2022

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2022...

As coisas parecem mais calmas ultimamente, não entendo bem essa calmaria toda... Abro o celular pra ler as noticias, no jornal patriota vejo que terroristas foram mortos em uma emboscada. Aqui diz que estavam escondidos em um casebre nas redondezas, que a força popular chegou e já foi recebido a bala, então tiveram que revidar. Isso ainda vai me dar grandes problemas! E ainda tudo parece tão calmo, como se fosse um marujo sentindo a mais bela e fina brisa do mar, mas como bom marujo que sou, sei que a tempestade já está pra chegar.

Já são 04:30 da manhã... Tenho que correr pra me arrumar, tomar banho e correr mais ainda pra chegar cedo. Hoje vai ser daqueles dias... Escolta de alimentos, sempre da merda! É um corre e corre, tentam saquear a comida, é uma violência gratuita, uns virando vila, roubo e se não ficar de olho até assassinato tem. Fazer escolta dos alimentos é um inferno! Mas fazer oque né, ordens são ordens e tenho que obedecer. Tenho é que correr, se eu me atrasar meu superior me mata. Já basta eu ter atrasado semana passada.

Entro no carro e sigo dirigindo, o sol nem nasceu ainda e já tenho que me levantar pra trabalhar. Até que o silêncio da madrugada me conforta! Quando todos estão em suas camas, fofinhas, pouco se lixando aos outros. Eu sigo caminhando por essas estradas silenciosas, com seus mortos já esquecidos, mas ainda espera seu alvorecer, um alvorecer já esquecido, já deixado em alguma curva dessas. A cada minuto que se passa, cada quilometro a mais percorrido o crepúsculo de mais um dia de luta começa a chegar. Eu não sei mais qual o lado certo da historia, se meu sonho de servir e proteger ainda servem, se já me tornei o a peça no xadrez que foi descartada por ser intolerável! Eu , só sei que recebo ordens e devo que obedecer.

Já amanheceu e nem cheguei à avenida principal. Meus sentimentos, meu pensar começo colocar em uma caixinha escondida no peito. Logo, logo tenho que colocar minha armadura e não posso deixar essas tolices ao relento, na verdade não me lembro quando foi que deixei esse pássaro fora, deve ter morrido, envenenado pelo ódio.

Começo a chegar mais perto do batalhão, agora falta alguns minutos pra meu eu sumir e entrar o cavaleiro negro, sem sorriso, sem abraço, só com o sim senhor!

Cheguei! Já me sinto como se eu fosse outra coisa, não mais como um ser humano. A cada peça de roupa retiro, a cada peça do uniforme que coloco é como minha humanidade tivesse sumindo. Como se eu fosse um instrumento, fosse só mais uma arma, fosse mais um peso na balança da moral. Eu não sei quem sou mais! Se sou o filho da dona Ana ou se sou o sargento Fagundes.

Entro no camburão, chego ao deposito. Vejo homens já de idade carregando caixas e mais caixas. Isso faz lembrar do meu pai que trabalhou a vida inteira, carregando cimento, tijolo, vigas de ferro, e nunca conseguiu ver seu filho formado. Mas enfim, cada um faz que pode pra sobreviver. Uns carregam caixas, outros corpos, mas sempre estamos carregando alguma coisa. Agora o caminhão está carregado, hora de subir o morro. A primeira viatura vai a frente do caminhão, e a minha vai atrás.

Começamos a subir e a cada ladeira que passamos as pessoas começam a acompanhar. Depois de alguns minutos nossa subida começa a parecer uma procissão, e a final de contas é uma, o homem de barriga vazia não tem fé. Às vezes parece que Deus esqueceu que ainda estamos aqui em baixo, fome, Aids, Drogas, pessoas sendo queimadas vivas, vivemos nesse imenso inferno sem ao menos sentir sua compaixão. Mas está revoltado não adianta em nada, na verdade não existe solução. Chegamos ao nosso ponto final, vejo aquela multidão enorme e isso me preocupa se não tiver cestas básicas suficientes pra esse povo vai haver confusão. Começamos a entregar, e a cada pessoa que os agentes chamam mais esse medo recobre. Mas não posso fazer nada, única coisa que posso fazer é terminar meu serviço e sumir daqui. E entra pessoas, saí pessoa e aquela fila não diminui. As coisas começam a ficar um pouco tensa, uma discussão ali, outra aqui, nada que não ainda pra controlar. Mas quando disser que acabaram as cestas, aí que o descontrole começa. E novamente o entra e vai de pessoas, agora só restam poucas, achou que dar no mínimo pra mais vinte pessoas. Eu olho pra meus companheiros, vejo muitos ali muito nervosos, suando, gritando com o povo, e isso faz o medo ficar mais forte, as coisas vão esquentar e desse jeito eles não vão conseguir resolver.

Agora faltam mais duas cestas... O povo começou a perceber que não vai ter pra todo mundo e começam a querer entrar pra tentar a sorte, ou quebrar com raiva que não deu pra todos. Oque a fome não faz com um povo? Como o estado deixa isso acontecer? Dizem que o país está em crise, que roubaram nosso dinheiro e precisamos apertar os cintos que vamos vencer. Mas quem roubou? Foram à classe operaria? Então porque quem sofre com isso somos nós? A muitos anos que comecei a desacreditar nas falácias que esses políticos dizem, Nessas coisas que são a mudança, essas baboseiras que todos dizem. Quando eles estão sentados em seus tronos de ouro, a base está aqui jogada ao deus dará.

A última cesta foi entregue... Agora não tem mais jeito, a confusão vai começar. Vejo pessoas empurrando a outra, puxando as cestas da mão dos outros. Tendo correr pra frente pra tentar amenizar a confusão, os outros policiais já estão lá, fazendo a proteção. Vou chegando mais perto da porta e escuto um barulho de janela quebrando, volto correndo pra ver se alguém tinha se ferido, uma das assistentes cortou a cabeça. Olho pela janela e vejo muitos cantando pedras no chão, puxo todos pra uma salinha no fundo, lá não tem janela vão está mais seguros lá. Fecho a porta e começo a andar pra rua, as coisas estavam realmente feia. Ouço um tiro vindo lá da frente, sei que agora deu em merda. Corro mais rápido possível, agora as coisas vão piorar. Chego na frente. Vejo um dos novatos, com a arma apontada ao povo, vejo um senhor caído, o povo todo partindo pra cima, eu não sei mais oque fazer! Começo a chamar todos os soldados pra dentro, deve ser mais fácil controlar a situação se tiver todos os policiais trancados lá dentro. Todos começam a correr pra dentro, e o povo avançando com mais ódio no coração, estavam com tanta raiva que passaram por cima do senhor, como ele nem tivesse mais ali.

Passaram horas que estamos todos aqui trancados, e parece que a cada minuto mais raiva eles tem, sinto que não irá demorar muito pra entrarem. O povo querendo matar todos que estão aqui dentro, os que estão aqui dentro querem atirar nos que estão lá fora. Esse é daqueles dias que era melhor ter ficado em casa, não sei como resolver essa situação. Dar vontade de abrir a porta e deixar todos se matarem, e se eu fizesse isso oque eu seria? Mas também não aguento mais ficar aqui dentro, tenho que resolver logo.

Já passou mais meia hora que estamos aqui dentro, não ouço mais aquele tumulto todo. Graças a deus! Ainda bem que acalmaram, mas se sair todos agora o tumulto volta com tudo.

É melhor ir sozinho conversar com eles, ver de algum modo de eles irem embora. Abro a porta, vejo aquele mar de gente partindo com tudo pra cima. Fiz merda! Agora não tenho controle nenhum, é matar ou morrer. Tento puxar minha arma, mas antes que eu pudesse levantar meu braço sinto uma grande pancada... Nem sei quem foi, e de onde veio essa pancada, as únicas coisas que vi, foi aquele mar de gente vindo pra cima de mim, meu corpo capotando no chão e um monte de pés em meu rosto...

O Mistério Contido Nos VentosWo Geschichten leben. Entdecke jetzt