19 - Sem retorno

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Três dias se passaram, e meu padrasto ainda não havia retornado para casa. No entanto, todas as suas coisas – as roupas no cabide, os sapatos no canto da escada e até as cervejas na geladeira – eram uma promessa de que ele, eventualmente, retornaria.

Durante esses três dias, eu e minha mãe conversamos o tempo todo, e ela finalmente me contou que aquele olho roxo não era um evento isolado: as agressões aconteceram gradualmente – um empurrão e um pedido de desculpas depois, uma puxada de cabelo e um pedido de desculpas depois, um empurrão ainda mais forte e nenhum pedido de desculpas, um aperto forte no braço ou no queixo e, finalmente, um soco no olho que quase a fez desmaiar.

Os relatos fizeram com que eu me sentisse completamente culpada por ter estado tão ausente de casa e alheia a relação deles, mas tentei compensar isso nos três dias que passamos juntas. Apesar da tristeza e medo da minha mãe, pelo que poderia acontecer a seguir, foram três dias maravilhosos, sem interferência de nenhum homem ou brigas entre nós. Apoiei ela em tudo que pude, e não me senti mal em nenhum momento ao fazê-lo – todo o receio que sentia em relação a ela havia ficado para trás, e fiquei contente em perceber isso.

Acho que isso foi o que mais a incentivou a terminar de vez com George: saber que viver apenas comigo não seria de todo ruim.

Portanto, na segunda à tarde, nós juntamos todas as roupas e pertences do meu padrasto em um saco de lixo e deixamos no canto da sala, para que tudo fosse entregado a ele quando de fato retornasse, logo depois que minha mãe dissesse educadamente que não, não queria mais vê-lo nem pintado de ouro.

Eu tinha receio de que seu retorno faria com que ela perdesse a coragem, mas minha mãe era tão decidida quanto eu quando colocava algo na cabeça, e o lembrete do olho roxo toda vez que ela se via no espelho era um bom fator determinante para pôr um fim no relacionamento.

Faltei aula na segunda para passar mais tempo com minha mãe, enquanto ela olhava anúncios de trabalho no computador do meu quarto – não ter mais meu padrasto em casa significava não ter mais sustento, e minha mãe se recusava a pedir mais ajuda aos meus avós, que já pagavam pela casa em que vivíamos – algo que minha mãe pensava que eu não sabia –, assim como recusava que eu trabalhasse mais do que algumas horas por dia no bar que estava acostumada. Apesar de tudo, ela parecia minimamente animada para começar aquela nova fase em sua vida e, depois de se candidatar para todos os empregos de recepcionista possíveis, olhou para mim e sorriu.

– Só nós duas morando juntas, vai ser divertido. – Ela arqueou as sobrancelhas, usava um lápis para prender o cabelo e um macacão bege, que faziam com que ela parecesse uma artista. Apesar do olho roxo, agora menos perceptível, minha mãe estava linda. – Como colegas de faculdade.

– Acho que você está uns vinte anos velha demais para isso. – Sorri, sentada na minha cama, e ela me mostrou a língua. – Mas sim, vai ser divertido.

Olhei o celular outra vez, apenas por hábito: não havia recebido notícias de Dylan desde que ele me deixara em casa no domingo de manhã, e o desaparecimento dele, apesar de previsível, me deixava melancólica. O garoto, no entanto, era uma preocupação passageira, que eu deixava guardada no fundo da minha mente junto com outros assuntos menos importantes, enquanto me concentrava em ajudar minha mãe a passar por aquela fase.

Na terça-feira, a desculpa de "passar tempo juntas" não colou, e minha mãe me obrigou a ir para aula. Enquanto eu tomava cereal para o café da manhã, ela se sentou de frente para mim na pequena mesa da cozinha e disse, ainda usando o mesmo macacão do dia anterior, porque odiava lavar roupa:

– E depois, quando você for para faculdade e me deixar aqui sozinha? – Ela apoiou a mão no rosto e disse, como uma criança: – Não quero ficar sozinha.

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