

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Coloquei o maço de cigarros e a garrafa fechada de vodca no balcão como se fizesse uma declaração ao mundo, e a atendente estreitou os olhos para minha identidade falsa. Por um segundo, torci para que ela não me deixasse sair dali, que pedisse para chamar meus responsáveis, um sinal claro do universo para que eu não seguisse meu plano; mas tudo que a mulher de meia idade com óculos de grau forte fez foi colocar as minhas coisas em uma sacola enquanto provavelmente me julgava em pensamento.

Droga.

Saí do pequeno supermercado acendendo um cigarro do maço enquanto colocava meus óculos escuros para me proteger dos raios de sol daquele sábado de manhã. Eu não costumava ser uma pessoa matutina, mas não havia conseguido dormir direito naquela noite, porque precisava fazer algo, e cemitérios eram assustadores demais em qualquer outro horário do dia.

Eu sabia que, desde que Dylan Chase retornara para minha vida, eu havia subconscientemente encarregado à ele a missão de juntar os pequenos cacos estilhaçados de quem eu era antes – ele fazia aquilo como se não fosse nada demais, com naturalidade, e eu fingia que não notava o que ele fazia. Com o tempo necessário, ele re-significou tudo para mim: a chave em meu pescoço, a cicatriz em meu quadril e quem eu pensava que gostaria de ser dali para frente.

Era assim que operávamos: aos poucos, Dylan Chase me fez acordar novamente de um pesadelo que eu nunca conseguiria sair sozinha, e eu seria eternamente grata a ele por isso – ele me ajudou a ver coisas boas em minha vida outra vez, e a me distrair do que era ruim. No entanto, existiam coisas que eu precisava re-significar sozinha se não quisesse depender de Chase para sempre.

Porque, no fim, tudo dependia de mim mesma.

Por isso, decidi tirar o sábado de manhã para visitar a minha mãe.

Eu sabia que era hora, porque não me sentia mais vazia como antes, ou triste, com raiva ou com medo – eu apenas sentia falta. De tudo um pouco, mas principalmente dela.

Assim como todo o resto, recaídas haviam ficado para trás, mas precisei de quase metade da garrafa de vodca e mais dois cigarros para reunir coragem, porque ainda não era forte o suficiente para fazer isso completamente sóbria, não da primeira vez. Depois, fui andando calmamente onde sabia que ela estaria, a lápide simples e elegante na grama verde, que quase parecia brilhar no sol quente da manhã – não havia muito, apenas seu nome, a data de nascimento e morte, além dos dizeres "ótima filha e ótima mãe" em itálico.

Me sentei em frente à lápide e segurei a chave em meu pescoço, encarando rosas brancas encostadas levemente na pedra que provavelmente foram deixadas pela minha avó, o que me fez sorrir um pouco. Fora isso, não havia nada ali que fizesse com que eu me sentisse melhor, mas eu já esperava por isso – por mais que seu corpo estivesse enterrado naquele lugar, minha mãe não estava mais aqui.

No fim das contas, era apenas uma pedra com seu nome.

No entanto, continuei ali, encarando os dizeres até que meus olhos ardessem, antes de dar um último gole na vodca e jogar o resto na grama, em uma espécie de ritual único meu – afinal, flores não faziam meu tipo. Então, disse:

– Eu não acho que esses dizeres estão certos. – Sorri um pouco, com saudade. – Você era uma droga de mãe.

Passei mais um tempo ali, encarando seu nome gravado na pedra, re-significando nossa história. Depois, me levantei, acendi um cigarro e finalmente fui andando em direção a saída, sem olhar para trás.

Com o tempo, qualquer ferida é capaz de se curar, mesmo que deixe cicatrizes. Agora, sabia que um dia eu conseguiria encarar as coisas com mais facilidade, e não me lembraria mais tão vividamente do seu corpo sem vida no final do corredor da minha antiga casa, mas sempre me lembraria do sorriso de Sarah Mason – contido, de lado, geralmente acompanhado de um revirar de olhos, e muito parecido com o meu.

***

Passei o resto da tarde sozinha em meu quarto, apreciando a tranquilidade que só meses de caos poderiam trazer – como o silêncio depois de um furacão. Além disso, havia feito todos os meus deveres de casa e pedido a minha avó para marcar um psicólogo, o que a deixou secretamente feliz – ela podia ser uma burguesa mesquinha na maior parte do tempo, mas eu sabia que se preocupava comigo e Jonah, e isso era mais do que suficiente.

Já estava escuro quando ouvi um barulho irregular e irritante contra a porta de vidro da minha sacada, e revirei os olhos antes de largar o livro que eu lia no móvel de cabeceira e abrir a porta, nem um pouco surpresa pela pessoa que me encarava lá embaixo, porque ela não iria desistir de quebrar os vidros da porta da minha sacada tão cedo.

Dylan usava uma camisa de mangas longas cinzas, para se proteger do vento frio da noite, e calça jeans; de longe, eu podia ver seu carro estacionado na rua, e sua mão lotada de pedrinhas pequenas que ele havia usado como ferramenta para vandalizar a porta da minha sacada. Ao contrário do que eu imaginava, ele parecia sóbrio enquanto me encarava quase envergonhado lá debaixo, então eu disse:

– Você não podia ter telefonado?

– Tinha impressão de que você não atenderia. – Ele sorriu. – Além do mais, achei que isso seria mais romântico.

– O que você quer, Dylan? – Perguntei, impaciente. – Tem algo  a dizer ou só estava entediado?

– O que você quer que eu diga?

– A verdade. – Respondi, imediatamente, porque era óbvio. – Quero algo real, não algo que você assistiu em um filme de comédia romântica quando estava bêbado. – Falei, apontando para as pedrinhas em sua mão direita de modo acusatório. – Não sou a próxima garota que você quer conquistar para cair nessa.

Dylan Chase era um idiota. Eu o amava, mas também o odiava e, naquele momento em particular, não gostava nem um pouco dele. Geralmente, tudo se resolvia com seu sorriso perfeito e uma piada esperta, mas, depois de tudo, aquilo havia deixado de ser suficiente. 

Porque eu sabia que estar com Dylan era como estar em uma montanha-russa, e se eu quisesse mesmo continuar na viagem de altos e baixos que só ele me proporcionava, precisava de mais do que isso para que pudesse me segurar. De fato, ele havia me feito muito mal, mas a chave em meu pescoço era a prova que também havia me feito muito bem – não sei onde estaria se não fosse sua presença em minha vida, os sentimentos que estar ao seu lado despertaram em mim, e eu não estava pronta para deixar isso para trás, à não ser que ele me provasse necessário.

Talvez a coisa certa a se fazer devesse ser acabar de vez com o passeio, mas gostava muito da adrenalina.

– Quero algo que me prove que estou fazendo a coisa certa. – Falei, finalmente. – Porque, no momento, não parece que estou.

– Eu poderia te fazer uma serenata. – Ele deu seu sorriso, provando meu ponto.

– Você não disse que era um péssimo cantor?

– Estou disposto a me humilhar para ter você de volta.

Mesmo sem intenção, acabei dando um sorriso, e decidi que essa era a hora de terminar aquela conversa e voltar para o meu livro:

– Tchau, Dylan.

– Vou pensar em algo, Teodora. – Ele respondeu, sério dessa vez. – Quero que você saiba.

– Pense rápido.

– Só preciso descobrir sua música favorita. – Ele gritou, enquanto eu fechava a porta da sacada e logo depois as cortinas, para que Dylan Chase não pudesse ver meu sorriso incrédulo.


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gente, o capítulo foi curtinho mas vou tentar fazer o próximo maior. também vou atualizar hoje todas as minhas outras histórias, então deem uma olhada!

outra coisa, fiz um vídeo no youtube, e quem quiser ver, o link ta no meu perfil do wattpad (é sobre livros e ta bem legal! assistam e me digam o que acharam <3). 

Me sigam no instagram para ficar por dentro das atualizações, o user é mssja9.

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