21 - Tudo que perdi

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4 MESES DEPOIS.

O sol iluminava o lugar pela fresta das persianas, e eu conseguia ver pequenas partículas de poeira sempre que olhava na direção da janela, dançando no ar, sem pressa. Suspirei, ajustando o olhar à caridade, e esperei por alguma coisa que me tirasse aquela sensação de calma, estranhamente vazia.

Nada.

Eu não tinha ideia de onde estava.

Olhei em volta, tentando encontrar algo familiar. Era um apartamento pequeno, pintado de branco e feito para acomodar uma pessoa. A cama em que eu me encontrava era bem confortável, e os lençóis macios. A janela iluminava parcialmente o lugar, que se encontrava levemente bagunçado, e eu grunhi ao me levantar, a cabeça girando.

Havia um garoto dormindo no chão.

Me agachei e virei o rosto para enxerga-lo melhor, o que fez com que a minha cabeça doesse ainda mais, devia ter menos de vinte e cinco anos, cabelos castanhos, maxilar definido, era bonito. Eu ainda não me lembrava de nada.

Achei minhas roupas jogadas junto a bagunça no chão e as vesti. No criado-mudo, ao lado da cabeceira da cama, havia uma foto do garoto caído no chão com uma menina morena, sorridente. A presença dela naquela casa explicava os lençóis limpos, assim como a bagunça de roupas no chão explicava sua ausência.

Eu não sabia se eu era resultado de uma traição mal elaborada ou uma distração pós-termino, e não poderia me importar menos. Vesti minhas botas e dei uma última olhada para o garoto apagado no chão, que usava apenas cueca box, antes de achar sua carteira no meio da bagunça e roubar dele dinheiro suficiente para pegar um táxi.

Se ele ainda estava junto com a garota da foto, acho que merecia.

Antes de sair, dei uma olhada para mim mesma no espelho pregado a parede perto da porta, ainda não tinha me acostumado com o cabelo curto e assimétrico no estilo chanel, minha maquiagem estava borrada e minha blusa estava ao contrário. Dei um sorriso para meu reflexo e não me importei em consertar qualquer estrago antes de finalmente deixar o apartamento do garoto que eu não conhecia.

Eu me sentia como aquelas partículas de poeira, dançando no sol, parada no tempo.

***

Cheguei na casa dos meus avós menos de meia hora depois, com o estomago revirado pela viagem de carro e bebedeira da noite anterior. Minha atual residência tinha três andares e, apesar de majestosa, não me lembrava o sentido da palavra "lar" de maneira alguma. Era pintada de bege e contava com a fachada em estilo colonial – algo que minha avó repetiu muitas vezes na primeira vez que cheguei – e dois coqueiros gigantescos na entrada que, de alguma forma bizarra, me davam ainda mais vontade de vomitar.

Da entrada, eu podia ver a sacada do meu quarto, que ficava à esquerda – minha avó achou que me faria feliz me colocar em um dos quartos com a melhor "vista" do lugar (que era, basicamente, a miragem de outras casas de luxo praticamente iguais a que me encarava agora) e pensei se valia a pena tentar subir pelas trepadeiras do telhado ao lado no meu nível de ressaca, mas imaginei que minha avó não ligaria de me ver chegando pouco depois do meio dia com a blusa virada ao contrário e a maquiagem borrada – ela não ligava para muito do que eu fazia com a minha vida – e finalmente abri a porta da frente.

Agora, minha personalidade se resumia em ser a garota rica e rebelde para qualquer um que me conhecesse superficialmente, e isso incluía meu avô e seus empregados.

Subi as escadas e fui direto para o meu quarto, com uma das faxineiras me olhando feio conforme eu trancava a porta na cara dela. Meu novo quarto era, obviamente, duas vezes maior do que meu quarto antigo, e também duas vezes menos aconchegante – pintado de bege como o lado de fora da casa, contava com uma cama kingsize, um closet embutido na parede, um banheiro só meu e um tapete felpudo marrom escuro muito macio. Tirei as botas e passei os dedos no tapete, de um lado para o outro, enquanto sentia sua maciez, e finalmente deixei uma lágrima escorrer.

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