23 - Passado

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Encarei as letras no espelho, refletidas ao contrário enquanto virava meu corpo de um lado para o outro na sala do tatuador, com a camisa parcialmente levantada. Elas se encontravam no meu quadril, logo abaixo da minúscula cicatriz que a faca do meu antigo padrasto e os pontos retirados antes da hora haviam deixado, em fonte de máquina de escrever.

"Morte."

– Tem algum significado? – Maxine perguntou, olhando para minha nova tatuagem com os óculos de sol vermelhos em formato de coração abaixados, enquanto puxava refrigerante de um canudo colocado em um copo gigante, parecendo ter saído diretamente de um filme sobre o verão da Califórnia.

– Não sei, acho que ainda estou bêbada. – Respondi, dando de ombros e abaixando a camisa. A tatuagem era apenas algo que eu havia achado que precisava ser feito, mesmo sem entender direito o porquê. – Você colocou algo na minha bebida ontem?

– Sinceramente? Não me lembro. – Ela respondeu, passando uma nota de cem para o tatuador, que já parecia impaciente. Eu a pagaria de novo depois, porque dinheiro não era mais um problema depois da mesada generosa que meus avós me ofereceram, com objetivo de curar minhas feridas.

Olhei para mim mesma no espelho uma última vez antes de ir embora: eu tinha um rasgo horrível no lábio inferior, e não me lembrava de onde havia conseguido aquilo, assim como não me lembrava de ter dormido com Liam, mas me lembrava de ver Dylan beijar a garota loira em alguma parte da noite.

Maxine chamou pelo meu nome, e nós fomos embora.

***

Antes de entrar em casa, sentei na calçada do condomínio de luxo e fumei um cigarro roubado de Maxine, porque estava chateada demais para fingir que havia desistido de fumar. A decisão foi boa, porque tenho certeza que teria saído correndo quando uma das empregadas me abordou na entrada e me conduziu até a sala de jantar se não tivesse extasiada de nicotina.

Na sala de jantar, se encontrava minha avó, vestindo um terninho de saia bege como se estivesse prestes a ir para uma festa, o cabelo branco brilhante que ela havia assumido nos últimos meses perfeitamente penteado – essa era a nova marca dela, assumir os fios brancos como se tivesse aceitado a velhice e usar botox todo mês para impedir as rugas – combinando com o brinco de pérolas enquanto sorria amigavelmente para mim. Do lado dela, se encontrava um garoto que parecia ter minha idade, que tinha uma covinha na bochecha, cabelos cor de mel e olhos iguais aos meus – ele me encarou do mesmo jeito que eu tenho certeza que o estava encarando: com descontentamento.

– Teodora, que bom que chegou, estávamos esperando por você. – Minha avó anunciou, como se minha saída estivesse nos planos da família.

– Oi. – Respondi, me sentando a mesa.

– Esse é Jonah, seu primo, ele acabou de voltar. Você se lembra dele? – Minha avó disse, como se não fosse óbvio. – Tenho certeza que vocês vão se dar super bem. O que aconteceu com sua boca?

– Pulei de um penhasco.

– Jonah estava na Argentina, Teodora. – Quando eu não respondi, ela continuou, inabalada: – Eu e seu avô estamos pensando em dar uma festa de boas-vindas para ele.

– E onde está o vovô? – Perguntei, encarando o garoto.

– Em uma reunião de negócios. – Minha avó respondeu imediatamente, mais ríspida do que pretendia. – Mas estará aqui para o jantar. Isso me lembra, vou até a cozinha ver se o prato principal já está pronto. –Ela se virou para a empregada que havia me acompanhado, parada à porta de jantar. – Linda, por favor, traga as entradas.

Assim que minha avó saiu da sala, Jonah disse:

– Você roubou meu quarto.

– Não sabia que o quarto era seu. – Respondi, pegando um pãozinho assim que Linda colocou os na mesa, não havia percebido que estava com fome até ver comida. – Você não vive mais aqui.

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