27 - Fantasmas

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Acordei com dor de cabeça no dia seguinte, devido ao excesso de champanhe da noite anterior. Ainda assim, quando olhei para o meu mais novo cordão, enrolado em meu pescoço, sorri, antes de me levantar e encarar outro dia de aula.

Assim que cheguei do colégio e entrei em casa, feliz porque minha ultima aula do dia havia sido cancelada, minha avó, que me esperava com um sorriso petrificado no rosto, enganchou o braço no meu e me levou para a sala de jantar, tirando toda a felicidade do meu rosto, enquanto tagarelava:

– Teodora, que bom que finalmente chegou. Estávamos te esperando para o almoço.

Me sentei a mesa enquanto Jonah e meu avô nos esperavam, desconfiada, enquanto os dois exibiam a mesma cara de tédio. Infelizmente, os quatro meses que passei convivendo com minha avó a fizeram mais esperta sobre minhas escapulidas: ela sabia que, se quisesse que eu fizesse algo sem ter tempo de dar uma desculpa esfarrapada, tinha que me pegar de surpresa.

A cozinheira começou a servir os pratos enquanto minha avó comentava sobre o clima do dia, e Jonah, sentado de frente para mim, revirava os olhos dramaticamente na minha direção. Quando a cozinheira saiu da sala, eu me empertiguei:

– Devemos fazer uma oração? – Ironizei, e só Jonah riu.

Durante o resto do almoço, minha avó e meu avô conversaram sobre o sucesso que foi a festa e sobre um evento importante que compareceriam naquela noite enquanto Jonah e eu nos demos olhares cúmplices e entediados um para o outro, devorando a comida servida no processo. Quando estava pronta para me levantar, minha avó insistiu para que esperássemos, e saiu da sala por um minuto. Ela voltou segurando duas caixas de madeira, entalhadas, de tamanho médio, idênticas, e eu afundei um pouco na cadeira, porque tinha o sentimento ruim sobre o que aquilo poderia significar:

– Eu e seu avô estávamos conversando ontem sobre o meu discurso, sobre a próxima sexta... – Ela falou, olhando para Jonah, claramente o favorito. – E pensamos que seria mais certo se vocês tivessem isso.

Ela me entregou uma caixa e estendeu a outra para Jonah, que a segurou tão relutante quanto eu, enquanto meu avô falava, contido:

– São compilados de coisas que reunimos nos últimos anos, sempre guardamos essas coisas devido à... nossa relação complicada com Suzan e Sarah. – Ele completou, e eu engoli em seco. – Fotos, cartas, cartões postais... tudo que elas nos mandavam para avisar que ainda estavam vivas.

Eu quase gargalhei, nervosa, pela última frase, porque essa era a última coisa que meu avô poderia falar para definir o estado de suas duas filhas naquele momento. Jonah parecia tão desconfortável quanto eu, mas, diferente de mim, parecia mais entristecido do que com raiva, enquanto eu queria gritar para que meus avós entendessem, de uma vez por todas, que não queria me lembrar de nada daquilo.

Então, para evitar maiores desentendimentos, apenas peguei minha patética caixa de madeira, me entregada como um presente quando era mais do que tudo, um fardo, e sai da sala sem dizer nada, subindo para o meu quarto logo em seguida. Assim que bati a porta, uma lágrima escorreu pela minha bochecha, e eu a limpei, com raiva, enquanto abria a caixa parcialmente.

Logo de cara, no topo da caixa, me deparei com uma foto minha e da minha mãe quando eu ainda devia ter aproximadamente 4 anos, ambas dando língua e sorrindo. Eu usava maria-chiquinhas com liguinhas de cores diferentes no cabelo loiro curto e tinha franja, e minha mãe olhava para mim ao dar língua, se certificando que fazíamos a mesma pose, enquanto eu olhava para a câmera, que, provavelmente, era meu pai quem segurava.

Fechei a tampa com força, e limpei a outra lágrima que escapou e coloquei a caixa na cama antes de ir para a sacada e me sentar no chão, respirando ar puro, porque me sentia pesada, a chave no meu pescoço pesando toneladas. Lidar com tudo aquilo era demais para mim, e meus avôs já deveriam saber, depois de quatro meses de convívio que, minha mãe e sua morte eram assuntos que eu não gostava de tocar.

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